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Direitos humanos, integralidade e sustentabilidade, o tripé da habitabilidade
Habitabilidade é um conceito amplo, muito além da habitação, que integra justiça social e sustentabilidade e desafia as cidades.
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Redação em 29 de outubro de 2024 8minutos de leitura
Imagem gerada por Inteligência Artificial
Estreitamente vinculada ao conforto, à saúde, à segurança e ao bem-estar dos habitantes, a habitabilidade não apenas define a funcionalidade de edificações, bairros e cidades, mas também reflete a capacidade de promover uma convivência harmoniosa e sustentável com o meio ambiente. Dessa forma, ela se revela um indicador-chave para a criação de espaços que, além de atenderem às necessidades humanas, respeitem os limites do planeta. Trata-se, portanto, de um tema central para assegurar qualidade de vida, especialmente nas áreas urbanas, onde as disparidades são mais acentuadas, ao mesmo tempo em que se lida com a crise ambiental.
Como destaca Cláudia Osório de Castro, mestre em Gestão Urbana pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em sua tese sobre habitabilidade urbana, a solução desses problemas demanda uma mobilização conjunta, especialmente por parte dos países industrializados, historicamente responsáveis pelo consumo excessivo e pelas emissões de poluentes. A implementação de políticas públicas voltadas ao uso consciente dos recursos e à redução das desigualdades sociais é, segundo ela, imprescindível. Além disso, é necessário desenvolver mecanismos que abordem de forma integrada os conflitos sociais e ambientais, oferecendo soluções que atendam às necessidades humanas sem comprometer o equilíbrio ecológico.
A evolução do conceito de habitabilidade
A construção do conceito de habitabilidade, especialmente no contexto dos direitos humanos, passa por diversas etapas históricas, jurídicas e sociais, com destaque para a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial. O ponto de partida foi a assinatura da Carta das Nações Unidas (Charter of The United Nations) em 26 de junho de 1945, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, realizada em São Francisco. Esse documento estabeleceu as bases para a ação da ONU na promoção e proteção dos direitos e liberdades fundamentais, que viriam a ser detalhados e ampliados nos anos seguintes.
Três documentos fundamentais se destacam nesse processo. Em primeiro lugar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUHD), adotada pela ONU em 1948, que representou um marco na defesa dos direitos individuais, coletivos e universais, incluindo o direito à moradia digna. Posteriormente, em 1966, foram assinados o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ambos promulgados no Brasil em 1992. Juntos, esses textos consolidaram um arcabouço jurídico internacional que norteia as ações globais e nacionais em defesa dos direitos humanos.
Esses três instrumentos – a DUHD, o PIDESC e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos – são a base sobre a qual mais de cinquenta outras convenções, declarações e conjuntos de regras foram desenvolvidos pelas Nações Unidas. Entre os direitos consagrados nesses documentos está o direito à moradia adequada, um dos elementos centrais da discussão sobre habitabilidade. O direito à moradia, especificamente previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, transcende o simples acesso a uma residência. Ele envolve questões relacionadas à dignidade, segurança e bem-estar dos indivíduos e das famílias, além da garantia de um espaço seguro e habitável, em harmonia com o meio ambiente.
Ao longo das décadas, o conceito de habitabilidade evoluiu, sendo constantemente discutido e ampliado em convenções internacionais e marcos regulatórios de diversos países. No Brasil, a promulgação dos pactos em 1992 reforçou o compromisso com a promoção dos direitos fundamentais, incluindo a moradia digna. A partir desses documentos, surgiram políticas públicas e diretrizes voltadas para garantir que os direitos humanos, incluindo o direito à moradia, fossem tratados de forma integrada com outras questões sociais e ambientais.
O direito à moradia no Brasil
O direito à moradia no Brasil é garantido pela Constituição Federal no artigo 6º, que foi atualizado pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015. Apesar dessa garantia, uma política nacional de habitação alinhada aos tratados e pactos internacionais só foi implementada na década de 2.000.
