Nova sede administrativa do Egito: descompasso ou case de sucesso?

Projeto de US$ 58 bilhões de nova cidade nos arredores de Cairo quer reduzir congestionamento e poluição e liderar inovação arquitetônica, mas destoa da realidade do País.

Por Ana Cecília Panizza em 12 de junho de 2025 5 minutos de leitura

nova sede administrativa do Egito
Foto: Alex Anton/ Adobe Stock

Com 100 milhões de pessoas, o Egito é o país mais populoso do norte da África e do mundo árabe, e vivencia um cenário complexo: altas taxas de inflação, escassez de moeda estrangeira, queda acentuada da receita, agravado por tensões regionais, e custos elevados de pagamento de dívidas de ​​empréstimos no exterior. Mais de 20% da população egípcia é atingida pela pobreza multidimensional, ou seja, sofre privações em vários aspectos – renda, educação, saúde, moradia, saneamento e segurança alimentar. É nesse contexto que governo está investindo US$ 58 bilhões em uma nova sede administrativa do Egito, nos arredores da capital Cairo, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, enquanto sua região metropolitana abriga mais de 21 milhões de pessoas, o que faz dela a região metropolitana mais populosa da África.

O objetivo, segundo o governo comandado pelo presidente Abdel Fattah al-Sisi (no poder desde 2014), é que o local seja muito mais que uma sede. Seja, na verdade, uma cidade moderna e emblemática, caracterizada por sustentabilidade e tecnologia de ponta, capaz de aliviar o congestionamento e reduzir a poluição no Cairo, além de criar opções de moradia, impulsionar a economia e liderar a inovação arquitetônica.

Ambições e dimensões faraônicas

O megaprojeto fica a 45 quilômetros do Cairo e ocupa uma área de 700 km². Anunciado em 2015, com obras iniciadas dois anos depois e previsão de conclusão em 2027, inclui instalações do governo (como palácios presidenciais) e de embaixadas, além das sedes do Parlamento e de ministérios. Planejada para acomodar mais de 6 milhões de pessoas e um milhão de moradias, sua infraestrutura inclui parque central, lagos artificiais, duas mil instituições de ensino, 18 hospitais e um hotel com 40 mil quartos. Também está prevista uma grande área esportiva, como uma cidade olímpica, com um estádio de 93 mil lugares.

Mesmo sem a nova sede administrativa do Cairo estar concluída, em 2023 os ministérios já foram transferidos para o local, e o parlamento foi instalado em 2024, mesmo ano em que mais de 1,5 mil famílias se mudaram para lá. 

nova sede administrativa do Egito
Foto: Tamer A Soliman/ Shutterstock

No quesito sustentabilidade, o projeto inclui um trem elétrico – já em funcionamento para atender à população – e um parque ecológico, que terá um rio artificial que se estenderá por 10 km em uma área desértica. O espaço contará com trilhas para caminhada e ciclismo e abrigará vegetação nativa do Egito. 

Prédio mantido com hidrogênio verde 

A sustentabilidade ambiental aparece também no edifício de destaque da nova sede administrativa do Egito, o Forbes International Tower. O prédio de uso misto (residencial e comercial) é orçado em um US$ 1 bilhão e terá 55 andares distribuídos em 240 metros de altura – deverá ser o mais alto do continente africano. Pretende-se que a obra bata outro recorde: ser o primeiro prédio do Oriente Médio a alcançar a meta de emissão zero de gás carbônico e, assim, ser exemplo de sustentabilidade. O nome do prédio é referência à parceria do governo com a revista americana Forbes. A construção do Forbes International Tower foi anunciada em 2023 e a previsão de entrega é 2027. 

Foto: Kristi Blokhin/ Shutterstock

A operação do prédio vai usar energia renovável e focar em reduzir emissões de CO2. O abastecimento energético funcionará da seguinte maneira: 25% por energia fotovoltaica (via painéis solares) e 75% por hidrogênio limpo, conhecido também como hidrogênio verde, cuja extração não emite CO2. A produção do hidrogênio verde, identificado pela sigla H2V, é feita a partir de uma reação química sofrida pela água durante a passagem de corrente elétrica – a eletrólise. 

