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Do Sci-Fi à realidade: carros voadores no horizonte do Brasil
No Brasil, os eVTOLs devem começar a operar em 2025, mas há obstáculos como instalação dos vertiportos para pousos e decolagens.
Por
Ana Cecília Panizza em 21 de maio de 2024 6minutos de leitura
Imagem: Eve/ Divulgação
Pode parecer filme de ficção científica, mas, daqui a alguns anos, o céu do Brasil e do mundo vai ser frequentado por carros que voam e transportam pessoas. O mundo aguarda o início das operações dos chamados Electric Vertical Take-Offand Landing (eVTOLs) – em português, veículo elétrico que decola e pousa na vertical. Essas aeronaves, conhecidas como carros voadores, prometem revolucionar a mobilidade urbana global. Porém, enquanto a tecnologia avança, a chegada dos eVTOLs no Brasil se depara com obstáculos, como infraestrutura: discute-se onde e como será a instalação de vertiportos, que são estruturas para pousos e decolagens de carros voadores semelhantes às de um heliponto.
Parecidos com drones, mas de passageiros, os eVTOLs serão elétricos. Alguns modelos terão piloto e outros serão autônomos. Irão voar conectados com a Internet e poderão ajudar a desafogar o trânsito nas grandes cidades, uma vez que serão usados em viagens rápidas, dentro de um município ou entre cidades vizinhas. O alcance será de 100 quilômetros. Por exemplo, uma viagem de uma hora pela Linha Amarela do Rio de Janeiro, em horário de pico, poderá ser feita por um carro voador em dez minutos. Os eVTOLs também têm relevância ambiental, já que serão movidos a eletricidade e não a combustível. Os baixos níveis de ruído em relação aos helicópteros são outra vantagem.
Carros voadores já sobrevoaram, mais de uma vez, o céu de Nova Iorque, nos Estados Unidos. A Joby Aviation fez, em novembro de 2023, o primeiro voo de eVTOL. A empresa americana produziu uma aeronave para a Força Aérea dos EUA e deve entregar a segunda unidade em 2024, com início de voos comerciais em 2025. A alemã Volocopter também fez voo-teste na cidade e pretende realizar voos comerciais ainda em 2024. Outra alemã, a Lilium, tem acordo para venda de 220 unidades para a companhia aérea brasileira Azul, que planeja usar eVTOLs a partir de 2025.
A americana Alef Aeronautics oferece seu eVTOL em pré-venda por cerca de 1,5 milhão de reais e já foi reservado por quase três mil clientes. Outra americana, Aska, trabalha em um eVOLT do tamanho de um carro SUV previsto para entrega em 2026. A aeronave já está em pré-venda para clientes particulares e custará cerca de 3,9 milhões de reais. A montadora sul-coreana Hyundai projeta um eVTO por meio de sua subsidiária Supernal. A empresa apresentou um protótipo da aeronave e pretende receber a certificação para uso comercial nos Estados Unidos a partir de 2028.
eVTOLs made in Brazil
O Brasil conta com empresas fabricantes de eVTOLs, como a Vertical Connect, de Fortaleza, Ceará. A fabricante criou a aeronave Gênesis-X1, que deve custar cerca de dois milhões de reais. Outra brasileira é a Eve Air Mobility, da Embraer. A empresa anunciou que sua primeira fábrica ficará na cidade de Taubaté (SP), mas sem previsão de data de inauguração. Informou também que os primeiros eVTOLs devem rodar em 2026.
No início, viagens de cerca de 15 minutos deverão custar entre 250 e 500 reais. Os carros voadores terão capacidade para quatro passageiros e um piloto (ou seis passageiros em voos sem piloto). A Eve montou o primeiro protótipo do carro voador em escala real e iniciará fase de testes. A fabricante recebeu cartas de intenção para venda de quase três mil eVTOLs.
Entre os clientes da Eve está a japonesa AirX, considerada a maior empresa pública de serviço de fretamento de helicópteros do Japão e uma das pioneiras em mobilidade aérea do país. A carta de intenção prevê a venda de 50 eVTOLs, mesmo número de carros voadores que consta em acordo assinado pela Eve com um comprador brasileiro, a Revo, empresa de mobilidade urbana por helicóptero com foco no público de alta renda.
A Revo oferece, por meio de aplicativo, reserva – em poucos minutos e cliques – de um ou mais assentos em helicóptero, com rotas que ligam o Aeroporto Internacional de Guarulhos à Avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro da capital paulista. Também são oferecidos voos que fazem o trajeto São Paulo-Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz (SP). A plataforma de tecnologia proprietária da Revo já está pronta para realizar uma adaptação e passar a oferecer viagens em eVTOLs, assim que estiverem disponíveis no mercado.
