Projeto MOSE: a estratégia de Veneza contra inundações

Entre o simples e o complexo, Projeto MOSE é a resposta de Veneza às inundações, que se destaca pelo planejamento e visão de longo prazo.

Por Redação em 2 de fevereiro de 2024 5 minutos de leitura

projeto mose
Foto: Reprodução/MOSE Venezia

Parece contraditório, mas a resposta de Veneza às crescentes inundações é uma solução que mistura complexidade e simplicidade, mas com muito planejamento, visão de longo prazo e mãos à obra: o projeto MOSE, um sistema de barreiras projetado para proteger o município flutuante contra futuras inundações.

Com previsão de conclusão em 2025, ele teve início há mais de 10 anos, em 2003, e segue na pauta ativa do município, independentemente da gestão pública. Em 2020 foi realizado o primeiro teste completo. Apesar de alguns contratempos, ele foi considerado bem-sucedido. O sistema de barreiras antienchentes de Veneza foi considerado eficaz, pois impediu que a “acqua alta” provocasse danos mais graves para o município italiano. 

De acordo com as estatísticas municipais, atualmente, o alerta “laranja” da prefeitura, acionado quando o nível de inundação ultrapassa os 110 centímetros, é emitido quatro vezes mais frequentemente do que há quatro décadas. Diante das evidências do aumento da frequência e gravidades das inundações na cidade, como mostrou um estudo da revista Nature Climate Atmospheric Science, o projeto é um exemplo de resiliência proativa na prática. Longe de contemplar inovações disruptivas, trata-se de um projeto de engenharia que se destaca pela grandiosidade.

Projeto MOSE, o divisor de águas

projeto moose

Ao longo de mais de cinco décadas, diversos planos foram concebidos na tentativa de preservar Veneza. Algumas propostas incluíam novas bases de concreto, enquanto outras visavam elevar a cidade por meio de bombas instaladas no subsolo. Mas foi o Projeto MOSE a ideia considerada mais viável. 

Trata-se de uma extensa barragem composta por comportas metálicas destinadas à proteção contra inundações. Dezenas de barreiras móveis, cada uma com até trinta metros de comprimento e pesando até 300 toneladas, estão estrategicamente posicionadas nas três aberturas que conectam a Lagoa de Veneza ao Mar Adriático. 

As estruturas do MOSE estão posicionadas no leito marítimo, sustentadas por uma base de concreto e túneis de manutenção. Inicialmente, encontram-se na posição horizontal e preenchidas com água. Com a elevação das marés, ocorre o esvaziamento dessas estruturas, ocasionando sua ascensão à superfície e a transição para a posição vertical, atuando como uma barreira física contra as águas. Todo esse processo é controlado por um software e sistema de controle eletrônico. 

O aguardado teste de eficácia ocorreu em outubro de 2020, quando uma considerável maré de inverno ameaçou Veneza. Em situações normais, uma elevação de 135 centímetros já seria suficiente para inundar metade da cidade, mas, pela primeira vez em condições climáticas adversas, as comportas do projeto foram acionadas, garantindo que a cidade permanecesse livre de inundações.

veneza italia

Assim como o personagem bíblico Moisés, os defensores do maior projeto de infraestrutura da Itália acreditam que, em algum momento, as comportas terão a capacidade de dividir o mar.

Projeto MOSE em Veneza: entre apoios e críticas

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Prefeito de Veneza Luigi Brugnaro

O atual prefeito de Veneza Luigi Brugnaro é um apoiador do projeto. Para ele, Veneza teria escapado das piores consequências da elevação do nível da água, que atingiu a marca de 187 centímetros acima da média, em 2010, a mais alta desde 1966, deixando dois mortos. 

Contudo, a iniciativa enfrenta críticas de ambientalistas, que alertam para o impacto negativo que as comportas podem ter no ecossistema da laguna de Veneza. Isso porque, com o fechamento dos portões, a troca natural de água é interrompida, resultando em uma queda acentuada nos níveis de oxigênio na água ao redor da cidade.

