Orçamento climático é adotado por apenas 12 cidades no mundo. Só uma é da América Latina

Rio de Janeiro é única cidade brasileira e da América Latina a adotar a ferramenta fiscal que incorpora compromissos climáticos à tomada de decisões das prefeituras.

Por Ana Cecília Panizza em 10 de abril de 2025 9 minutos de leitura

orçamento climático
Imagem gerada por Inteligência Artificial

O que têm em comum Mumbai, Barcelona, Tshwane, Berlim, Rio de Janeiro, Londres, Milão, Oslo, Estocolmo, Paris, Montreal e Nova Iorque? Apesar de serem muito diferentes quanto a localização geográfica, cultura, economia e outros aspectos, esses 12 municípios têm orçamento climático em suas gestões. Trata-se de uma ferramenta fiscal que incorpora compromissos climáticos à tomada de decisões das prefeituras sobre políticas e recursos, direcionando verbas para projetos de adaptação climática. O Rio de Janeiro é a única cidade do Brasil – e da América Latina – a fazer parte dessa seleta lista. 

A necessidade de orçamento climático é cada vez maior no mundo diante do aquecimento global, que assola cidades de todos os continentes com secas severas, chuvas torrenciais, fortes ondas de calor, inundações, deslizamentos, ciclones, incêndios florestais e outros eventos climáticos extremos. E o orçamento climático desponta como medida para tornar os municípios mais adaptados às mudanças climáticas. Entre as principais vantagens desse mecanismo estão incentivos a ações preventivas, identificação de intervenções que dependem de diferentes departamentos municipais para serem bem-sucedidas e estímulo a parcerias com empresas privadas para criação de novas tecnologias que possam ajudar as cidades na batalha climática.

Orçamentos climáticos também prevêem mecanismos para transição das frotas dos municípios para veículos elétricos; ações que tornam as cidades mais seguras para ciclistas e pedestres; incentivo a construções livres de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE); projetos para redução de GEE e instalação de tecnologias de captura de carbono. 

Oslo, pioneira no orçamento climático

Oslo
Foto: saiko3p/ Shutterstock

A primeira cidade do mundo que adotou o orçamento climático foi Oslo, capital da Noruega, em 2016. O município tem a meta ambiciosa de reduzir as emissões municipais de GEE em 95% até 2030 (ante os níveis de 2009). Para isso, a prefeitura investe principalmente em meios de transporte sustentáveis.

O orçamento climático permite que Oslo acompanhe as emissões como se fosse o dinheiro da cidade. O processo orçamentário estabelece exatamente o que deve ser feito, quando, por quem e quanto custará. Ao tratar as emissões como um budget, a cidade é obrigada a medir o quanto cada setor gasta. 

Para elaborar seu orçamento climático, o município calcula quanto de GEE cada projeto público produzirá. Com isso, a administração consegue avaliar se o projeto é compensador ou não, sob a ótica ambiental, e se o conjunto de ações proporciona avanços rumo às metas de cortar emissões de GEE. 

O orçamento climático impõe um limite para as emissões permitidas em toda a cidade anualmente, monitora os avanços ao longo do tempo e ajuda a identificar as intervenções com maior impacto. A ferramenta já ajudou Oslo a alcançar uma redução de 28% nas emissões de GEE – e, com as medidas adotadas atualmente, a expectativa é chegar a uma redução de 65% até 2030.

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Eletrificar é preciso

Oslo. eletrificar é preciso. orçamento climático
Foto: Pedro de Paula/ Shutterstock

Para alcançar seus bons resultados em diminuição de geração de GEE, Oslo implantou um sistema variável de taxação de congestionamentos em uma das principais rodovias com pedágio da cidade direcionada especificamente para veículos a diesel. E expandiu sua malha cicloviária em 100 quilômetros, o que resultou em aumento de 51% no uso da bicicleta em 2024 em relação a 2016. 

Outra frente é a eletrificação da rede de transporte do município. Nos contratos de compras públicas e incentivos, a prefeitura viabilizou a eletrificação do transporte público (ônibus, trens e balsas), de carros de entrega privados e do maquinário pesado da construção civil. 

O incentivo a veículos elétricos não só em Oslo, mas em todo o país, começou faz tempo, no início da década de 1990. Aos poucos os tributos sobre carros com motores a gasolina e a diesel ficaram mais altos, o que os tornou mais caros. Na contramão, os carros elétricos foram isentos de impostos. Por isso, nas ruas cidades norueguesas, veículos movidos a bateria não são exceção, são regra, o que é acompanhado por uma ampla disponibilidade de estações de carregamento. 

