Paris sem carros: como a cidade está redesenhando suas ruas

Desde 2014, a cidade transformou bulevares congestionados em espaços para pedestres e ciclistas, reduziu em mais de 50% poluentes atmosféricos

Por Nathalia Ribeiro em 16 de julho de 2025 6 minutos de leitura

Paris sem carros
Foto: Karina Bostanika/ Shutterstock

Há apenas uma década, as ruas de Paris estavam constantemente congestionadas e encobertas por uma névoa de poluição. Uma Paris sem carros era inimaginável. Hoje, no entanto, a paisagem urbana é outra: ciclistas ocupam bulevares antes dominados por veículos, o ar está mais limpo e o espaço urbano vem sendo redesenhado para atender às pessoas e não aos carros.

Essa transformação não aconteceu por acaso. Desde 2014, sob a liderança da prefeita Anne Hidalgo, a cidade vem adotando uma série de medidas para reduzir o uso de automóveis e promover uma mobilidade mais sustentável.

Mais de 100 ruas foram fechadas para veículos motorizados, dezenas de milhares de vagas de estacionamento deram lugar a árvores e áreas de convivência, além de quilômetros de ciclovias criadas, tecendo o caminho para uma Paris sem carros.

Leia também: Cidades sem carros: o futuro que já começou

Paris sem carros e sem poluição

Paris sem carros
Foto: Kiev.Victor/ Shutterstock

Desde 2005, Paris tem registrado uma redução nos níveis de poluição atmosférica, resultado de uma estratégia urbana focada em mobilidade sustentável e restrição ao uso de veículos motorizados particulares. Dados da Airparif, órgão independente responsável pela qualidade do ar na Île-de-France, indicam que a concentração de partículas finas (PM2,5) caiu 55%, enquanto os níveis de dióxido de nitrogênio (NO₂), poluente diretamente associado ao tráfego de veículos a diesel, diminuíram 50%. 

Leia também: Mobilidade urbana sustentável: O desafio das cidades brasileiras

Esses avanços refletem uma tendência estratégica de longo prazo. A partir de 2015, Paris passou a restringir o acesso ao centro de veículos movidos a diesel fabricados antes de 2006 e, mais recentemente, expandiu as Zonas de Baixas Emissões (ZFE) para abranger toda a metrópole. A medida seguiu o exemplo de outras grandes cidades como Londres (com sua Ultra Low Emission Zone) e Berlim, em uma ação coordenada de governos locais diante da inação percebida de políticas nacionais em relação às crises ambiental e climática.

Essa transformação vai além de uma simples melhoria estética ou ambiental. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a exposição prolongada ao NO₂ e às PM2,5 está diretamente relacionada a doenças cardiovasculares, respiratórias e até neurológicas. No mesmo sentido, um estudo publicado no British Journal of Cancer revelou que a exposição crônica ao PM2,5 está fortemente correlacionada com o aumento da mortalidade por câncer de pulmão e ao AVC. 

Já o estudo da Paris School of Economics analisou a relação entre o tráfego rodoviário e a poluição do ar na cidade. Utilizando dados de sensores distribuídos por Paris, os pesquisadores identificaram uma correlação positiva entre o aumento do fluxo de veículos e os níveis de poluentes atmosféricos, especificamente NO₂ e PM10. A análise econométrica permitiu isolar o impacto do tráfego sobre a poluição, considerando variáveis como condições climáticas. Os resultados indicam que a redução do tráfego, como promovida pela ZTL, contribui significativamente para a melhoria da qualidade do ar.

Além disso, um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health avaliou o impacto da poluição do ar na mortalidade prematura em Paris. A pesquisa estimou que reduções nos níveis de NO₂, PM10 e PM2.5 poderiam prevenir milhares de mortes prematuras, destacando os benefícios à saúde pública decorrentes de políticas de redução de emissões veiculares. As estimativas da Santé Publique France corroboram com o levantamento. Segundo a instituição, cerca de 7 mil mortes prematuras anuais poderiam ser evitadas com níveis mais baixos de poluentes atmosféricos na região metropolitana de Paris. A diminuição observada na última década já tem mostrado efeitos mensuráveis, com quedas na incidência de crises asmáticas e internações hospitalares em áreas com maiores restrições ao tráfego veicular.

Além dos benefícios diretos à saúde, há impactos indiretos, como a valorização imobiliária em bairros com melhor qualidade do ar, a reativação econômica do comércio de rua em zonas com menos tráfego e o fortalecimento de formas de mobilidade ativa, como caminhar e pedalar. Segundo o Observatoire Régional de Santé Île-de-France, essas transformações urbanas promovem também maior equidade socioambiental ao permitir que populações mais vulneráveis, tradicionalmente expostas a níveis mais altos de poluição, tenham acesso a espaços urbanos mais saudáveis e seguros.

Em relação à poluição sonora, um estudo publicado na National Library of Medicine analisou a variabilidade espaço-temporal dos níveis de ruído no 13º arrondissement de Paris durante os horários de pico. Os resultados mostraram uma redução significativa nos níveis de ruído durante os períodos de menor tráfego.

