Das cidades à essência humana. E vice-versa. Conheça a visão de urbanismo de Santosha

Cérebro, emoções, consciência coletiva, pessoas e cidade. Na visão da consultora de inovação urbana Santosha, tudo isso está interligado.

Por Nathalia Ribeiro em 10 de fevereiro de 2025 12 minutos de leitura

Santosha (Natália Fontes Garcia) inovação urbana
Santosha (Natália Fontes Garcia) - Foto: Angie Fotografia

Algumas jornadas são marcadas por transições sutis. Outras, por reinvenções profundas. No caso de Santosha, anteriormente conhecida como Natália Fontes Garcia, a transformação resultou até em um novo nome. A mudança, como explica a consultora de inovação urbana, foi em direção ao contentamento e à plenitude, um movimento de dentro para fora, que transita do olhar sobre as cidades para um mergulho na essência humana. Com duas décadas de experiência no jornalismo, ela descobriu que, para compreender o espaço urbano de maneira plena, é essencial, antes de tudo, entender as pessoas que o habitam.

Foi esse pensamento que levou Santosha a fundar o projeto Cidades para Pessoas. Durante anos, ela percorreu mais de 100 destinos ao redor do mundo, explorando soluções de inovação urbana humanizadas para os desafios das cidades contemporâneas. Seu olhar sensível a levou a enxergar as cidades como organismos vivos, onde arquitetura, mobilidade e bem-estar se entrelaçam.

Autora do livro Sete Dias no Butão: o que aprendi sobre felicidade, Santosha ampliou sua atuação para além do jornalismo, tornando-se uma das vozes mais influentes na consultoria de inovação urbana no Brasil. Em entrevista ao Habitability, ela destaca a importância de compreender a essência do que torna uma cidade verdadeiramente habitável e acolhedora, convidando à reflexão e à transformação. Guiada pela crença de que a felicidade também se constrói no espaço onde escolhemos viver, ela propõe uma mudança de perspectiva, onde o ambiente urbano se torna um reflexo direto do bem-estar e das relações humanas.

Como surgiu a inquietação e o desejo de explorar novas formas de viver urbanamente?

Santosha: Formei-me em Jornalismo e comecei a trabalhar muito cedo. Atuei na indústria da mídia, passando por portais, como o Terra, BandNews FM, rádio e editora Abril. Enquanto trabalhava e fazia aulas de francês, comecei a desenvolver um quadro de saúde difícil de diagnosticar: desmaios frequentes e um ganho de peso significativo sem explicação. Mais tarde, descobri que tinha uma falha no nervo vago, uma condição rara e complicada de tratar. Com a saúde debilitada, algo precisava mudar na minha vida. Mas nem o trabalho, nem a faculdade eram opções viáveis para mudança naquele momento. Foi então que, um dia, uma amiga me visitou chegando de bicicleta, suada e sorridente. Aquilo me surpreendeu. Fiquei tão encantada que no fim de semana seguinte comprei uma bicicleta. Na segunda-feira, já estava experimentando ir ao trabalho pedalando.

Como essa nova forma de transporte impactou seu cotidiano e a sua relação com a cidade, trazendo esse olhar sobre inovação urbana?

Santosha: Essa escolha mudou algo profundamente em mim. Na época, eu ainda não entendia, mas quando mudamos a forma como nos deslocamos pela cidade, também alteramos nossas redes neurais, nossa percepção e nosso jeito de processar o mundo. No carro, o trânsito é um exercício de ausência. Na bicicleta, é um exercício de presença e vitalidade. Chegar ao trabalho depois de pedalar mudou completamente minha disposição. Eu estava diferente, mais ativa, mais atenta… e isso transformou meu trabalho. Minha criatividade e inovação explodiram, e o tema das cidades, que eu havia começado a explorar fisicamente, passou a fazer parte do meu dia a dia profissional.

Esse processo impactou sua vida pessoal, mas também profissional, então?

Santosha: Minha vida como um todo. Lembro que, na época, vivia um relacionamento onde as brigas se repetiam, como um ciclo interminável. Mas, na medida em que minha cognição mudava, minha forma de pensar também se transformava. E, sem perceber, comecei a sair desse padrão.

