Placemaking: a comunidade no centro da revitalização de espaços públicos

O placemaking revitaliza espaços públicos e promove a participação cidadã para fortalecer comunidades e criar cidades mais acolhedoras.

Por Redação em 21 de agosto de 2023 7 minutos de leitura

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A saúde, economia e bem-estar dos cidadãos são diretamente influenciados pelo ambiente em que vivem. No entanto, a falta de participação da comunidade resulta em uma desconexão entre a realidade urbana e as expectativas, levando ao baixo desempenho dos espaços públicos e ao aumento da insegurança. O poder público nem sempre responde prontamente aos problemas da cidade, tornando essencial a ação conjunta de outros atores urbanos. É nesse cenário que o placemaking (criação de lugares, em tradução livre) desempenha um papel crucial ao transformar espaços e destacar a relevância da participação cidadã nesse processo.

Essa estratégia colaborativa busca reavivar o encanto dos lugares cotidianos, como parques, centros urbanos, beira-mar, praças, bairros, ruas, mercados e prédios públicos. Mas, especialmente, busca captar os anseios e desejos da comunidade local para criar uma visão compartilhada do ambiente, permitindo mudanças ágeis que beneficiem tanto o espaço público quanto as pessoas que o utilizam. Com o placemaking, as cidades ganham nova vida, transformando-se em espaços mais aconchegantes e acolhedores para todos.

Origem do placemaking

Há mais de 40 anos, a organização internacional sem fins lucrativos Project for Public Spaces (PPS) vem se destacando na promoção global do placemaking, trabalhando para auxiliar pessoas na criação e manutenção de espaços públicos que impulsionem comunidades fortes. Através de uma visão coletiva poderosa, a PPS tem se empenhado em mostrar como espaços bem planejados podem transformar e fortalecer o convívio urbano.

Embora o termo placemaking tenha ganhado popularidade nos anos 1990, suas raízes remontam aos anos 1960, quando pensadores como Jane Jacobs, William Whyte e Jan Gehl introduziram ideias sobre o planejamento urbano centrado nas pessoas. O trio rompeu com a concepção tradicional de cidades voltadas exclusivamente para carros e centros comerciais, destacando a importância de espaços públicos que priorizem o bem-estar e a interação social. 

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Jane Jacobs destacava a importância das ruas movimentadas por pessoas, enfatizando que elas promoviam a segurança ao observar o uso dos espaços e zelar por sua proteção. Já William Whyte identificou elementos cruciais para tornar um espaço público verdadeiramente acolhedor e vivo, estimulando a convivência entre as pessoas. Por sua vez, Jan Gehl prega uma abordagem em que a arquitetura e o urbanismo sejam centrados nas pessoas, priorizando os espaços e, por fim, os edifícios.

Esses pensadores pioneiros contribuíram para moldar o conceito de placemaking, que hoje é uma poderosa ferramenta para construir comunidades mais vibrantes, conectadas e humanizadas, ou seja, um recurso para as pessoas imaginarem e reinventarem coletivamente os espaços públicos como o coração de cada comunidade. 

Ao fortalecer a conexão entre as pessoas e os lugares que compartilham, o placemaking se refere a um processo colaborativo no qual é possível moldar o espaço público com o objetivo de maximizar o valor compartilhado. Mais do que apenas promover um melhor design urbano, o placemaking facilita padrões criativos de uso, com atenção especial às identidades físicas, culturais e sociais que definem um lugar e apoiam sua evolução contínua.

Espaços públicos, o coração das cidades inclusivas e produtivas

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Construir cidades inclusivas, saudáveis, funcionais e produtivas é um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade atualmente. Embora não existam soluções fáceis, uma peça fundamental desse quebra-cabeça encontra-se no coração das áreas urbanas em todo o mundo: os espaços públicos.