A Noruega caminha para eliminar gradualmente a venda de carros novos movidos a combustíveis fósseis. Em 2024, o número de carros elétricos nas estradas norueguesas superou pela primeira vez o de movidos a gasolina; 88,9% dos carros novos vendidos no país no ano passado foram veículos elétricos, contra 82,4% em 2023. As informações são da Federação Rodoviária Norueguesa. Para efeito de comparação, no Reino Unido os carros elétricos representaram apenas 20% dos registros de carros novos em 2024 (ante 16,5% em 2023). Nos EUA foram 8% no ano passado (sobre 7,6% no ano anterior).

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Case londrino  

Foto: Lorna Roberts/ Shutterstock

Outra capital europeia, Londres, aderiu ao orçamento climático em 2022 com objetivo de zerar as emissões de GEE até 2030. No primeiro ano, o município elencou todas as medidas orçamentárias tomadas para reduzir as emissões em setores como transporte, polícia e bombeiros. Na sequência, o orçamento climático incluiu medidas de adaptação climática e passou a considerar fontes de emissões de outros setores.

A prefeitura mira a renovação da frota de veículos, priorizando os híbridos ou elétricos, com a criação de medidas como a Zona de Emissão Ultrabaixa (ULEZ, na sigla em inglês), regra que foi criada em 2019, antes mesmo do orçamento climático. Funciona assim: para poder circular dentro da região metropolitana de Londres, os veículos mais poluentes precisam pagar uma taxa diária de 12,50 libras esterlinas (cerca de R$ 90), o que se aplica à maior parte dos carros movidos a gasolina fabricados até 2005 e os veículos a diesel com mais de dez anos. A taxação forçou uma renovação da frota, já que os carros mais antigos são os que mais poluem. 

A medida deu certo. Relatório publicado pelo órgão governamental Greater London Authority, revisto por um grupo consultivo independente de peritos, revela que a qualidade do ar de Londres melhorou 99% em relação a 2019. 

Outra regra da capital inglesa para estimular o uso de veículos não poluentes foi implementada em 2023: táxis novos e carros para transporte por aplicativo só podem ser registrados se forem híbridos ou elétricos; e, até 2030, a composição de toda a frota dos veículos de transporte de passageiros terá que ser de elétricos. 

Não só a capital, mas todo o Reino Unido almeja zerar suas emissões de GEE. Em fevereiro de 2025, o país apresentou um plano às Nações Unidas para reduzir suas emissões em pelo menos 81% até 2035. 

Rio, a brasileira do orçamento climático

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Foto: Stefan Lambauer/ Adobe Stock

A prefeitura do Rio de Janeiro aderiu ao orçamento climático em novembro de 2023, inspirada nas metodologias da C40, rede global formada por cerca de 100 prefeitos de grandes cidades do mundo que estão unidos e focados em ações para enfrentar a crise climática. Os prefeitos do grupo se comprometeram a usar uma abordagem inclusiva, colaborativa e baseada na ciência para cortar emissões de GEE em seus municípios pela metade até 2030, além de ajudar o mundo a limitar o aquecimento global a 1,5 °C e construir comunidades saudáveis, equitativas e resilientes. 

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Segundo Tatiana Bravo, gerente de Clima da Secretaria de Meio Ambiente e Clima (SMAC) do Rio de Janeiro, ao implementar o orçamento climático, a cidade segue sua vocação de inovar. “Este projeto tem como objetivo relacionar os gastos da prefeitura com emissões de gases de efeito estufa, buscando detalhar ainda mais o perfil de emissões do funcionamento da administração pública municipal, e, claro, incidir para reduzir tais emissões. Dessa forma, as expectativas estão no maior controle e transparência dessas informações, o que engaja a população nas ações coletivas de redução de emissões de GEE e reforça uma prefeitura comprometida com transparência e promoção da saúde e da dignidade para a população carioca”, explica ela.

O lançamento do orçamento climático do Rio ocorreu em conjunto com o anúncio da Estratégia de Neutralização de Carbono, instrumento de planejamento contra as emissões de GEE no âmbito da administração municipal. A meta é alcançar, até 2030, a redução de 20% das emissões de GEE do município em relação às emissões do ano-base 2017, visando a neutralidade em 2050.

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Tatiana destaca que a meta de redução de emissões entra no campo da mitigação. E, para alcançar esse objetivo, “a cidade vem investindo em ampliação das áreas verdes – com criação de corredores verdes nas áreas mais adensadas, criação de novos parques e fortalecimento de ações de reflorestamento –, ampliação no acesso ao transporte público, na mobilidade ativa e na geração e compra de energia limpa. Sobre transporte público, importante destacar o aumento das linhas do BRT, a criação do Terminal Gentileza e, não podemos esquecer, a instalação do sistema de VLT no Centro”, conta a gerente. 