Esse despertar para as cidades me levou, alguns anos depois, a deixar a indústria da mídia e criar um projeto autoral. Eu queria conhecer cidades-modelo, lugares que haviam despoluído seus rios, reinventado a gestão de resíduos, estruturado espaços para bicicletas e transporte público de qualidade. Mas não queria apenas visitá-las para fazer uma reportagem. Eu queria morar nelas, experimentar a rotina, entender na prática como funcionavam. Foi assim que nasceu o projeto. Consegui viabilizá-lo por meio de um financiamento coletivo e passei um ano vivendo em 12 cidades, um mês em cada uma. 

Houve algum exemplo de inovação urbana que teve um impacto mais significativo em você?

Santosha: Lembro-me de quando fui a São Francisco, na Califórnia, e vi algo que me marcou profundamente: a parte de baixo dos viadutos sendo ocupada por canteiros de agricultura urbana. Eram parques organizados pelos próprios moradores, onde muitas vezes pessoas em situação de rua colhiam e se alimentavam.

Havia também uma biblioteca de sementes: quando uma árvore frutificava, os moradores colhiam as sementes e as deixavam disponíveis para outros plantarem. Eu podia pegar uma semente, cultivá-la em casa e, quando a planta desse novas sementes, devolvê-las à biblioteca. Isso abriu minha cabeça de um jeito impressionante. Fiquei pensando: O que estamos fazendo?”. Assim, meu trabalho passou a ser o de inspirar pessoas e empresas, compartilhando o repertório que passei um ano coletando. Segui dando palestras, consultorias e escrevendo sobre inovação urbana.

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Você explorou alguns países da Ásia, com culturas tão distintas da ocidental, quais aspectos do urbanismo local mais chamaram sua atenção e quais lições você acredita que esses modelos podem oferecer à inovação urbana?

Santosha: Há um tempo atrás enfrentei um luto profundo, minha mãe faleceu. Isso me fez perceber o quanto eu estava desconectada do meu mundo interno. Os antigos problemas de saúde voltaram e fui buscar um caminho de autoconhecimento para compreender minha história. Essa busca me levou a um outro tipo de viagem. Fui para a Índia e para o Butão.

Na Índia, tive um grande insight sobre cidades. Estava em Varanasi, uma cidade às margens do Rio Ganges. Mas, ali, o Ganges era extremamente poluído. Já em Rishikesh, outra cidade por onde passei, o mesmo rio era limpo, e eu tomava banho nele todos os dias. O que mais me impressionou foi que, apesar da poluição, Varanasi continuava voltada para o rio. As pessoas rezavam para ele diariamente, andavam de barco, nadavam, mesmo sendo mais poluído que o Tietê. Intrigada, comecei a perguntar para as pessoas: “Por quê? E a resposta sempre vinha: “Porque esse rio é a Mãe Ganga. Ele é sagrado”. Isso é um ato de fé. No começo, eu pensava que eles estavam loucos. Mas depois eu compreendi que a cidade é um reflexo do mundo interno das pessoas. O Rio Ganges e o Rio Tietê, com a mesma qualidade de água, dão origem a cidades completamente diferentes ao seu redor. 

De que maneira essa diferença se manifesta, tanto na relação das pessoas com o rio quanto no impacto que isso tem na dinâmica urbana de cada cidade?

Santosha: Na consciência de quem está em São Paulo, o rio é visto como um esgoto a céu aberto. Já em Varanasi, ele é a Mãe Ganga. E essa diferença de percepção muda tudo. Não se trata apenas de reorganizar a cidade e esperar que tudo fique bem. O que realmente transforma o espaço urbano é a expansão da consciência coletiva e, a partir disso, a cidade começa a emergir de uma nova forma. Esse insight me levou a estudar duas áreas. A primeira é o neurourbanismo, uma ciência que investiga como a cidade impacta o cérebro humano e como esse impacto, por sua vez, molda a cidade. 

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Como você define esse conceito de neurourbanismo?

Santosha: Hoje o urbanismo conta com tecnologias que permitem medir as interações entre mente e a cidade. Existem dispositivos, como capacetes com sensores neurais, que registram a atividade cerebral enquanto uma pessoa caminha pela cidade. Esses estudos mostram que, em grandes centros urbanos e no trânsito intenso, áreas como o neocórtex e o sistema límbico, responsáveis pela calma, tomada de decisão e regulação emocional, tendem a se apagar. Enquanto isso, regiões mais primitivas do cérebro, como o hipocampo e a amígdala, muitas vezes chamadas de cérebro reptiliano, se mantêm hiperativas, gerando ciclos constantes de medo e ansiedade.