“O que define o caráter de uma cidade é seu espaço público, não seu espaço privado. O valor dos ativos privados desse espaço não está nos ativos em si, mas nos ativos comuns. O valor do bem público afeta o valor do bem privado. Precisamos mostrar todos os dias que os espaços públicos são um ativo para uma cidade”, afirmou Joan Clos i Matheu, diretor Executivo da ONU-Habitat entre 2010 e 2017, em carta de abertura do e-book “Placemaking e o Futuro das Cidades”.

Toda comunidade tem espaços públicos, alguns mais evidentes, como parques e praças, enquanto outros podem ser ignorados, como becos e escadarias. Esses espaços muitas vezes são subutilizados, mas podem ser valiosos para a comunidade. Por pertencerem a todos, são erroneamente considerados de ninguém. No entanto, ao serem reivindicados, cuidados e desenvolvidos, eles podem fortalecer e enriquecer significativamente as comunidades.

De acordo com a arquiteta e urbanista Simone Gatti, a qualidade de vida de uma cidade sempre será avaliada pela vida coletiva expressa em seus espaços públicos, democraticamente distribuídos por toda a cidade – seja em parques, praças, praias ou até mesmo nas ruas. Esses espaços são locais de lazer, descanso, conversas informais, livre circulação, interações sociais e, principalmente, a possibilidade de encontros com outras pessoas.

Princípios que constroem cidades bem sucedidas

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Foto: Freepik

Conforme ressaltado por Eduarda Ritzmann, especialista em paisagismo e autora de um estudo sobre métodos para uma cidade mais sustentável, conceber um espaço público eficiente requer a consideração de vários fatores. É essencial conhecer a cidade, compreender as necessidades dos usuários e da região, além de garantir uma conexão adequada com o entorno. Ou seja, a integração harmoniosa com diversos usos adjacentes, como serviços, comércios, lazer, atrações culturais e residências, desempenha um papel fundamental. 

Os apontamentos de Ritzmann estão alinhados com os quatro princípios fundamentais para o sucesso dos espaços públicos e o desenvolvimento urbano, identificados pelo PPS e pela ONU-Habitat no e-book “Placemaking e o Futuro das Cidades”:

  • 1. Acessibilidade
    O primeiro princípio é a acessibilidade, que engloba a facilidade de acesso ao local e suas conexões com o entorno, tornando os espaços públicos acolhedores, visíveis e de fácil localização para todos os usuários. 
  • 2. Conforto
    O segundo se baseia no conforto e na imagem do espaço, onde a percepção de segurança, limpeza e a disponibilidade de assentos confortáveis desempenham um papel importante na experiência dos visitantes e usuários.
  • 3. Sociabilidade
    O terceiro ponto enfatiza a sociabilidade e a importância de promover espaços que incentivam o encontro entre amigos e vizinhos, fortalecendo o senso de comunidade e apego ao local. 
  • 4. Engajamento
    Por fim, o quarto elemento-chave é o engajamento em atividades sociais, que estimula uma conexão mais profunda das pessoas com o espaço e promove o desejo de retornar com frequência. Neste contexto, os espaços públicos saudáveis são o ponto de partida para revitalizar comunidades, independentemente de quem elas sejam ou onde estejam localizadas. Cada vez mais, reconhece-se que um espaço público atrativo, ativo e bem estruturado pode impulsionar os desenvolvimentos econômico e social de uma comunidade – seja ela uma pequena cidade rural ou uma grande metrópole.

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Engajamento comunitário e co-criação

Quando se trata de melhorar os espaços públicos, nada supera o conhecimento e a compreensão das pessoas locais. De acordo com o Project for Public Spaces, o ponto de partida crucial para qualquer projeto de desenvolvimento de espaço público é identificar os talentos e recursos dentro da comunidade, indivíduos que trazem perspectivas históricas, insights sobre o funcionamento da região e uma compreensão genuína do que é significativo para os residentes locais. Ao explorar e aproveitar essas informações desde o início, cria-se um senso de propriedade no projeto, que pode ser a chave para o seu sucesso ao longo dos anos.