Não só na cidade
Carros voadores não serão úteis só nas áreas urbanas – no campo também. Eles foram apresentados durante a Agrishow 2024, maior feira de tecnologia agrícola do Brasil e uma das maiores do mundo, realizada no fim de abril e início de maio de 2024, em Ribeirão Preto (SP). O público-alvo? Donos de fazendas e empresários do agronegócio, que costumam viajar de avião e helicóptero para se deslocar entre as propriedades.
Na Agrishow eles conheceram o carro voador eVTOL 216-S, fabricado pela empresa chinesa EHang. Cerca de 14 empresários do agronegócio compraram unidades do carro voador, por 2,6 milhões de reais. Segundo a Gohobby, empresa que comercializa o veículo no Brasil, o preço inclui frete da China para o país, estação de carregamento e treinamento para operar o veículo.
A ideia é que o eVTOL 216-S pouse em qualquer heliponto. Ele será pilotado remotamente, transportará até duas pessoas, terá compartimento de carga e percorrerá uma distância máxima de 30 quilômetros. Para um eVTOL voar no Brasil, é necessária a autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A expectativa da Gohobby é de que isso ocorra em um ano e meio ou dois anos. A entrega dos veículos será feita depois dessa liberação.
Brasil enfrenta desafios na corrida global dos carros voadores
A homologação junto à Anac é um dos entraves do uso de carros voadores no Brasil. Uma regulamentação está em estudo pelo órgão de aviação civil (Anac). As normas precisam definir como será o tráfego aéreo entre helicópteros e eVTOLs. Na capital paulista, por exemplo, o espaço aéreo já é congestionado – e esse problema de espaço ficará a cargo do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).
Outro desafio é quanto aos locais para pouso e decolagem de carros voadores. Em outubro de 2023, a Anac publicou a recomendação de que a infraestrutura de um vertiporto siga, a princípio, moldes semelhantes aos de um heliponto. O problema é que nem todos os helipontos podem ser usados como vertiportos porque é necessária muita energia elétrica para recarregar a bateria de um eVTOL – não são todos os edifícios que disponibilizam isso.
É preciso, assim, construir estações de recarga. Essa alta demanda por energia é um dos obstáculos para os fabricantes de eVTOLs, já que um grande número de baterias pode reduzir a capacidade do modelo, ocupar espaço e aumentar o peso do veículo. Uma alternativa estudada pelo setor é reservar áreas para vertiportos dentro de aeroportos. A Anac vai avaliar novas soluções e tecnologias para vertiportos no país e recebeu inscrições de propostas técnicas para a construção e a operação desses locais. Outro obstáculo quanto a infraestrutura é a conectividade, já que irão voar conectados com a Internet.
“Os eVTOLs são o futuro da mobilidade. Eles tornarão os voos mais verdes, acessíveis e sustentáveis, mas quem vai operar esses veículos? Onde estão os passageiros? Há muito a ser feito ainda em termos de infraestrutura para que eles se tornem uma realidade em alguns anos”, afirma João Welsh, CEO da Revo. Ele acrescenta que a empresa experimenta um processo acelerado de aprendizagem com helicópteros para liderar essa transição para eVOLTs. “Estamos comprometidos em criar um futuro em que os voos urbanos sejam mais democráticos e neutros em carbono”.
A preparação do Brasil e do mundo para a era dos eVTOLs
Os entraves aos eVTOLs no Brasil já são percebidos mundialmente. Em ranking dos países mais bem preparados para receber os carros voadores, elaborado pela consultoria KPMG, a posição do Brasil caiu da 8ª para a 11ª. Mas o país está à frente de Espanha, Nova Zelândia e Noruega. O levantamento considera fatores como aceitação do consumidor, legislação e oportunidade de negócio. Para a KPMG, a queda do Brasil não significa piora do mercado nacional, mas reflete avanço de países que investem mais no setor. Os primeiros colocados são Estados Unidos, China, Reino Unido e Japão.
Já estudo da consultoria britânica Deloitte, com escritório em mais de 100 países – entre eles Brasil – mostra que, a nível global, a implementação do serviço de veículos voadores será em etapas graduais e abrangerá diferentes públicos. Segundo a consultoria, em um primeiro momento, andarão de eVTOL pessoas ricas, que irão comprar os veículos como alternativa aos helicópteros. Em outro momento, carros voadores devem se popularizar entre turistas para deslocamentos entre destinos próximos, em substituição ao transporte público. A Deloitte calcula que os eVTOLs irão se tornar comuns na década de 2030. Assim, daqui a seis anos o filme que antes era de ficção científica pode se tornar uma obra realista.
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