O neurourbanismo propõe uma abordagem diferente de inovação urbana que é pensar a cidade não apenas por suas estruturas físicas, mas pelas experiências sensorial e emocional que ela proporciona. Um exemplo disso é a presença dos rios. Eles não são apenas elementos de saneamento ou paisagem, mas também influenciam diretamente a saúde mental. Estudos mostram que observar um rio ativa redes neurais associadas ao relaxamento, ajudando a acalmar o sistema nervoso.

Quais foram os principais aprendizados que você obteve ao estudar o neurourbanismo?

Santosha: Percebi que, para transformar as cidades, não basta mudar a infraestrutura, é preciso entender como criamos e modificamos culturas de hábito. A razão pela qual as cidades geram tanto estresse e ansiedade está diretamente ligada ao estilo de vida que desenvolvemos nelas, baseado em hábitos que reforçam esse estado.

Com esse entendimento, fui desenvolvendo um método para trabalhar a criação de cultura em pessoas, empresas, comunidades e cidades: o Método Plasticidade. A plasticidade é justamente essa capacidade que temos de reconfigurar nossas redes neurais, mudar comportamentos, percepções e hábitos.

E isso se reflete na transformação das cidades, na inovação urbana?

Santosha: Muitas vezes, achamos que a transformação começa pela cidade em si quando, na verdade, ela começa pelas pessoas. Claro, a infraestrutura também precisa mudar, mas se não houver mudanças cultural e comportamental, mesmo as melhores soluções urbanas podem não surtir efeito. O debate sobre cidades quase sempre foca na estrutura física, mas as cidades são, antes de tudo, um reflexo dos comportamentos e pensamentos das pessoas. Essa é uma inversão radical da lógica tradicional. Não significa que a infraestrutura não deva mudar, mas que, se a transformação for apenas física, estaremos somente reorganizando o espaço, sem mexer na raiz do problema. E, nesse caso, continuaremos gerando os mesmos ciclos de desconexão, estresse e ansiedade.

Houve algum projeto urbano que te surpreendeu especialmente por desafiar paradigmas estabelecidos e propor uma abordagem inovadora para o planejamento e a vivência nas cidades?

Santosha: Um dos projetos de inovação urbana que mais me impressionaram foi o Tempelhofer Park, em Berlim. Durante a Guerra Fria, Berlim foi dividida e cercada pelo muro, isolando completamente a parte ocidental da cidade. Eu já conhecia essa história, mas quando estive lá, consegui realmente compreender o impacto disso. O muro não era apenas uma barreira simbólica —ele formava um círculo, cortando ruas, separando famílias, vizinhos, amigos. O acesso era rigidamente controlado e tentar ultrapassá-lo poderia significar a morte. Dentro desse território isolado, o Aeroporto de Tempelhof era essencial. Com o acesso terrestre controlado, ele se tornou a principal porta de entrada para suprimentos na Berlim Ocidental. Mas, com a reunificação da cidade e a existência de outros aeroportos, Tempelhofer perdeu sua função e foi desativado.

E o que fizeram com ele?

Santosha: Transformaram-no em um parque. O mais incrível é que não demoliram nada. A pista de pouso continua lá, agora servindo como ciclovia e espaço para esportes como kite skate, uma versão do kitesurf, mas sobre rodas. A torre de comando permanece de pé e recebe eventos. Até o antigo painel de voos agora exibe a programação de shows e atividades culturais. O que me tocou nesse projeto de inovação urbana foi a maneira como ele ressignificou uma estrutura existente. Muitas vezes, pensamos que, para transformar um espaço, precisamos demolir e construir algo novo. Mas Tempelhofer prova que é possível reutilizar o que já está erguido, economizando recursos e dando um novo propósito a algo que parecia obsoleto.

A gestão de resíduos é um dos maiores desafios urbanos. Durante suas experiências, você vivenciou alguma cidade que tenha conseguido enfrentá-lo por meio de inovação urbana?

Santosha: Em São Francisco, cada morador recebe uma composteira doméstica para descarte de resíduos orgânicos simples, como cascas de frutas e restos de vegetais. Já os resíduos orgânicos mais complexos, como comida cozida, são direcionados para composteiras comunitárias no bairro, evitando problemas com pragas. Além disso, os moradores recebem lixeiras de cores diferentes para separar recicláveis por tipo de material. O detalhe interessante é que o tamanho das lixeiras fornecidas é proporcional à quantidade de lixo que cada casa produz. Isso se conecta diretamente à política de impostos: quanto mais lixo um morador descarta, maior o imposto que ele paga.

