Interruptores na altura certa, corredores sem obstáculos, luz natural, vasos de plantas, arte nas paredes e – por que não? – a companhia de um animal de estimação. Para o arquiteto, urbanista e engenheiro civil Antonio Castelnou, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), esses detalhes observados pela gero-arquitetura fazem toda a diferença quando o assunto é desenhar ambientes que acolham, protejam e incluam — especialmente pessoas idosas e neurodivergentes.
Autor da pesquisa “Por uma gero-arquitetura: a inclusão dos idosos no processo projetual”, ele propõe uma arquitetura voltada ao cuidado: com ergonomia, sinalização clara, confortos térmico e acústico, e espaços adaptáveis, muito além do cumprimento de normas como a NBR 9050, que trata da acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, em consonância com o desenho universal. Nesta entrevista, ele defende uma abordagem sensível, que valorize a humanização dos espaços e previna problemas comuns como quedas, desorientação e isolamento social. Confira!
Como o senhor define a gero-arquitetura e quais são seus principais pilares?
Antonio Castelnou: A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o envelhecimento define alterações em objetivos, prioridades motivacionais e preferências individuais; e, para que ocorra de maneira saudável, tornam-se essenciais a manutenção das capacidades físicas e mentais do idoso e a qualidade do ambiente em que vive, bem como das interações estabelecidas com este. A gero-arquitetura busca atender a esses objetivos, enfatizando não apenas o acesso, mas também o uso e a permanência nos espaços arquitetônicos — sejam eles abertos ou fechados, privados ou públicos — por pessoas idosas. Tendo isso em vista, essa incorporação dos princípios da gerontologia e geriatria à prática arquitetônica fundamenta-se, principalmente, nas ideias de acesso universal, uso autônomo, acolhimento psicológico, sentido de pertencimento e segurança para os idosos.
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Como os projetos arquitetônicos podem estimular a independência e a qualidade de vida dos idosos?

Antonio Castelnou: “Envelhecimento ativo” envolve a otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, visando melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. Tal conceito é aplicado tanto ao indivíduo quanto aos grupos populacionais, estando relacionado à autopercepção do potencial para bem-estar físico, social e mental ao longo da vida. Como essa ideia parte do princípio de que todos envelhecem, os projetos arquitetônicos não devem se limitar nem dar preferência a um único grupo etário ou fase da vida, incluindo condições de pluri e intergeracionalidade, ou seja, trabalhando com adequado dimensionamento funcional, flexibilidade espacial, adaptabilidade de mobiliário e equipamentos, multissensorialidade de materiais e acabamentos, além das questões de salubridade e de confortos acústico, lumínico e térmico.
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Em quais países ou projetos internacionais podemos encontrar boas referências de gero-arquitetura?
Antonio Castelnou: Em todo mundo, existem diversas experiências de construções e/ou adaptações de espaços arquitetônicos voltados especialmente aos idosos ou que acolham, respeitem e promovam sua integração e interação com outras gerações. Países europeus com populações “envelhecidas” são o maior destaque, seguidos por iniciativas asiáticas e inclusive latino-americanas. Como exemplos, cito a Vila para Pessoas com Alzheimer (Dax, França) e o Centro de Atividades para Idosos Yan Garden (Beijing, China). Outras referências são os projetos austríacos para o Lar de Repouso e Cuidados Especiais (Leiben) e para o Edifício Multifamiliar Miss Sargfabrik (Viena); assim como os espanhóis Lar e Centro Educacional para Idosos (Tarragona) e Centro Geriátrico Santa Rita (Menorca); e os ingleses Centro de Convivência John Morden e Conjunto Habitacional Sênior Appleby Blue, situados respectivamente nos distritos londrinos de Blackheath e Bermondsey. Na América Latina, destaco o Centro Diurno de Atenção aos Idosos (Macas, Equador), todos projetados nas últimas décadas.
Além da acessibilidade física, quais são os principais desafios sensoriais e cognitivos que os espaços devem considerar para o público 60+?

Antonio Castelnou: Sem dúvida, a questão da acessibilidade é fundamental e está mais que justificada pelo direito ao desenho universal. Porém, nem todas as pessoas idosas são deficientes ou portadoras de uma deficiência motora, mental ou sensorial grave. Entretanto, como a perda da acuidade visual, o declínio da capacidade auditiva e os problemas de locomoção, orientação e equilíbrio fazem parte do processo do envelhecimento, os principais desafios arquitetônicos referem-se a evitar geometrias ou obstáculos que possam provocar acidentes e quedas; atentar para o desenho e posicionamento de mobiliário e equipamentos; empregar contrastes de cores e texturas que facilitem a identificação de superfícies e aberturas; trabalhar com continuidade de pisos, marcação de formatos e dispositivos de uso intuitivo para controle tátil, luminoso ou sonoro; entre vários outros.