Paris sem carros, mas sobre duas rodas

Foto: Oliverouge/ Shutterstock

Nos últimos anos, a cidade implementou políticas para promover o uso da bicicleta como meio de transporte principal, resultando em mudanças na infraestrutura urbana, no comportamento dos cidadãos e na dinâmica do tráfego. 

Em 2021, a prefeitura de Paris lançou o Plan Vélo: Act 2, um plano de investimento de €250 milhões com o objetivo de tornar a cidade totalmente “ciclável” até 2026. Esse plano inclui a adição de 180 quilômetros de ciclovias, a criação de estacionamentos seguros para bicicletas e a implementação de medidas para garantir a segurança dos ciclistas. Desde 2020, mais de 1,3 mil quilômetros de ciclovias foram adicionados às ruas parisienses, facilitando o deslocamento de ciclistas por toda a cidade.

O sistema de compartilhamento de bicicletas Vélib’ Métropole desempenha um papel importante na promoção do ciclismo em Paris. Com quase 20 mil bicicletas disponíveis, incluindo modelos elétricos, e mais de 1,4 mil estações de aluguel distribuídas pela cidade, o Vélib’ tornou-se um dos maiores sistemas de compartilhamento de bicicletas do mundo. Entre 2019 e 2022, o uso do Vélib’ aumentou em 30%, refletindo a crescente popularidade do ciclismo entre os parisienses. Segundo a pesquisa do Institut Paris Région, 11,2% dos parisienses utilizam a bicicleta para deslocamentos, enquanto apenas 4,3% usam o carro. Pela primeira vez, a bicicleta superou o carro como meio de transporte na cidade.

Paris restringe carros no centro histórico

Foto: HJBC/ Shutterstock

Em novembro de 2024, Paris implementou sua primeira Zona de Tráfego Limitado (ZTL) nos quatro primeiros arrondissements, abrangendo áreas emblemáticas como o Louvre, o Marais e a Bastilha. Essa iniciativa visa restringir o tráfego de veículos motorizados sem justificativa válida, promovendo um ambiente urbano mais saudável e sustentável.

A ZTL foi concebida para reduzir significativamente o tráfego de passagem, que representava até 50% dos 350 mil a 500 mil veículos que circulavam diariamente no centro de Paris. A expectativa é de uma redução de até 30% no volume de tráfego em vias principais, como a Avenue de l’Opéra, e 15% no Boulevard de Sébastopol. 

Nos primeiros meses após a implementação, a cidade adotou uma abordagem educativa, com sinalização específica e distribuição de folhetos informativos aos motoristas. A fiscalização efetiva, incluindo a aplicação de multas de até 135 euros, foi programada para iniciar após esse período de adaptação.

Paris mais verde

Foto: Lena Ivanova/ Shutterstock

Quando se fala em qualidade de vida urbana, as áreas verdes são essenciais. A cidade de Paris estabeleceu a meta de remover 60 mil vagas de estacionamento até 2030, substituindo essas áreas por espaços verdes, como árvores, jardins e áreas de lazer. Essa iniciativa faz parte de um plano mais amplo para adaptar a cidade às mudanças climáticas e melhorar a qualidade do ar. 

Em algumas ruas, as vagas de estacionamento foram transformadas em pequenos parques, proporcionando áreas de descanso e convivência para os moradores. O vice-prefeito Christophe Najdovski, responsável pela estratégia de biodiversidade da cidade, destacou à imprensa que essas mudanças visam tornar Paris mais resiliente e habitável diante dos desafios ambientais.

Em março de 2025, os parisienses aprovaram, por meio de referendo, uma proposta para transformar 500 ruas em áreas exclusivas para pedestres e ciclistas, substituindo o asfalto por vegetação. A proposta, apoiada por 66% dos votantes, faz parte da visão da prefeita Anne Hidalgo de criar uma “cidade de 15 minutos“, onde os residentes possam acessar serviços essenciais a pé ou de bicicleta. A implementação dessa iniciativa está prevista para ocorrer nos próximos três anos, com a introdução de 5 a 8 ruas sem carros em cada um dos 20 distritos de Paris.

Mesmo com benefícios, essas mudanças também enfrentam desafios, como a necessidade de manutenção adequada das novas áreas verdes e a garantia de que todos os bairros sejam igualmente beneficiados pelas transformações. Críticos ouvidos pelo The Washington Post argumentam que a implementação de ruas exclusivas para pedestres pode afetar a mobilidade de moradores dos subúrbios e que é essencial assegurar que as mudanças não levem à gentrificação ou à exclusão social.

Tags
Visão geral da privacidade

O Habitability coleta dados pessoais fornecidos por você e, também, automaticamente, a partir das suas atividades de navegação.

Por padrão, as informações que você nos fornece, incluindo, eventualmente, dados que permitem a sua identificação, como acontece se você optar por receber nossa newsletter, não são conectadas às informações de navegação.  Sendo assim, garantimos a você que não fazemos rastreamento individual de atividades.