Moradia estudantil: um teto para a permanência universitária

Da assistência a alunos carentes ao aprimoramento acadêmico, a moradia estudantil se destaca como um fator transformador na jornada universitária.

Por Redação em 1 de setembro de 2023 8 minutos de leitura

moradia estudantil

Em diversos países, as Instituições de Ensino Superior (IES) oferecem um serviço especial aos estudantes: a moradia estudantil. Na Austrália, Canadá, Irlanda e Estados Unidos essa alternativa geralmente é direcionada aos recém-chegados que estão iniciando sua jornada acadêmica. No entanto, é comum que, na maioria das vezes, os estudantes tenham que arcar com os custos.

No Brasil, a história é um pouco diferente. As universidades também disponibilizam moradias estudantis, com o objetivo de acolher estudantes que enfrentam dificuldades sociais e econômicas e, especialmente, aqueles que moram em cidades distantes das universidades. Essas moradias são oferecidas gratuitamente, buscando garantir que todos os alunos tenham as mesmas chances na educação.

Um estudo sobre moradias estudantis e a formação do universitário, liderado pela doutora em Psicologia Educacional Edleusa Nery Garrido, ressalta a importância de que alunos economicamente desfavorecidos tenham acesso a esse tipo de alternativa, visto que frequentemente representam sua principal chance de concluir os estudos.

O que é a moradia estudantil?

Quando um jovem ingressa na universidade, muitas vezes é necessário deixar a cidade natal e distanciar-se da família em busca de conhecimento. A moradia estudantil surge como uma solução atraente: oferece não apenas suporte e segurança, que acalmam os pais, mas também estimula o crescimento pessoal dos estudantes por meio da interação com colegas. Diferentemente das repúblicas, a administração das moradias estudantis é confiada a uma empresa ou instituição que assume a responsabilidade por todas as questões, abrangendo desde a gestão financeira até as operações cotidianas.

Esses edifícios, estrategicamente localizados próximos às principais instituições educacionais, eliminam a burocracia comumente associada ao aluguel de propriedades. Os contratos são descomplicados, digitais e dispensam a necessidade de fiadores.

A moradia estudantil não se limita à moradia em si. Ela se revela como um suporte integral à vida acadêmica e à qualidade de vida nesse período. A estrutura física é planejada para oferecer apartamentos mobiliados e ambientes comuns agradáveis e confortáveis. Além disso, eventos são organizados para fomentar a socialização entre os residentes.

Tais espaços são pautados por organização, estrutura e normas predefinidas, bem como uma programação de atividades. O objetivo é assegurar um ambiente harmonioso e propício ao sucesso acadêmico de cada indivíduo. Muitas dessas moradias também disponibilizam espaços amplos para estudos em grupo, semelhantes aos famosos coworkings. Além disso, os estudantes podem usufruir de áreas de convivência, piscinas, espaços de lazer e outros ambientes que enriquecem a experiência residencial.

O impacto das moradias estudantis no desempenho acadêmico

moradia estudantil

A influência das moradias estudantis na vida dos residentes tem sido amplamente explorada na literatura científica. Diversos estudos têm investigado os impactos desses ambientes no desempenho acadêmico dos estudantes. Um exemplo é o estudo conduzido por Garrido, que ressaltou os programas de moradia como um elemento contribuinte para o desempenho universitário. 

A visão está alinhada com as conclusões obtidas por um estudo realizado pelo pesquisador Steven LaNasa e seus colaboradores, que buscou analisar o impacto das moradias estudantis. Resultados positivos emergiram ao observar estudantes que residiam no campus, indicando um notável aumento na participação em atividades extracurriculares, na utilização de recursos universitários e no tempo dedicado ao estudo semanal. Esses fatores contribuíram para um aprimoramento significativo no desempenho acadêmico em comparação com seus colegas que residiam em regiões mais distantes da instituição educacional.

Outras pesquisas, como a realizada pelos pesquisadores Pedro de Araujo e James Murray, vinculados à Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, reforçaram essas descobertas. O estudo indicou um aumento de 0,19 a 0,97 nas médias dos alunos que residiam nas moradias estudantis.

No entanto, esse impacto varia entre diferentes grupos de estudantes. Uma pesquisa conduzida na Universidade de Chicago, por Ruth Turley e Geoffrey Wodtke, revelou que a influência das moradias estudantis no desempenho acadêmico era mais significativa para estudantes negros, enquanto o efeito era menos pronunciado para estudantes brancos. 