O sistema também impõe regras rigorosas. Caso um material sujo seja descartado junto com recicláveis secos, há uma multa pesada. Como resultado, a separação do lixo é levada muito a sério, e a cidade praticamente eliminou a necessidade de aterros sanitários. Hoje, São Francisco é uma referência em lixo zero, com quase todos os resíduos sendo processados e reaproveitados.

O que aconteceu com os aterros antigos? 

Santosha: Foram convertidos em usinas para a produção de biogás a partir do metano gerado pela decomposição de resíduos orgânicos, um modelo semelhante ao do Aterro Bandeirantes, em São Paulo. Os aterros produzem metano a partir da decomposição dos resíduos e, em São Francisco, desenvolveram uma tecnologia para capturar esse metano e convertê-lo em energia. Essa energia é, por exemplo, utilizada para alimentar os caminhões de coleta de lixo. O que eu considero incrível nesse processo é que, em vez de simplesmente tratar o problema do lixo, eles abordaram toda a cadeia de resíduos e transformaram isso em um sistema regenerativo, que é a ideia de recuperação e ciclo contínuo.

Qual é o caminho para promover essa mudança cultural e levar as pessoas a adotarem novos comportamentos em relação ao meio ambiente?

Santosha: Para mudar hábitos, é essencial primeiro entendê-los. O hábito é uma estratégia da natureza para economizar energia, presente em todos os seres vivos, não apenas nos humanos. Porém, os humanos têm a neuroplasticidade, uma capacidade única de adaptar e criar novos hábitos e ambientes. Somos a única espécie capaz de viver em qualquer lugar, como no deserto, no gelo ou até no espaço.

Cerca de 40% das nossas ações diárias são hábitos que funcionam como um piloto automático para economizar energia mental, já que a tomada de decisões é uma das coisas que mais consome energia do cérebro. A diferença entre um bom e um mau hábito está na capacidade de atender eficientemente às nossas necessidades. 

Por que é tão difícil essa mudança de hábito?

Santosha: É que o nosso sistema nervoso está acostumado com a estratégia de atender às necessidades de uma forma específica. Quando começamos a mudar, nosso corpo percebe isso como algo perigoso. Então, a estratégia não é simplesmente eliminar o mau hábito, mas criar um hábito novo, uma nova corrente. Não é dizer: “Pare de fazer isso”, porque, ao tentar cortar o hábito existente, é difícil vencer. Ele já é uma rede neural consolidada, como uma estrada de alta velocidade no cérebro, na qual os neurotransmissores circulam rapidamente. A chave é criar um hábito novo, mesmo que seja pequeno e fácil de executar, mas que nos leve à direção desejada.

Você poderia compartilhar algum exemplo prático de como um hábito urbano coletivo foi transformado de maneira significativa? Quais fatores facilitaram essa mudança?

Santosha: Nos anos 1970, o prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, criou a Rua das Flores, que se tornou exclusiva para pedestres, substituindo o que antes era uma avenida. Essa avenida, inclusive, estava prevista para ser transformada em um viaduto. Ele acreditava que o urbanismo e o planejamento das cidades deveriam priorizar as pessoas e os espaços públicos. Ou seja, seu conceito de inovação urbana estava alinhado com uma visão de urbanismo mais europeia, em oposição ao modelo americano.

A estrutura da rua foi alterada, mas o hábito das pessoas ainda era andar pela calçada. Porém, não havia mais calçada, era tudo um único espaço. Mesmo assim, as pessoas continuavam a andar pelos cantos da rua. Então, ele criou um incentivo ao colocar no meio da rua uma casa de ingressos para shows e teatros, algo comum em Curitiba, criando uma nova dinâmica. Foi uma forma de criar uma nova “corrente” e estabelecer um novo padrão. Gradualmente, as pessoas começaram a se acostumar a andar pelo centro da rua, até que, em determinado momento, ela se tornou uma rua totalmente ocupada por pedestres.

