Quando a pauta é um desafio global, as soluções macro, envolvendo instâncias máximas de poder, são as mais óbvias. Mas os números mostram a importância do papel das cidades diante da urgência climática. São elas que consomem 70% da energia global e respondem por 75% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no mundo, segundo a Urban 20 (U20) – iniciativa que reúne prefeitos das principais cidades de países do G20, órgão de cooperação internacional voltado para promover melhorias econômicas e sociais para os países membros. É esse papel de protagonista que deve ser abordado na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será realizada em Belém/PA, em 2025.
Outro motivo para o papel das cidades na COP30 ser fortalecido é que os municípios planejam e controlam o desenvolvimento urbano, o que inclui uso do solo, infraestrutura e gestão de recursos naturais. Eles têm, portanto, papel fundamental na gestão ambiental, especialmente no combate à poluição e na preservação dos recursos naturais. Além disso, são os municípios os impactados mais diretamente pelas consequências das mudanças climáticas. Quando uma cidade enfrenta enchente, incêndio ou falta de água, o gerenciamento e a resolução da crise recaem, principalmente, sobre os prefeitos e as prefeitas. As mudanças do clima batem à porta enquanto vitimando, de forma mais intensa, as populações mais vulneráveis.
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Considerando a dimensão brasileira, com 5.569 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o impacto positivo de ações eficientes é ainda maior para o todo.
Para Daniel Miranda, coordenador de Relações Institucionais e Projetos da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP), instituição suprapartidária dirigida por prefeitas e prefeitos com foco de atuação nos mais de 400 municípios com mais de 80 mil habitantes, abrangendo todas as capitais, o fortalecimento da governança local por meio de instrumentos como os Relatórios Locais Voluntários (RLVs) contribui para alinhar os municípios aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), o que gera visibilidade, atraindo financiamento para projetos sustentáveis.
É neste ponto que a COP30 tem papel estratégico. Fórum que reúne líderes globais, o evento pode ser um canal de atração de investimentos verdes e estímulo à adoção de modelos de desenvolvimento urbano para minimizar impactos ambientais, contribuindo para que os municípios se tornem, de fato, centros de soluções para as crises do clima e desempenhem seu papel decisivo no enfrentamentos aos desafios das mudanças climáticas, garantindo que metas sejam alcançadas.
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“As prefeituras brasileiras têm um papel central no enfrentamento da crise climática, por serem responsáveis diretas pela gestão do território; desse modo, soluções eficazes para a emergência climática passam por políticas integradas de planejamentos urbano e ambiental”, avalia Miranda. São alguns exemplos políticas que incluam transporte sustentável, com estímulo a veículos de baixa emissão de GEE e gestão de resíduos sólidos orientada pela economia circular, Soluções Baseadas na Natureza (SBNs), ações inspiradas e apoiadas na natureza que proporcionam benefícios simultaneamente ambientais, sociais e econômicos e ajudam a construir resiliência para enfrentar os desafios relacionados a mudanças climáticas, disponibilidade de recursos, qualidade ambiental e questões socioeconômicas em escalas diferentes e interconectadas. O coordenador de Relações Institucionais e Projetos da FNP pontua, ainda, “eficiência energética e uso de energias renováveis nos prédios e equipamentos públicos, além de planejamento urbano resiliente e inclusivo, com revisão de planos diretores para proteger áreas frágeis e reduzir desigualdades”.
Sem planos?
Ter um Plano de Mudança Climática (PMC) é um indicador positivo para que as cidades desempenhem seu papel no enfrentamento às mudanças climáticas, assim como o orçamento climático – ferramenta fiscal que incorpora compromissos climáticos à tomada de decisões de prefeituras. O instrumento é adotado por apenas 12 cidades no mundo. O Rio de Janeiro, que também tem seu Plano, é a única cidade da América Latina a contar com a ferramenta, mostrando os esforços para reverter sua posição como segunda cidade mais poluidora do Brasil, segundo levantamento do Instituto Cidades Sustentáveis, realizado em parceria com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
No Brasil, segundo o levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), outras dez cidades possuem o PMC: Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Curitiba/PR, Fortaleza/CE, Florianópolis/SC, João Pessoa/PB, Recife/PE, Rio Branco/AC, Salvador/BA e Teresina/PI, enquanto Manaus/AM, Belém/PA, Vitória/ES e Porto Alegre/RS estão com o plano em processo de elaboração.
Por outro lado, 15 capitais não têm Plano de Mudanças Climáticas: Aracaju/SE, Belém/PA, Boa Vista/RR, Campo Grande/MS, Cuiabá/MT, Goiânia/GO, Maceió/AL, Macapá/AP, Manaus/AM, Natal/RN, Palmas/TO, Porto Alegre/RS, Porto Velho/RO, São Luiz/ MA e Vitória/ES.

O IJSN não cita São Paulo. De acordo com a prefeitura, o (Plano de Ação Climática do Município de São Paulo (PlanClima SP) foi elaborado para identificar ações para o município que apoiem a implementação dos compromissos assumidos pelos governos nacionais em 2015, no Acordo de Paris. A ideia, segundo o município, é implementar medidas para São Paulo alcançar neutralidade de emissões de GEE até 2050, implementar medidas de adaptação aos impactos da mudança do clima e tratar com equidade os ônus e os bônus da mudança do clima.