Assistência estudantil: mais do que teto e paredes

moradia estudantil

Nos últimos anos, as políticas de assistência estudantil têm sido objeto de intensos debates no que diz respeito à promoção de condições igualitárias para a permanência na educação superior. Após a implementação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que viabilizou o acesso ao ensino superior, universidades como Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), outrora composta predominantemente por estudantes da região Sudeste, experimentaram uma notável transformação. O alcance do Sisu trouxe estudantes de diversas partes do país para os seus corredores.

Esse marco aumentou a busca por auxílios de moradia. Nesse contexto, a residência estudantil emerge como um elemento de relevância substancial, sendo um agente transformador na busca pela garantia da permanência e do sucesso dos alunos nessa esfera.

Um estudo apoiado pelo Instituto de Educação e Ciências dos Estados Unidos revelou que alunos que optam por residir nas instalações do campus apresentam uma probabilidade 3,3% maior de permanecerem na universidade até o segundo ano de graduação. Os resultados são reveladores, destacando não apenas a importância da proximidade física das instalações educacionais, mas também enfatizando a contribuição da moradia estudantil para a criação de uma base sólida para a jornada acadêmica.

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Ou seja, a habitação proporcionada pelas universidades oferece facilidades que simplificam a vida cotidiana dos estudantes. Apartamentos mobiliados e bem equipados proporcionam um ambiente de estudo confortável e produtivo, enquanto espaços comuns como salas de estudo, áreas de lazer e ambientes para reuniões promovem a convivência entre os residentes, permitindo que eles aprendam uns com os outros de maneira informal.

A localização estratégica dessas moradias, próximas aos campi universitários, facilita o acesso às aulas, bibliotecas e outras instalações educacionais. Isso reduz o tempo de deslocamento e contribui para uma rotina mais eficiente e focada nos estudos. A comodidade de estar próximo ao ambiente acadêmico também facilita o envolvimento em workshops e eventos promovidos pela instituição. Fatores esses que podem potencializar o sucesso acadêmico.

Auxílio moradia: um amortecedor financeiro

O Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) desempenha um papel importante ao fornecer um suporte essencial para estudantes de baixa renda que estão matriculados em cursos presenciais universitários. Com um enfoque central em garantir igualdade de oportunidades e promover o aprimoramento acadêmico, o PNAES trabalha ativamente para combater uma das maiores barreiras ao sucesso educacional: a desistência dos estudos.

É comum alunos enfrentarem desafios socioeconômicos que muitas vezes podem comprometer sua permanência na instituição. Para atender a essa demanda, o PNAES foi estabelecido em conformidade com as diretrizes do Decreto n° 7.234, de 19 de julho de 2010, regulamentando assim suas operações.

Uma característica importante desse programa é seu foco em estudantes que vivem em áreas situadas a pelo menos 32 km de distância do campus universitário. Isso considera a realidade geográfica e as necessidades específicas de indivíduos que enfrentam dificuldades em se deslocar diariamente para as aulas.

Para efetivar seu propósito, o PNAES orienta e supervisiona o Programa de Auxílios Estudantis (PAE). Essa estrutura oferece uma variedade de apoios, incluindo o auxílio moradia e a implementação do auxílio permanência que ajuda a custear despesas. A Bolsa Auxílio Moradia, em específico, é direcionada a estudantes em situação socioeconômica vulnerável que não conseguiram vaga na moradia estudantil e precisam de apoio financeiro para cobrir os custos de aluguel. Isso possibilita que eles morem nas proximidades do campus universitário.

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Desse modo, o PNAES emerge como uma ferramenta adicional para enfrentar desigualdades socioeconômicas e garantir que estudantes de baixa renda possam não apenas ingressar no ensino superior, mas também prosperar e concluir seus cursos com sucesso e, possivelmente, mudar as próprias vidas e de quem está ao seu redor. Ou seja, tanto as moradias estudantis como os auxílios têm um impacto além das salas de aula, estendendo-se ao desenvolvimento socioeconômico, de indivíduos e comunidades.