O Forbes International Tower terá espaços inspirados na biofilia, termo proveniente do grego que significa “amor às coisas vivas” e que é tendência na arquitetura e no design de interiores em todo o mundo. O projeto inclui técnicas de ventilação natural para controlar a temperatura interna do prédio. Águas das chuvas serão armazenadas em tanques para usos que não exigem água potável e outras técnicas reduzirão a demanda pelo recurso, o que ajudará a diminuir a demanda por água potável, necessidade crucial em um país com problemas de escassez hídrica. Máquinas chamadas “chillers”, que utilizam resfriamento por ar, serão usadas como método de resfriamento da água. A estrutura do edifício será construída com materiais de baixo carbono incorporado, ou seja, com pegada de carbono minimizada considerando fabricação, uso e descarte.

O projeto do Forbes International Tower é assinado pelo escritório de arquitetura Adrian Smith + Gordon Gill, que também assina o Central Park Tower, em Nova Iorque, e a Jeddah Tower, em construção na Arábia Saudita.

Nova sede administrativa do Egito: descompasso? 

No início de 2025, o fotógrafo Johan Blasberg, da revista inglesa de arquitetura Dezeen, esteve na nova sede administrativa do Egito para registrar imagens e contou sobre a experiência para a revista. “Sempre fui fascinado por lugares estranhos e pouco visitados. A nova capital administrativa estava no topo da minha lista quando visitei o Cairo.” Ele revelou que ouvia histórias “sobre esse projeto insano desde que ele foi concebido, e eu tinha que ver com meus próprios olhos”. Blasberg descreveu como ficou impressionado com a escala da arquitetura e dos espaços públicos. “É monumental e absolutamente imponente. Acho que nunca visitei uma cidade que me fez sentir tão pequeno e insignificante”.

“A cidade não foi projetada levando em conta a escala humana”, declarou o fotógrafo. “É quase impossível se locomover a pé e não há sombra, o que é uma loucura em uma cidade onde a temperatura diurna frequentemente ultrapassa 35 graus Celsius durante os meses mais quentes.”

Henry Farkas, arquiteto e urbanista (Foto: Arquivo pessoal)

O arquiteto e urbanista Henry Farkas, por sua vez, chama atenção para o descompasso entre o luxo da nova sede administrativa do Egito e a situação socioeconômica do país. “É a consolidação de uma filosofia de tipologia `mega´ como aparente solução para o chamado `progresso`, com megaestruturas, megaempreendimentos. Buscar soluções tecnológicas de ponta e selos de sustentabilidade é algo fundamental e muito bem visto no projeto, assim como a utilização do uso misto como uma visão de uma cidade mais interconectada e interdisciplinar quanto a seus usos. Entretanto, o projeto revela uma corrida descompassada com a realidade do próprio país”, avalia Farkas, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, no campus de Itu e no de Salto, interior de São Paulo. Ele leciona as disciplinas “Projeto de Arquitetura e Urbanismo” e “Conforto Ambiental Aplicado à Arquitetura”. Também é sócio do escritório Cidade Arquitetura, em Campinas/SP.

“O questionamento que fica aqui é em relação a quais soluções deveriam ser focadas. Seria a resposta para um novo horizonte para a capital trabalhar com a filosofia ´mega´ e realizar uma nova mega capital? Ou seriam ações e iniciativas de planejamento urbano ligadas a projetos de restauro, reuso e revitalização no próprio tecido urbano existente que trabalhariam para uma cidade mais sustentável e justa, dando resposta para os paradigmas da arquitetura e planejamento contemporâneos, em vez da criação de tecidos urbanos afastados da real situação e criando uma espécie de bolha em relação à realidade?”, questiona o arquiteto. 

Ele defende a implementação de iniciativas como retrofit, técnica que consiste em restauros e reformas que atualizam a infraestrutura de prédios para atender às normas e necessidades contemporâneas, a partir da incorporação de materiais sustentáveis e tecnologias novas, o que contribui também para deixar as edificações mais bonitas e funcionais. Farkas também sugere, para regiões como a de Cairo, o modelo chamado “Cidade de 15 minutos“, o qual prevê que o trajeto das pessoas para atender às suas necessidades básicas não ultrapasse esse tempo, considerando um percurso feito por meio de caminhada ou soluções sustentáveis de transporte público. “A cidade contemporânea é um amálgama de tecidos e edificações de todas as eras, clama nem sempre por uma renovação, e sim pelo reuso de suas atividades e revitalização de seus espaços”, define Farkas. 

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