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Gabriela Bilá: cidades sempre farão sentido. Mas lógicas mudam.
Cidades como ponto de conexão e encontro serão sempre necessárias para a humanidade, não importa a tecnologia, diz Gabriela Bilá.
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Camila de Lira em 17 de abril de 2023 5minutos de leitura
Foto: Bento Viana
Apesar de todas as previsões desde 2019, a cidade grande não morreu. As ruas não deixaram de existir. As casas e prédios continuam erguidos. Cheios de vida, prontos para encarar uma transformação de sentidos. A tecnologia entra nesse caminho como mais uma ferramenta de mudança. E as pessoas? São elas e as conexões que fazem entre si que farão as cidades chegarem no futuro. Essas são algumas dos aprendizados que o Habitability teve depois de um bate-papo com a arquiteta e artista plástica Gabriela Bilá.
Bilá é uma arquiteta multimídia focada em estudar os futuros das cidades no MIT Media Lab, o laboratório de mídia e pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das mais respeitadas instituições tecnológicas do mundo. Em seu TEDX, Gabriela fala sobre a capacidade das cidades em criar conexões. Para o Habitability, a artista mostrou porque a urbanicidade ainda será a realidade da humanidade nos próximos séculos.
“A cidade é um centro de conexão entre pessoas. É um espaço para encontrar, trocar ideias. O grande motivo que as cidades faziam sentido e ainda fazem sentido é para promover o encontro e a colisão entre pessoas”, fala Gabriela. Reduzir as desigualdades foi uma das principais razões pelas quais as cidades permaneceram relevantes nos últimos séculos, e esse será também o balizador das próximas gerações urbanas. Com o “detalhe” de que, até 2050, mais de 70% da população mundial deverá ter migrado para morar em cidades.
“O grande desafio é fazer todo mundo participar do jogo social que a cidade promove, mitigar as desigualdades e tornar a cidade fácil para todos. Estender o privilégio que é viver em cidades”, fala Gabriela. Para isso, é preciso quebrar alguns sistemas atuais, como o de especulação e privatização de espaços.
Para a pesquisadora, passamos por um momento de reinvenção da cidade como conhecemos. Com perguntas que devem ser respondidas por tecnologia e humanos: como iremos nos movimentar na cidade do futuro? Quem serão nossos vizinhos? Como iremos trabalhar? O que vai significar uma rua movimentada em uma cidade onde todos compram online? Poderemos criar outros usos para as calçadas que não sejam apenas o comercial?
“A gente vai poder repensar o que significa a vida de rua. Será que a vida de rua se resume a vitrine atrás de vitrine? O que mais pode ter naquele espaço? Porque a gente não vai deixar de sair de casa e fazer coisas. Mas quais tipos de experiências a cidade poderá oferecer?”, pergunta Bilá.
Conexão em volta da mesa
Muitos acham que para estudar as cidades do futuro é preciso se debruçar sobre as novas tecnologias de carros voadores, redes de internet ultra rápidas e veículos que se dirigem sozinhos. Para Gabriela, é bem o oposto disso. O futuro das cidades está nas favelas. “Estudar como as pessoas vivem e como a teia urbana dessa cidade se constrói é estudar o futuro”, aponta a arquiteta.
Para provar o seu ponto, Gabriela participou de jantares e almoços. Em um projeto para o MIT Media Lab, chamado With(in), Gabriela foi a Guadalajara, no México, ao Cairo, no Egito, e a Port Harcourt, na Nigéria. A investigação da pesquisadora era: como as pessoas vivem nessas comunidades autoconstruídas. Para esta pesquisa, que se tornou uma obra visual imersiva participante da Bienal de Veneza, Gabriela foi para casas de mulheres nessas cidades díspares e comeu com elas.
“Não era para ser um trabalho sobre mulheres, e sim, para falar com aquele que tomava as decisões sobre alimentação nas casas dessas cidades. E acabou que foram as mulheres, era o trabalho feminino”, conta a artista. Em volta da mesa, Gabriela pôde observar a forma com que as pessoas lidavam com o ambiente, como a cidade se sobrepunha ao pessoal e um pouco da cultura de cada país.
Além disso, ela conseguiu entender um pouco sobre como o governo lida com essas “favelas”. “Por exemplo, na Nigéria as demolições são mais frequentes. Em Guadalajara existia política de incorporação, da cidade incorporar aquela área como parte do território formal, cria nome de rua, tem infraestrutura. No Cairo, por conta da área fértil pequena em volta do Nilo, o adensamento é maior. Aquilo não é incorporado ou demolido, não se lida com os prédios não acabados”, conta.
Gabriela acrescenta que, no Egito, há uma regra que indica que se o prédio não está com acabamento, ele não precisa pagar certos tipos de impostos e taxas. Logo, essas construções informais costumam ter tijolos e cimento aparente, não muito diferente do que é encontrado nas favelas brasileiras. Com o único detalhe da altura: “são prédios altos, de 20 andares, construídos na informalidade”.
Para ela, a pesquisa a fez questionar a nomenclatura dada para tais bairros. É chamado “informal settlements“, ou comunidades informais. “Mas não tem nada de informal neste lugar, a estrutura familiar é super formal. O papel da mãe, do pai, dos avós, dos filhos, é super estruturado. É uma estrutura social muito formal, no sentido de menos tocada pela generalização da globalização do que as partes mais ricas da cidade”, diz Gabriela.
“O futuro é entender essas comunidades, porque é um fenômeno global que está se acelerando. O futuro das cidades são as cidades construídas por uma organização que escapa ou não é atendida pelo governo central”, fala Gabriela.
Solução e não problema
Se o futuro da urbanização está no que deve ser construído à margem do centro, por uma população que nem sempre têm voz nos governos, é preciso entender como as políticas públicas vão agir em favor desses cidadãos. “Como os governos vão criar formas melhores de morar e mais igualitárias para aquelas pessoas?”, coloca Gabriela.
Para a arquiteta que estuda no MIT Media Lab, esse também é o motivador da criação de tecnologia para as cidades: será que esse novo dispositivo vai tornar a vida de todos mais fácil? A arquiteta comenta sobre as pesquisas com uso de mini baterias, exatamente pensando em espaços mais remotos, onde a infraestrutura de iluminação e energia elétrica pode não chegar.
“As cidades não são um problema de design, aliás, o design pode ajudar muitas coisas. Mas tudo recai sobre a política pública e o desenho das políticas públicas”, aponta Gabriela. Segundo ela, o urbano pode deixar de ser um problema e ser parte da solução, tanto das aflições sociais da população, como também da crise climática que passamos: o adensamento populacional, diz Gabriela, poderá criar mais espaço para a natureza e reduzir a poluição; uma cidade em que as pessoas se movimentam menos para chegar nos lugares também gera uma perspectiva sustentável; é nas cidades também que os modelos de consumo e produção podem ser repensados e alterados.
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