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No seu ponto de vista, existe uma resistência do mercado em investir nesse tipo de projeto? Se sim, como convencer incorporadoras e construtoras de que a gero-arquitetura não é apenas um diferencial, mas uma necessidade?
Antonio Castelnou: Acredito que exista mais desconhecimento do que propriamente resistência por parte do mercado, uma vez que ainda predomina a falta de informações e, como consequência, a conscientização sobre a importância de incluir a população idosa como público-alvo, já que ela tende a crescer devido ao aumento geral da expectativa de vida e, assim, deverá haver uma parcela cada vez maior de pessoas mais velhas como consumidores ou clientes em potencial. Qualquer resistência em providenciar adequações projetuais visando a gero-arquitetura pode ser substituída pela postura empreendedora ou oportunidade em oferecer ao mercado edificações mais inclusivas, as quais incluam em sua concepção cuidados com mobilidade, adaptabilidade e flexibilidade espacial, garantindo não só morar e trabalhar, mas também envelhecer com qualidade de vida.
Como equilibrar estética, funcionalidade e conforto em projetos inclusivos sem estigmatizar os ambientes como “espaços para idosos”?
Antonio Castelnou: Em arquitetura e urbanismo, não se considera criar espaços exclusivamente para idosos — o que configuraria uma forma de etarismo —, mas propor soluções que acolham, respeitem e sejam gentis com essa parcela da população, da qual, na melhor das perspectivas, todos farão parte. Saber conciliar harmonicamente esses aspectos faz parte da boa prática arquitetônica. E, quando se inclui ou prioriza o idoso, simplesmente se soma à lista de necessidades espaciais aquelas inerentes a ele, que são basicamente de três tipos: físicas, informativas e sociais. As primeiras relacionam-se à saúde, conforto e segurança, envolvendo eliminação de barreiras e facilitando a manutenção; as informativas exigem ambientes legíveis e estimulantes, evitando desorientação; e, por fim, as necessidades sociais dizem respeito à possibilidade de convívio habitacional, convivência coletiva ou promoção do senso de comunidade por meio de locais de descanso, diálogo e encontro, reduzindo ao máximo as sensações de isolamento e solidão – bastante comuns na velhice. Isto não estigmatiza um ambiente, mas sim o qualifica ainda mais.
Você pode compartilhar algum exemplo de projeto onde soluções simples e inovadoras tiveram grande impacto na vida das pessoas?
Antonio Castelnou: É quase impossível elencar as diversas ações em projeto que são essencialmente simples e podem promover o melhor uso gero-arquitetônico dos espaços. Sem citar obras ou profissionais em específico, posso apontar alguns exemplos aplicáveis em ambientes de moradia, trabalho ou lazer, abertos ou fechados, como: evitar desníveis ou a colocação de tapetes que possam ocasionar tropeços e quedas, preferindo dar continuidade aos pisos; propor corrimãos e guarda-corpos que auxiliam o deslocamento, assim como cores, faixas e linhas de orientação; dispor assentos com encosto e apoio para os braços, que proporcionem autonomia ao sentar e levantar, além de mais conforto; dimensionar a altura de móveis, bancadas e parapeitos que atendam ergonomicamente pessoas sentadas ou cadeirantes, assim como espaços que circundam camas ou mesas; prever portas e janelas do tipo pivotante ou deslizante, que são mais fáceis de manipular, além de instalar trincos de segurança ou controle automático.
Falando um pouco sobre neurodiversidade. A gero-arquitetura não atende apenas idosos, mas também pessoas neurodivergentes. Quais são as diretrizes para criar ambientes que respeitem diferentes formas de percepção e interação com o espaço?
Antonio Castelnou: Na ótica da gero-arquitetura, pessoas neurodivergentes também envelhecerão e, portanto, devem ser igualmente atendidas no projeto de ambientes arquitetônicos e paisagísticos. Propor espaços multissensoriais que oferecem, dentro de uma gama aceitável de variabilidade, experiências de luz, som, tato, aroma e umidade, podem funcionar como estímulos sensoriais e favorecer sensações de acolhimento, pertencimento, proteção e segurança. Do mesmo modo, o contato com a natureza deve ser estimulado. Deve-se ainda evitar mudanças bruscas de luminosidade ou situações que representem riscos à segurança, como quinas agudas, degraus estreitos ou excesso de brilho.