Exemplos de moradia estudantil no Brasil

As moradias estudantis são como extensões das instituições de ensino e surgiram junto com as primeiras universidades. No Brasil, a história das moradias estudantis remonta aos anos 1850 e 1860, durante o Ciclo da Mineração em Ouro Preto. Nesse período, surgiu a primeira moradia estudantil no país, respondendo à necessidade de acolher os estudantes vindos de outras regiões que frequentavam a Escola de Minas de Ouro Preto. Com o tempo, as moradias estudantis se adaptaram às mudanças da sociedade. Esses prédios não são só lugares para dormir, mas também ambientes versáteis para estudar, se divertir e socializar. 

Moradia estudantil Unicamp

moradia estudantil
Foto: Reprodução/Site Unicamp

A Moradia Estudantil da Unicamp, localizada em Barão Geraldo, é um conjunto de 300 unidades habitacionais que oferece acomodação para cerca de mil estudantes, constituindo o Programa de Moradia Estudantil (PME). Esse programa tem como foco auxiliar aqueles que enfrentam dificuldades financeiras para se manterem em Campinas, garantindo assim sua permanência. Para os alunos que não conseguem vaga no PME ou estudam nos campi de Limeira e Piracicaba, a opção oferecida é a Bolsa de Auxílio-Moradia.

Concluída em 1992 e projetada nos anos 1980 pelo arquiteto Joan Villà, a Moradia compreende residências para quatro estudantes, cada uma com três cômodos, e também oferece estúdios para famílias. Além das unidades de moradia, o complexo inclui espaços comunitários, salas de estudo, área infantil, estacionamentos e uma linha de ônibus gratuita para o campus de Barão Geraldo, fornecida pela universidade. A seleção dos residentes é baseada em critérios sociais e o processo de candidatura é conduzido pelo Serviço de Apoio ao Estudante (SAE).

Moradia estudantil USP

Foto: Reprodução/Site USP

O CRUSP, ou Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, é um conjunto de edifícios, situados no Butantã, destinados a acomodar estudantes da universidade, disponibilizando aproximadamente 1,6 mil vagas. A moradia oferecida é gratuita e é uma parte essencial da política de permanência da USP. Através desse programa, a universidade também busca combater a evasão de estudantes devido a dificuldades socioeconômicas. Como resultado, a seleção dos estudantes para residir no complexo é realizada com base em critérios socioeconômicos.

Já a USP São Carlos dispõe de cinco blocos de habitação, sendo o primeiro construído há mais de 40 anos. Os apartamentos são mobiliados, com água e luz custeados pela prefeitura do campus, que também mantém a estrutura do prédio, recentemente melhorada para maior acessibilidade.

A partir deste ano de 2023, a universidade vai oferecer aos alunos selecionados uma ajuda de custo de R$ 300, além da moradia. Uma vez que as vagas nos apartamentos estão preenchidas, os alunos podem ser beneficiados com ajuda financeira adicional, o Auxílio Moradia, que neste ano é de R$ 800. 

Moradia estudantil UFRJ

Residência Estudantil passa a ser a moradia de mais 252 estudantes (Foto: Ana Marina Coutinho /SGCOM/UFRJ)

A UFRJ disponibiliza moradia para estudantes no campus da Cidade Universitária, oferecendo um total de 504 quartos, divididos igualmente entre blocos feminino e masculino. Em uma reforma recente no Bloco B foram realizadas diversas melhorias, incluindo a substituição de janelas, a instalação de cercamento para todo o complexo residencial e a construção de rampas de acesso ao prédio. 

Além disso, houve uma reforma completa em 84 módulos, cada um deles contendo três quartos e um banheiro. Cada módulo recebeu equipamentos como pia, armário, despensa, geladeira, máquina de lavar roupas, forno micro-ondas e mesa com duas cadeiras. Os quartos também foram completamente mobiliados, incluindo cama box, colchão de solteiro, ventilador de pedestal, mesa, cadeira, prateleira e armário embutido. Para iniciar o benefício de moradia, é realizada uma avaliação das condições socioeconômicas do aluno, bem como da distância entre sua residência e o local de estudo.

Ao proporcionar suporte integral à vida acadêmica e à qualidade de vida dos alunos, a moradia estudantil desempenha um papel crucial na formação não apenas de estudantes bem-sucedidos, mas também de cidadãos engajados, socialmente conscientes e culturalmente enriquecidos.

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