Em resposta a essas preocupações, defensores do projeto propõem a imposição de limites no número de fechamentos das comportas e na duração desses períodos. A operadora do Projeto MOSE, o Consorzio Venezia Nuova, assegura que as comportas demandam apenas algumas horas de fechamento durante intensas inundações. Contudo, o professor de engenharia hidráulica, Luigi D’Alpaos, alertou que, devido à constante elevação do nível do mar, a eficácia da barragem requereria semanas de fechamento.

Luta contínua também contra o afundamento

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Erguida sobre estacas de madeira fincadas em solo lamacento, a cidade também enfrenta um afundamento gradual. Desde 1897 houve um declínio de 25 centímetros. 

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Em 2017, a administração da cidade optou por um sistema de pequenas barragens, algumas móveis, equipadas com bombas, destinadas a manter secas áreas cruciais, como a Praça de São Marcos e a catedral – notáveis por seus mosaicos de piso – durante as cheias anuais normais. Contudo, o sistema não foi concluído.

A situação se agrava pelo aumento expressivo de navios de cruzeiro e o tráfego marítimo, que estão exercendo uma carga excessiva sobre a cidade e suas ilhas adjacentes. As ondas, geradas por esse movimento incessante, desgastam os pilares de madeira das residências à beira d’água.

A questão do assoreamento natural da laguna também se destaca como uma ameaça crescente. À medida que os sedimentos se acumulam, a profundidade da laguna diminui. O fenômeno intensifica a propensão para transbordamentos mais rápidos durante tempestades, exacerbando os riscos de inundações.

Cidades sob ameaça de inundações

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Não é apenas Veneza que enfrenta problemas com inundações e risco de afundar. Na Cidade do México, por exemplo, a taxa de afundamento atinge 35 centímetros por ano, o que implica em quase 1,5 metro a cada ciclo de quatro anos. As projeções para 2100 indicam que a cidade estará situada entre 20 a 30 metros abaixo de seu nível atual. 

Banhada pelo Mar de Java, cortada por 13 rios e construída sobre um pântano, Jacarta, na Indonésia, também se encontra em uma encruzilhada, perdendo 15 centímetros anualmente. Com base nessas projeções, especula-se que até 2050 a cidade pode estar em vias de desaparecer. Diante desse desafio, a Indonésia anunciou que irá transferir sua capital nacional para a província de Kalimantan Oriental, na ilha de Bornéu. 

Michael Szönyi, líder do Programa de Resiliência contra Inundações, sugere que o deslocamento de cidades, ou mesmo partes delas, pode representar uma opção viável. “No passado houve uma longa tradição de abandono devido a mudanças ambientais, como seca ou a perda de indústria. Talvez precisemos resgatar esta tradição”, disse em entrevista ao Zurich. 

Outras cidades estão direcionando investimentos para soluções que visam controlar a maré, adotando medidas que incluem a implementação de quebra-mares, barreiras contra maré de tempestade, bombas d’água e reservatórios.

Os Países Baixos são um exemplo de como estratégias inteligentes podem vencer os desafios das inundações. Mesmo com quase um terço do país situado abaixo do nível do mar, uma robusta rede de 3.700 km de diques, barragens e quebra-mares, incluindo a famosa Barreira de Maeslant, que protege a cidade delta de Rotterdam, oferece proteção.

Nos últimos vinte anos, os Países Baixos foram além, aprimorando sua infraestrutura com estratégias inovadoras de gestão da água. Isso engloba um planejamento do espaço que transforma parques urbanos e espaços públicos em reservatórios de emergência para inundações. 

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Além disso, uma abordagem pioneira chamada “Espaço para o Rio”, introduzida há mais de uma década, permitiu a expansão dos rios, lidando com o excesso de água. Isso envolveu a redução das várzeas, a ampliação dos rios e a construção de canais laterais, reforçando a defesa contra as ameaças das águas.