A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, novos pressupostos começaram a guiar as políticas habitacionais, culminando na promulgação do Estatuto da Cidade, em 2001. Essa lei estabeleceu diretrizes para o ordenamento urbano com base no princípio da função social da propriedade e garantiu o direito a cidades sustentáveis. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva seguiu avançando nessa área com a criação do Ministério das Cidades, em 2003, e o lançamento do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005, que promoveu o acesso à terra urbanizada e à moradia digna para a população de baixa renda.
O Plano Nacional de Habitação (PlanHab), coordenado pelo Ministério das Cidades, foi outro marco importante, consolidando um pacto nacional para o direito à moradia através de um processo participativo. O cenário macroeconômico favorável e o aumento de crédito contribuíram para a implementação dessa política habitacional. No entanto, a habitabilidade plena exige a integração contínua entre habitação, serviços essenciais e a preservação do meio ambiente.
Habitabilidade urbana promove espaços inclusivos
O conceito de habitabilidade, portanto, vai além da provisão de moradia, já que envolve um entendimento mais amplo e sistêmico, que inclui não apenas a construção de espaços habitacionais, mas também o acesso a uma infraestrutura urbana de qualidade e o direito à cidade. Isso significa que a habitabilidade está conectada ao pertencimento ao território e à inclusão social em um contexto urbano mais amplo, permitindo que os cidadãos usufruam de uma vida digna em seu ambiente.
A habitação, nesse contexto, não pode ser vista de forma isolada. Segundo o Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fundação Oswaldo Cruz, para garantir uma cidade habitável, é necessário que as pessoas tenham acesso a serviços essenciais, como saneamento básico, transporte público eficiente, áreas de lazer e saúde. Além disso, é fundamental que esses espaços estejam inseridos em um ambiente seguro e com qualidade de vida, permitindo o pleno exercício da cidadania.
Nesse contexto, Ana Amélia da Silva, do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis) destaca a importância dos movimentos pela Reforma Urbana. Esses movimentos lutam pela equidade no acesso à cidade, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e garantir o direito à moradia digna e à plena cidadania urbana. A proposta de construir uma cidade solidária, democrática, justa e inclusiva está no cerne dessas discussões, desafiando as formas tradicionais de organização urbana e propondo novas concepções que deem voz e protagonismo às populações marginalizadas.
A luta pela habitabilidade também abrange a criação de políticas urbanas que precisam enfrentar questões contemporâneas, como a violência urbana, o desenvolvimento local e a criação de uma economia solidária que beneficie a todos. De acordo com Ana, fóruns de debate e articulação entre diferentes setores da sociedade são essenciais para capacitar novas lideranças e permitir uma articulação mais eficaz entre as instituições, tanto em áreas formais quanto informais, como as favelas.
Qualidade de vida dentro e fora de casa
Outro conceito importante que tem sido discutido nos últimos anos é o de habitabilidade da unidade habitacional. Este termo refere-se aos aspectos que afetam diretamente a qualidade de vida dos moradores dentro de suas casas, incluindo o conforto ambiental, como luz, temperatura e acústica, além da segurança e da saúde. Segundo o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, esses fatores não são meramente técnicos, mas influenciam a experiência dos moradores em seus lares e em suas comunidades.
A habitabilidade, nesse sentido, é pensada de forma holística, levando em consideração não só a infraestrutura física da moradia, mas também o bem-estar psicológico e sociocultural dos habitantes. Uma casa não é habitável apenas por ser um abrigo; ela deve ser um espaço que atenda às necessidades humanas de segurança, conforto e integração com o entorno.
Por isso, a habitabilidade está diretamente ligada à ideia de ambiência, que refere-se ao conforto dos ocupantes tanto em aspectos socioculturais quanto ambientais. Do ponto de vista sociocultural, a adequação envolve o uso de materiais locais na fabricação de móveis, utensílios, pisos, paredes e tetos, refletindo a identidade cultural do espaço. Já no aspecto ambiental, a ambiência considera fatores como temperatura, ventilação, iluminação e controle de ruídos, que contribuem para um ambiente saudável e funcional.