Existe alguma prática desatualizada, algum “erro comum” em projetos voltados para acessibilidade e que ainda persiste na arquitetura atual?
Antonio Castelnou: Quando se fala em acessibilidade, quase sempre vem à mente a ideia de rampas. Estas são uma solução universal, porém este elemento arquitetônico de ligação entre diferentes níveis pode, às vezes, prejudicar mais do que favorecer a locomoção, principalmente de pessoas com deficiências motoras ou visuais, pois aumenta o percurso em vez de diminuí-lo. Isto também se aplica a idosos, que poderão enfrentar longas caminhadas, muitas vezes sem patamares para descanso, o que compromete a acessibilidade plena. Em alguns casos, plataformas elevatórias ou até degraus mais suaves com corrimãos funcionam melhor.
Como tecnologias como automação residencial, inteligência artificial e realidade aumentada podem ser incorporadas a projetos inclusivos?
Antonio Castelnou: A tecnologia deve ser empregada como aliada às soluções de arquitetura, paisagismo e urbanismo voltadas à inclusão e à sustentabilidade socioambiental. Sensores de movimento com mapeamento de calor, câmeras embutidas, botões com microfones e sinalização de solo em LED, são alguns dos recursos que contribuem para tornar habitações e espaços, em geral, mais seguros. As câmeras são integradas a softwares com sistema de visão computacional que usa inteligência artificial e deep learning, o que disponibiliza imagens, avisos sonoros e dados em tempo real, além de produzir relatórios de hábitos. Projetos inclusivos devem sempre prever dispositivos de uso fácil e intuitivo, incluindo alarmes luminosos, sonoros ou vibratórios, que garantam autonomia, independência e proteção.
No Brasil, há políticas públicas que incentivam ou dificultam o avanço da gero-arquitetura? O que ainda precisa mudar?
Antonio Castelnou: A legislação brasileira foi uma das primeiras a reconhecer e incorporar a atenção às pessoas mais velhas por meio da Constituição Federal de 1988 e da Política Nacional do Idoso (Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994), assim como seus desdobramentos, atualizações e adequações: o Estatuto da Pessoa Idosa (Leis n. 10.741, de 1º de outubro de 2003; e n. 14.423 de 22 de julho de 2022) e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portarias n. 1.395, de 09 de dezembro de 1999; e n. 2.528, de 19 de outubro de 2006). Em dezembro de 2007, o Brasil sediou a 2ª Conferência Regional da América Latina e Caribe, que resultou na Declaração de Brasília, a qual defende a necessidade de construir sociedades mais inclusivas e que rejeitem todo tipo de discriminação, em especial a vinculada à idade, reforçando também a solidariedade entre gerações e a necessidade de programas de integração e proteção dos mais velhos. Portanto, o incentivo à gero-arquitetura já existe: o que falta é a difusão de seus conceitos, o esclarecimento de equívocos e a conscientização sobre seus benefícios.
Qual seria o “cenário ideal” para o futuro da arquitetura inclusiva? Como podemos garantir que esses projetos não sejam apenas uma tendência, mas um novo padrão?
Antonio Castelnou: O cenário ideal seria o momento em que a gero-arquitetura deixasse de ser exceção e passasse a ser regra. Em outras palavras, quando deixássemos de projetar para idosos e passássemos a projetar com eles. Onde, no futuro, tivéssemos a consciência de que os velhos somos nós amanhã e não os outros. Há ainda muito para pesquisar na teoria e experimentar na prática, mas principalmente é necessário combater a desinformação. Este tema não pretende segregar, e, sim, acolher, respeitar e incluir todas as parcelas da população. É preciso incentivar o estudo e a pesquisa; desvincular projetos especializados da ideia de que são exclusivos a determinadas classes econômicas, financeiramente onerosos e/ou socialmente discriminatórios; e sensibilizar as futuras gerações de que envelhecer faz parte do processo vital e, mais do que aceitar o que o tempo leva ou traz, é preciso saber prevenir. Como professor, acredito que isso será cada vez mais incorporado à atividade profissional de arquitetas e arquitetos, bem como de todos aqueles que estão atentos às transformações que o mundo nos reserva.