Sem recuar! Singapura avança na preservação costeira

Enquanto o aumento do nível do mar ameaça cidades globalmente, Singapura se destaca ao investir em estratégias de preservação costeira.

Por Redação em 26 de janeiro de 2024 6 minutos de leitura

preservacao costeira

Enquanto a maioria dos países costeiros enfrenta a perda de território devido à erosão agravada por eventos climáticos extremos e ao aumento do nível do mar, Singapura destaca-se por uma narrativa oposta. Popularmente chamada de “Cidade do Leão”, o território está expandindo suas fronteiras e investindo na preservação costeira. Localizada no Sudeste Asiático, esta cidade-Estado possui uma área relativamente pequena, abrangendo cerca de 618 km², situada na maior ilha da península da Malásia, entre a Tailândia e a Indonésia.

Renomada por seu desenvolvimento econômico, por dar origem a uma série de milionários, Singapura também se destaca como um caso singular ao conseguir aumentar seu território através do acúmulo de areia no seu litoral. Embora possa parecer paradoxal à primeira vista, essa afirmação reflete as estratégias bem-sucedidas adotadas para combater o aumento do nível do mar.

Atualmente, Singapura está prestes a equiparar-se em extensão à soma dos cinco distritos da cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Além disso, tem planos ambiciosos de expandir ainda mais, visando um aumento de 4% em sua área até 2030.

Preservação costeira diante das mudanças climáticas

Segundo informações da Bloomberg, desde a conquista de sua independência, Singapura se encontra em uma contínua batalha para expandir seu território, enfrentando desafios centímetro a centímetro. Ao longo desse período, cresceu um quarto em sua extensão territorial, alcançando mais que o dobro do tamanho de Manhattan. 

Ho Chai Teck, vice-diretor da PUB, a agência governamental encarregada de coordenar os esforços para preservar a costa de Singapura, enfatiza a determinação do país em não perder nenhum centímetro de terra. “Singapura construirá uma linha contínua de defesa ao longo de toda a nossa costa. Isso é algo que levamos muito a sério”, disse em entrevista a Bloomberg.

A vulnerabilidade de Singapura diante do aumento do nível do mar se evidencia pelo fato de que, aproximadamente, um terço de seu território está situado a menos de 5 metros acima do nível do mar, uma altitude propensa a inundações que podem acarretar perdas financeiras. 

Essa situação afeta diretamente propriedades de alto valor, já que os arranha-céus mais prestigiados da região estão situados na orla marítima de Marina Bay, reconhecida por seu luxuoso shopping center e cassino. Além disso, torres que abrigam instituições financeiras de grande porte, como o DBS Group Holdings Ltd., o maior do Sudeste Asiático, e o Standard Chartered Plc, do Reino Unido, encontram-se em áreas vulneráveis.

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Em um cenário de aumento de temperatura de 1,5°C, estimativas da Bloomberg, baseadas em dados da empresa imobiliária CBRE Group Inc., indicam que imóveis premium na cidade, avaliados em 70 bilhões de dólares de Singapura (US$ 50 bilhões), enfrentam um elevado risco de inundação. A Ilha de Jurong, onde gigantes como a Shell Plc e a Exxon Mobil Corp. conduzem operações petrolíferas e petroquímicas, são uma das regiões especialmente suscetíveis a esses impactos ambientais. 

Em 2019, o primeiro-ministro Lee Hsien Loong enfatizou a necessidade da cidade-estado investir 100 bilhões de dólares nos próximos 100 anos para enfrentar os desafios da elevação do nível do mar. Desde essa declaração, o governo já alocou 5 bilhões de dólares para um fundo dedicado à preservação costeira e prevenção de inundações.

O primeiro-ministro destacou, ainda, a importância crítica desses investimentos, considerando a necessidade de defesas robustas contra as mudanças climáticas. Para ele, tratam-se de questões de caráter existencial, envolvendo a sobrevivência da nação insular, e, como tal, todos os esforços devem ser redobrados para garantir a preservação da existência do país.

Singapura reforça suas defesas

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Uma das estratégias adotadas por Singapura para enfrentar os desafios do aumento do nível do mar é a implementação da Marina Barrage, uma barragem que auxilia na gestão das águas costeiras. Internamente, sete bombas gigantes são empregadas para drenar o excesso de água em direção ao mar durante períodos de maré alta e chuvas intensas. Atualmente, aproximadamente 70% da costa de Singapura já contam com barreiras construídas pelo homem. Entretanto, diante do cenário de aumento das tempestades tropicais e da elevação contínua do nível do mar, há a necessidade de reforçar e aprimorar essas defesas costeiras.