Foto: A.RICARDO/ Shutterstock

Ela esclarece que, além de mitigação, outros dois eixos norteiam as iniciativas da prefeitura para enfrentar as mudanças climáticas: adaptação e resiliência. “No campo da adaptação, temos obras de macrodrenagem, dentre as quais destaco os piscinões subterrâneos, e obras de contenção de encostas. Na resiliência, temos o sistema de alerta a eventos climáticos extremos, que enseja determinados protocolos de cidade, bem como o Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo, que amplia o funcionamento de determinados equipamentos municipais públicos para servirem como áreas de resfriamento para a população, entre outras ações”.

Resistência política 

A baixa adesão de países ao orçamento climático se deve a vários fatores e desafios. Entre eles, ausência de dados de municípios sobre suas emissões; complexidades técnica, institucional e regulatória para incluir métricas ambientais e fazer outras adaptações no orçamento público; necessidade de uma governança pública especificamente direcionada ao monitoramento e à transparência do sistema para garantir que os investimentos realmente contribuam para a redução de emissões. A avaliação é de Gabriel Novaes, gerente de Projetos ESG e Sustentabilidade da Fundação Vanzolini. “Outro fator relevante é a resistência política, já que a administração urbana precisa solucionar muitas demandas urgentes, como saúde, segurança, educação e mobilidade, tornando a pauta climática menos prioritária e limitando o levantamento e a disponibilização de recursos para esse fim”. 

Segundo ele, à medida que os impactos da crise climática se tornam mais evidentes, a tendência é de que o orçamento climático ganhe cada vez mais força como instrumento estratégico para o desenvolvimento sustentável das cidades. Por outro lado, “a ampliação do orçamento climático no Brasil e no mundo depende do fortalecimento das capacitações técnica e institucional, permitindo que mais cidades desenvolvam expertise na integração de metas climáticas ao orçamento público, aliada ao compartilhamento de boas práticas entre municípios e a criação de incentivos financeiros, como linhas de crédito para investimentos sustentáveis e políticas nacionais”, pontua Novaes. “Outro fator essencial é o engajamento do setor privado e da sociedade civil para apoiar a implementação do orçamento climático por meio de investimentos em infraestrutura verde, enquanto a população pode exercer um papel de pressão para que os governos priorizem a pauta ambiental”. 

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Massa crítica

Para Pedro Rivas, coordenador e professor do curso de pós-graduação Master ESG na Prática na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), de São Paulo/SP, para que o orçamento climático passe a ser uma realidade, é preciso que haja conscientização do poder público, das instituições e da sociedade. “É também preciso que haja pressão social, o que demanda uma massa crítica consciente da nossa urgência, disposta a cobrar o poder público. Diante de tantas demandas sociais de uma cidade, o clima pode parecer algo secundário, mas vemos que está cada vez mais no nosso dia a dia. Onde os eventos extremos passaram, o negacionismo se apequena”.

Pedro Rivas (Foto: Divulgação/ ESPM)

Rivas também chama a atenção para a necessidade de capacitação em gestão nos órgãos municipais, para que seja possível investir adequadamente no Plano de Ação Climática, que envolve adaptação e mitigação climática nas cidades. “É comum que municípios precisem recorrer a consultorias para apoio na elaboração dos planos, que demandam definição de escopo e objetivo, mensuração das emissões, detalhamento de metas, ações específicas e atribuições claras de responsabilidades. É também necessário o estabelecimento de uma governança intersetorial no município, uma vez que se trata de uma pauta absolutamente transversal. Ou seja, uma tarefa altamente complexa, que exige muita capacidade de articulação e negociação”. 

O professor frisa que as cidades ganham maior espaço de protagonismo na governança climática global, tendência que tende a crescer, uma vez que até aqui os territórios municipais não foram devidamente contemplados, e agora evocam assim essa governança subnacional. “Isso está acontecendo agora nos EUA, onde muitas cidades americanas começam a destoar do discurso do presidente Donald Trump, que já indicou a saída do Acordo de Paris, o que certamente terá impacto na COP30”. 

“A orçamentação climática nas cidades é uma das grandes novas fronteiras da batalha climática. Em muitos casos, o negacionismo caiu por terra, diante de todas as evidências, e de tantos estragos. Porém, carimbar um recurso vultoso no orçamento de uma cidade, diante de tantas urgências municipais, demandará de fato consciência, determinação, pragmatismo e coragem dos gestores públicos e de todos envolvidos nesta governança”, assevera Rivas. 

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