Resilientes e acessíveis, as PANCs são fontes inexploradas de nutrição e renda com grande potencial culinário.
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Redação em 29 de janeiro de 2024 5minutos de leitura
Jambu, assa-peixe, ora-pró-nobis, bertalha, folha de begônia. Embora muitas pessoas confundam essas espécies como “ervas-daninhas”, elas são alimentos saudáveis, saborosos, nutritivos, resilientes e acessíveis, classificados como Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs).
Nas brechas de concreto de grandes cidades, elas mostram sua força. É o caso da Buva. De sabor picante semelhante ao da pimenta, pode ser utilizada como tempero, além de ser rica em ferro, minerais e possuir propriedades medicinais. Como ela, há diversas espécies ricas catalogadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), mas, justamente por sua abundancia – e falta de conhecimento da população – , são vistas apenas como ”matinhos” ou trepadeiras no quintal de casa e até mesmo em terrenos baldios. Revelar seu lado nobre é um desafio e uma ferramenta estratégica para as cidades ameaçadas pela insegurança alimentar.
O passado nobre das PANCs
Mas nem sempre foi assim. As PANCs já tiveram dias mais áureos como parte da dieta humana. Contudo, com a ascensão da agricultura convencional, que priorizou a produção em larga escala de espécies, como trigo e arroz, e também devido ao crescente distanciamento humano em relação à natureza, as plantas não convencionais acabaram sendo gradualmente excluídas do cardápio. Plantas como a bertalha, por exemplo, foram trocadas na dieta dos brasileiros por variedades como a couve e o alface.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que em todo o planeta o número de plantas consumidas pelo homem caiu de 10 mil para 170 nos últimos cem anos. No Brasil, especialmente, existe uma biodiversidade vasta a ser explorada. A estimativa é de que cerca de 10 mil plantas possuam potencial uso alimentício.
Segundo o biólogo e botanista Valdely Kinupp, pioneiro no estudo dessas espécies no Brasil e responsável pela criação do termo, há aproximadamente 12.500 espécies de vegetais comestíveis reconhecidas e catalogadas. No entanto, estima-se que mais de 30 mil espécies possuam alguma parte comestível, ainda não documentadas ou mesmo descobertas.
Para fome e para saúde
Em seu livro ”Plantas Alimentícias Não Convencionais no Brasil”, Kinupp apresenta um panorama abrangente, listando muitas dessas plantas e explicando suas propriedades, desmistificando a ideia de que são apenas “ervas-daninhas”.
Entre as PANCs mais conhecidas estão plantas e ervas usadas para tempero ou infusões, como a ora-pro-nóbis, beldroega, erva-de-santa-luzia e capuchinha. A sigla também se aplica a folhas e flores de alimentos já conhecidos, dos quais geralmente se consume apenas uma parte – como as folhas de vegetais e raízes da batata-doce, beterraba, cenoura, rabanete e mandioquinha.
Algumas espécies ainda desempenham um papel relevante na culinária regional. Um exemplo é o jambu, essencial no preparo do tacacá, prato típico da culinária amazônica que ganhou destaque recentemente em redes sociais como o TikTok, impulsionado pela música viral “Voando pro Pará” da Joelma.
Escassez de informação e falta de contato generalizado com as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) podem ser os obstáculos para que essas espécies tenham seu potencial reconhecido e explorado. Uma pesquisa publicada no Brazilian Journal of Development revelou que 82% dos participantes afirmaram nunca ter experimentado alguma PANC. Quando questionados sobre a disposição para consumir o Trevo Azedinho, por exemplo, 37% responderam afirmativamente, 33% indicaram indecisão e 30% afirmaram que não o fariam. No caso do dente-de-leão, 21% estariam dispostos a experimentá-lo, 27% não o fariam e 52% expressaram que talvez consumiriam.
Como conclusão, os pesquisadores perceberam que há um interesse sobre as PANC. Para eles, a disseminação desse conhecimento, a promoção de uma relação mais próxima entre as pessoas e essa vasta diversidade de vegetais podem ser alguns dos passos para minimizar a insegurança alimentar.
A rúcula já alcançou essa conquista. Antes vista como erva-daninha, ostenta hoje o status de cultura agronômica.
A resposta pode estar no quintal de casa
A ONU definiu 17 objetivos como parte da agenda para 2030, incluindo a meta de Fome Zero e Agricultura Sustentável. O objetivo é “acabar com a fome até 2030 e garantir o acesso de todas as pessoas, especialmente os pobres e aqueles em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano”.
Considerando as estimativas da FAO, de que até 2050 a população mundial alcançará a marca de dez bilhões de pessoas, os sistemas alimentares terão a necessidade premente de se adaptarem para suprir essa crescente demanda.
No contexto brasileiro, ainda não há uma estrutura adequada nem para lidar com eventos como desastres climáticos, aumento das temperaturas e geadas, que resultam na redução da produção agrícola em larga escala. De acordo com Kinupp, a falta de preparação do país estende-se não apenas a catástrofes climáticas, mas também a desastres naturais em geral.
“Vários estudos internacionais vêm mostrando que as plantas regionais, as ditas plantas “daninhas”, as plantas espontâneas, são muito mais adaptadas [até por rotas metabólicas e fisiológicas diferentes] ao aumento do gás carbônico e da temperatura no ar, em comparação com as commodities agrícolas. Não estamos preparados para catástrofes e desastres ambientais porque as pessoas não sabem mais o que comer do seu quintal”, declarou ele em entrevista para o Coletivo Catarse.
Kinupp defende a inclusão de informações sobre as PANC no currículo escolar. “As crianças deveriam aprender desde cedo nas escolas que existem milhares de plantas que podemos comer. Isso deve ser rotineiro, para que as pessoas deixem de encarar como comportamento de pobre que está passando por carência ou comida para porco”, disse.
Geração de renda e sustentabilidade para comunidades carentes
A disseminação do uso e da incorporação de práticas alimentares que incluam as plantas não convencionais pode não apenas trazer benefícios nutricionais, mas também impulsionar atividades remuneradas na produção e comercialização desses alimentos, apoiando comunidades carentes.
Essas plantas destacam-se por sua facilidade de cultivo e resistência a condições adversas do ambiente. Isso significa que podem ser cultivadas em solos menos férteis, como no semiárido, que compreende 12% do território nacional e abriga aproximadamente 28 milhões de habitantes, segundo artigo publicado no portal da GEPEA, gerenciado pela Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp.
Por isso, a prática do cultivo de hortaliças não-convencionais por agricultores familiares e urbanos poderia contribuir para enriquecer a dieta alimentar local, diversificar a produção agrícola e ser uma oportunidade de renda para as famílias envolvidas. Portanto, para além da segurança alimentar, redescobrir as PANCs é um ato de re-conexão capaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável das comunidades agrícolas, promovendo uma produção mais resiliente e economicamente viável.
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