Papel das cidades diante da urgência climática no Brasil
Recife foi a primeira cidade brasileira a reconhecer a emergência climática junto a um movimento internacional com adesão de mais de mil governos e entidades de 18 países. A declaração estabelece diretrizes e determina que as políticas públicas iniciadas no processo de resposta à emergência climática devem priorizar as comunidades vulneráveis, bem como comunidades históricas e desproporcionalmente impactadas por injustiças ambientais. O pioneirismo pode ter sido motivado pela sua realidade: Recife é uma das cidades brasileiras mais suscetíveis a enchentes, ondas de calor e avanço do nível do mar. Isso é explicado por fatores geográficos, econômicos e sociais, já que a capital de Pernambuco tem terrenos de topografia baixa com áreas de alta declividade, com grande densidade populacional e forte urbanização. O local sofre com fortes chuvas, que geram alagamentos nas margens de seus principais rios.
Em maio de 2025, o governo de Pernambuco lançou o Plano Estadual de Adaptação e Resiliência Climática (PEAR-PE) como resposta aos efeitos do clima e com base em princípios de territorialidade, equidade social e justiça climática. O documento foi elaborado feito a partir de parcerias, como a Universidade Federal de Pernambuco e o AdaptaBrasil/MCTI, sistema de informações e análises sobre mudanças do clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Ele é composto por 12 etapas que contemplam diagnósticos climáticos atual e futuro, mapas de risco, estratégias específicas de adaptação por território, capacitação técnica e publicações científicas.
Recife também é reconhecida como Hub de Resiliência do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres no âmbito da iniciativa Construindo Cidades Resilientes 2030, assim como Barcarena/PA, Salvador/BA, Porto Alegre/RS e Campinas/SP. “Essa nomeação carrega uma responsabilidade: mentorear outras cidades, compartilhando seus conhecimentos e experiências para reforçar a resiliência climática e urbana em seus respectivos territórios e regiões”, comenta Miranda.
Já Curitiba/PR, que é referência em planejamento urbano e transporte coletivo eficiente, busca se destacar também por suas políticas ambientais sustentáveis. A capital paranaense implementou um sistema de coleta seletiva de lixo que virou modelo para outras cidades brasileiras. Outras medidas são preservação de áreas verdes e incentivo ao uso de transportes alternativos, como bicicletas.
Tamanho não é documento para o papel das cidades diante da urgência climática

Municípios menores também podem ter seu destaque no papel das cidades diante da urgência climática. Niterói/RJ implementou o programa Niterói de Carbono Zero, com foco em mobilidade sustentável e reflorestamento urbano.
Na região central do estado de Amapá, a 180 quilômetros da capital Macapá, Pedra Branca do Amapari desenvolveu o projeto Composta Amapari, que promove compostagem de resíduos orgânicos para reduzir o volume destinado aos aterros e fortalecer a sustentabilidade ambiental. A iniciativa inclui ações de educação ambiental e estabelece uma governança local que articula setor de serviços, sociedade civil e outros atores.
Por sua vez, Itapecuru-Mirim, a 108 km de São Luís do Maranhão, está atualizando seu plano diretor a partir de uma perspectiva climática, com incorporação de critérios de mitigação e adaptação às mudanças climáticas aos seus instrumentos de ordenamento territorial.
Bem pertinho de Belém, a 34 de distância da sede da COP30, Benevides/PA implementou a plataforma Benevides Recicla, que utiliza gamificação e moeda social para estimular a educação ambiental, a coleta seletiva e a economia circular, transformando resíduos em oportunidades econômicas e sociais para a população. A própria Belém está fazendo a revisão de seu plano diretor com enfoque em justiça climática, resiliência urbana e adaptação aos riscos ambientais.
Integração
Para Leila da Costa Ferreira, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas e vice-presidente da Comissão de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental da Reitoria da universidade, a ação de vários atores e ações multiescalares são fundamentais para fortalecer o papel das cidades diante da urgência climática. “As prefeituras têm um papel muito relevante, mas desde que trabalhem em colaboração com outros setores da sociedade (movimentos sociais, universidades, empresas etc.) e em consonância com outros níveis de ação, estadual, nacional e também global”, diz Leila.
O Compromisso para o Federalismo Climático, lançado em 2024 pelo Conselho da Federação, reconhece o papel das cidades diante da urgência climática, mas também propõe uma governança colaborativa entre União, estados e municípios. “O compromisso promove a integração entre os planos locais e as metas nacionais de clima, facilita o acesso a recursos financeiros e técnicos, e estimula a cooperação entre municípios para ampliar a escala de soluções sustentáveis. No contexto da COP30, esse pacto federativo fortalece a posição dos municípios como protagonistas da ação climática no Brasil”, explica Miranda. Para ele, é um avanço “os municípios que ainda enfrentam entraves importantes: baixa capacidade institucional e técnica, dificuldade de acesso a financiamentos climáticos, fragmentação das políticas públicas e pressões de curto prazo que dificultam investimentos estruturantes”.
Integrar as discussões globais aos níveis locais é, portanto, o grande desafio e a oportunidade que se desenha na COP30.