Parcerias são fundamentais para dar vida a um projeto de melhoria de espaço público. Instituições locais, museus, escolas e grupos de vizinhança formais e informais emergem como aliados valiosos. A importância de envolvê-los desde o início até o fim não pode ser subestimada. Eles se tornam o impulso inicial do projeto e seu pilar de sustentação.

No Brasil, um exemplo notável dessa união de forças é o Corredor Gastronômico e Cultural José Antônio, que foi implantado na região central de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Esse projeto envolveu o alargamento das esquinas nos cruzamentos e das calçadas para criar espaços conhecidos como “bolsões de permanência”. Prefeitura, moradores e comerciantes da região participaram ativamente, trazendo mobiliários, bancos, lixeiros, placas de sinalização, parklets, vegetação e outros elementos para tornar o espaço mais agradável e convidativo.

De forma similar, a cidade de São Paulo lançou o projeto “Ocupa Rua” no centro, também contando com a colaboração de diversos atores urbanos. Esse projeto visa a instalação de canteiros de plantas, mesas e cadeiras em áreas públicas, permitindo que as pessoas possam confraternizar ao ar livre. Iniciativas assim mostram como o placemaking promove o engajamento da comunidade local e do setor privado para tornar as cidades mais acolhedoras e agradáveis em tempos desafiadores de crescimento desenfreado dos centros urbanos.

Placemaking na prática

Em Medellín, na Colômbia, foi construído o Metrocable, um sistema de teleférico que integra as áreas formais e informais da cidade. Esse projeto melhorou a vida nas ruas, contribuiu para a coesão social e reduziu a violência em bairros antes dominados por gangues. Além disso, o acesso rápido ao sistema de metrô principal trouxe benefícios para os moradores das colinas, antes marginalizados, e permitiu que pessoas da cidade formal também se sintam seguras ao visitar essas áreas.

O projeto também incluiu melhorias nos bairros, como praças animadas, parques, campos esportivos e escolas novas ou reformadas. O processo contou com a colaboração dos moradores locais, que se tornaram co-projetistas em conjunto com os planejadores da cidade. 

Projeto SubCentro Las Condes (Foto: Reprodução/SubCentro)

Já em Santiago, no Chile, o projeto SubCentro Las Condes transformou um espaço antes pouco convidativo em uma próspera área pública. Localizado em um bairro importante, as galerias e praças da região foram revitalizadas através de uma parceria entre a Urban Development, governo da cidade, metrô e comunidade local. O projeto incluiu mudanças no design para aumentar a segurança e atratividade, resultando em um ambiente que se assemelha a um mercado antigo, misturando espaços interiores e exteriores. Desde sua inauguração em 2008, o SubCentro Las Condes tem mantido a comunidade envolvida com criativas estratégias de divulgação. Essa iniciativa se destaca como um modelo de parceria público-privada bem-sucedida que redefiniu a criatividade em espaços públicos.

Enquanto isso, em Brno, na República Tcheca, a histórica fábrica Vankovka foi salva da demolição e transformada em um bem-sucedido centro comercial e espaço de eventos após a criação de uma visão comunitária. O espaço flexível e a arquitetura impressionante da fábrica foram aproveitados para criar uma atração popular na cidade.

Outra iniciativa interessante é o projeto do Mercado de Medicina Tradicional e Ervas em Warwick Junction, na África do Sul, que passou por uma transformação. Antes precário e perigoso, o mercado foi redesenhado com base nas necessidades dos vendedores. Foram criadas barracas fechadas, espaços de armazenamento, e as rotas de pedestres foram ampliadas. Com essas melhorias, o mercado prosperou economicamente, tornou-se mais seguro e proporcionou mais oportunidades de emprego e empreendedorismo.

Projetos em diferentes partes do mundo demonstram como a abordagem colaborativa, o respeito à identidade local e o foco nas necessidades da comunidade podem produzir resultados notáveis na revitalização urbana e na criação de espaços públicos significativos.