Em um esforço conjunto, além das iniciativas governamentais, empresas privadas também estão arregaçando as mangas, como a City Developments Ltd., empresa imobiliária que instalou barreiras e sensores de nível de água em locais estratégicos, como o hotel St. Regis Singapore, o shopping Palais Renaissance e o arranha-céu Republic Plaza

Ajuda da natureza

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Apenas engenharia e proteções fabricadas não serão eficientes para garantir uma proteção eficaz das linhas costeiras. A resposta pode residir na própria natureza: os manguezais. De acordo com o Atlas dos Manguezais do Brasil, lançado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a presença desses sistemas pode reduzir a vulnerabilidade da zona costeira à ocorrência de tempestades, inundações e eventos climáticos extremos me geral, além de promover a retenção de sedimentos que contribui para compensar parcialmente a elevação do nível do mar e reduzir a vulnerabilidade a processos erosivos. As florestas de mangue ainda têm a capacidade de capturar até quatro vezes mais carbono do que as florestas tropicais, contribuindo significativamente para a mitigação das mudanças climáticas.

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Singapura, consciente da importância dos manguezais para o seu litoral, mantém uma estreita parceria com universidades especializadas na pesquisa dessas questões, como evidenciado no artigo “Mangroves, a crown jewel of Singapore’s coastline (Manguezais, joia da coroa do litoral, em tradução livre), da Universidade Nacional de Singapura. Este trabalho destaca as iniciativas conjuntas entre Singapura e as instituições de pesquisa para compreender e abordar desafios relacionados à proteção costeira.

No entanto, os manguezais por si só também não são suficientes para resolver o problema. Singapura está considerando a utilização de árvores em conjunto com outras barreiras, como revestimentos feitos de pedra ou concreto. Essa abordagem está sendo testada no Parque Natural Costeiro de Kanji, próximo à reserva de zonas úmidas, e na ilha Pulau Hantu, na costa sul do país. O objetivo é avaliar a eficácia dessa combinação para reforçar a proteção costeira e enfrentar os desafios decorrentes das mudanças ambientais.

Preservação costeira no Brasil

Segundo o relatório Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas, divulgado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), indica que 18 das 42 regiões metropolitanas brasileiras se encontram na zona costeira ou sofrem influência dela. 

Conforme indicado por um estudo divulgado pela ONU, a cidade de Santos, no litoral paulista, enfrenta o risco de ver parte de sua área próxima à costa submersa até o ano de 2050. O Rio de Janeiro também é mencionado como uma região suscetível, conforme revela a pesquisa.

Foto: Carlos Nogueira/Prefeitura Municipal de Santos/Arquivo

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Ao enfrentar de maneira proativa os impactos adversos das mudanças climáticas, investindo na preservação costeira, Singapura pode oferecer insights para as terras tupiniquins. O próprio relatório do PBMC propõe algumas medidas para as cidades brasileiras que se assemelham às ações de Singapura, tais como a implementação de barreiras contra o aumento do nível do mar e a preservação dos ecossistemas costeiros. 

O mangue, em particular, é destacado no documento como elemento crucial como barreira natural. Vale lembrar que o Brasil tem a segunda maior área de cobertura de mangue do mundo e a maior floresta contínua de mangue do planeta, segundo a ONU. Porém, estima-se que 25% dos manguezais brasileiros já tenham sido destruídos desde o começo do século passado.

O relatório ainda destaca de forma positiva a instalação do reservatório subterrâneo na Praça da Bandeira, no centro do Rio de Janeiro, que celebra 10 anos de operação. Essa área enfrentou, ao longo dos anos, problemas frequentes de inundações e alagamentos. A criação desse reservatório é vista como uma medida eficaz de adaptação, mostrando resultados concretos ao evitar novas enchentes.

Reservatório da Praça da Bandeira (Foto: Marcelo Piu/Prefeitura do Rio)

No final das contas, trata-se de uma sinergia entre escolhas políticas, avanços científicos e investimentos oportunos. Singapura tomou a dianteira nesse processo e, atualmente, é um exemplo para o Brasil e outros países ao mostrar como as cidades podem assegurar a sustentabilidade e o futuro diante das mudanças climáticas.

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