Você foi ao Butão e até escreveu um livro chamado Sete Dias no Butão. Lá, teve a oportunidade de estudar o Índice de Felicidade Interna Bruta. O que essa métrica pode ensinar para as cidades e para as pessoas, especialmente quando se trata de promover um desenvolvimento mais humano e sustentável?

Santosha: Quando fui para o Butão estudar o Índice de Felicidade Interna Bruta, me aprofundei nas métricas. O que o Butão fez foi olhar para o mundo e perceber que existe uma régua chamada PIB (Produto Interno Bruto), que mede quem está indo bem e quem está indo mal. O problema é que o PIB não é uma boa régua, pois há países com PIB alto, mas com altos índices de suicídio, depressão e outros problemas.

Ou seja, essa régua não pode ser a única medida para determinar quem está indo bem ou mal. Então, eles criaram uma nova régua, que leva em conta não apenas o PIB, mas outras dimensões importantes. Eles criaram nove dimensões, sendo o PIB uma delas. Exemplos dessas dimensões incluem o uso do tempo, quanto as pessoas equilibram o tempo entre diferentes áreas da vida e a vitalidade comunitária, como a segurança nos bairros e o senso de vizinhança. O objetivo dessa nova régua é promover a felicidade, e a felicidade, assim como a consciência, é algo ilimitado, que pode crescer infinitamente. Então, se a ideia é crescer infinitamente, quero crescer em felicidade e em consciência.

Na sua visão, quais métricas seriam mais adequadas hoje para avaliar a qualidade de vida urbana?

Santosha: Você mede o que deseja estimular. Muitas métricas estão focadas no que é indesejável. O que precisamos fazer é desenvolver métricas que reflitam o que é desejável. Isso é muito importante. Tem um estudo realizado em Copenhague, onde mediram quanto a cidade ganha financeiramente a cada quilômetro percorrido de bicicleta. Isso foi feito para estimular o uso da bicicleta, pois perceberam que isso traz benefícios para a cidade.

Portanto, medimos o que queremos estimular. Por exemplo, quantas pessoas visitam um parque por semana? Em São Paulo, existe um índice chamado índice de eficiência da rua, que mede quantos veículos passam por minuto em uma via. O que esse índice estimula? Mais veículos passando. Por que não medir quantas pessoas passam por ali? Ou quantas param para admirar o pôr do sol? Isso sim seria um bom índice. Pode parecer algo idealista ou good vibes demais, mas estamos falando de cidades onde problemas como distúrbios e transtornos mentais são sérios. E é justamente nessas cidades que as pessoas precisam de momentos como esse.

Em diversas palestras, você cita as teorias do geógrafo britânico David Harvey, destacando a importância do direito coletivo de reinventar a cidade. Como, na prática, podemos recuperar esse direito e implementá-lo de maneira eficaz no contexto urbano atual?

Santosha: Primeiramente, é necessário recuperar o direito individual de reinventar a nossa vida. Nós somos moldados pela nossa família, cultura e educação, que formam uma rede de hábitos. Muitas vezes, esses hábitos estão ligados a uma necessidade de se encaixar, agradar ou pertencer, o que nos desconecta da nossa essência, da nossa naturalidade, do nosso propósito. Sempre que estamos desconectados, sentimos uma carência, um buraco interno que tentamos preencher com coisas externas, como compras, trabalho, reconhecimento, relacionamentos ou dependência. Mas, à medida que retomamos o direito de habitar nosso corpo, nosso tempo e nossa vida, sendo quem realmente somos, nos tornamos um ponto de luz na cidade. E, nesse processo, atraímos pessoas que estão em uma frequência semelhante.

E a partir daí que surge esse direito de reinventar a cidade?

Santosha: Começamos a fazer escolhas que refletem esse estilo de vida, como comprar em lugares que oferecem produtos orgânicos locais, que se preocupam com a matéria-prima e a cadeia de produção, garantindo um pagamento justo para todos. A partir daí, esse direito coletivo de reinventar a cidade pode renascer. Equilibrar as áreas da vida e a relação com a nossa natureza é fundamental. Quando fazemos isso, o direito coletivo começa a surgir, ganhando forma. A cidade passa a ter diversas camadas coexistindo. Você decide a qual rede de hábitos vai dar força: àquela que provoca mais estresse, ansiedade e medo, ou àquela que promove expansão da consciência, confiança, inovação genuína, regeneração e reconexão com nossas virtudes e qualidades humanas. É nessa escolha que tudo começa.

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