Conforme exposto pelo Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Fundação Oswaldo Cruz, essa perspectiva é cada vez mais abordada em iniciativas de promoção da saúde, que buscam melhorar a qualidade de vida por meio da recuperação da ambiência urbana. Exemplos de projetos que refletem essa visão incluem o reflorestamento emergencial, a reorganização do sistema de transporte coletivo, a ampliação de ciclovias e o uso de fontes de energia renovável, como solar e eólica. Ações que têm como objetivo criar espaços urbanos mais habitáveis e ambientalmente adequados.
A promoção da saúde, nesse contexto, vai além do modelo biomédico tradicional, focando nos determinantes sociais da saúde e na construção de políticas e espaços que favoreçam o bem-estar integral. O conceito de saúde aqui é ampliado, considerando não apenas a ausência de doenças, mas também a qualidade de vida em um sentido mais amplo.
O desafio de criar cidades habitáveis e inclusivas
A crescente conscientização sobre os riscos ambientais, resultantes das atividades humanas, como poluição, aquecimento global e perda de biodiversidade, tem provocado debates importantes no campo socioambiental. Esses riscos, cada vez mais visíveis, evidenciam a necessidade de que o poder público, juntamente com a sociedade, entenda a complexidade desses desafios e desenvolva políticas e estratégias de intervenção para uma gestão ecoeficiente, voltada para a promoção do desenvolvimento sustentável.
O risco ambiental vai além de desastres naturais ou eventos climáticos extremos. Ele abrange também questões como a localização inadequada de habitações, a falta de planejamento urbano e a má gestão dos recursos naturais, que afetam diretamente a saúde e o bem-estar das populações. Para enfrentar esses riscos, é necessário refletir sobre como planejamos e construímos as áreas onde vivemos, bem como o uso e a manutenção do entorno dessas habitações.
De acordo com o Banco Mundial, o desenvolvimento humano deve ser compreendido como um processo contínuo de aquisição de conhecimento, técnicas e recursos que promovam o crescimento das sociedades de maneiras qualitativa e quantitativa. Nesse sentido, o verdadeiro desenvolvimento acontece quando as oportunidades são ampliadas para todos os indivíduos, garantindo acesso ao trabalho, educação, saúde, alimentação e a um ambiente físico limpo e seguro.
O conceito de desenvolvimento local deve ser, portanto, integrado e sustentável, propondo uma nova maneira de promover o crescimento das comunidades, com foco na sustentabilidade. Esse modelo visa criar comunidades capazes de atender às suas necessidades imediatas, identificar suas vocações e desenvolver seus potenciais, ao mesmo tempo em que promovem intercâmbios externos, aproveitando suas vantagens locais.
A busca é por equilibrar três pilares: equidade social, crescimento econômico e preservação ambiental. A ideia é que o verdadeiro desenvolvimento não se limite ao crescimento econômico, mas também promova o bem-estar físico e social, melhorando a qualidade de vida. O simples crescimento sem esses elementos não seria considerado um desenvolvimento completo, mas apenas uma expansão quantitativa.
Desse modo, o caminho para cidades mais habitáveis e sustentáveis depende da conscientização coletiva e da ação coordenada entre governos, setor privado e sociedade civil. A adoção de novos modelos de urbanismo, como assmart citiesou cidades inteligentes, e o uso de tecnologias voltadas para eficiência energética e mobilidade urbana, podem transformar os centros urbanos.
No entanto, essas soluções tecnológicas devem ser aplicadas com foco na equidade e no bem-estar humano, evitando novas formas de exclusão. A cidade habitável do século XXI deve ser inclusiva e acessível, garantindo o direito à cidade para todos, uma vez que a habitabilidade depende da integração entre sustentabilidade e justiça social.
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