Racismo ambiental: o lado social dos desastres climáticos

O termo "racismo ambiental" ganha destaque, destacando a interligação entre desastres e preconceitos estruturais.

Por Redação em 12 de janeiro de 2024 4 minutos de leitura

racismo ambiental

Eventos climáticos extremos, como enchentes, deslizamentos e rompimentos de barragens têm atingido várias regiões do globo, revelando os desafios climáticos, mas também uma faceta social nem tão evidente: as pessoas mais impactadas por esses eventos geralmente pertencem a segmentos vulneráveis da população e, sobretudo, compartilham a mesma cor, caracterizando o chamado racismo ambiental. 

No Brasil, o termo ganhou notoriedade especialmente após o desastre de Mariana/MG, em 2015. Na ocasião, o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco resultou no despejo de resíduos na bacia do Rio Doce, causando devastação em uma cidade próxima e resultando na perda de pelo menos 19 vidas. Segundo dados levantados pelo UOL, 84,5% das vítimas imediatas desse desastre eram negras.

Essa relação se repetiu em 2019, em Brumadinho, também em Minas Gerais. Os dois bairros mais afetados pela avalanche de rejeitos eram predominantemente resididos por população negra. A relação entre os desastres ecológicos e as alterações climáticas a preconceitos, vieses e discriminações presentes nas estruturas sociais é o tema do livro Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil, lançado pelo Instituto de Referência Negra Peregum.

Desigualdades ambientais

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O racismo ambiental assume diversas facetas, evidenciando-se, por exemplo, na concentração de lixões e aterros sanitários nas proximidades de comunidades de baixa renda, predominantemente habitadas por pessoas negras e indígenas. Além disso, se manifesta na poluição do ar em bairros economicamente desfavorecidos e na ausência de acesso à água potável e saneamento básico em comunidades rurais e periféricas, entre outras situações.

Na década de 1970, o sociólogo Robert Bullard já destacava a existência do racismo ambiental por meio de um estudo que explorava a estruturação do conceito de injustiça ambiental. Seu trabalho evidenciou o impacto desproporcional dos danos ao meio ambiente sobre a população negra nos Estados Unidos. 

Ao conduzir pesquisas na cidade de Houston, no Texas, Bullard fez uma descoberta: dos 17 depósitos de resíduos industriais na cidade, pelo menos 14 estavam localizados em bairros habitados majoritariamente por pessoas negras, apesar de essa comunidade representar apenas 25% da população total de Houston. 

A análise dos resultados revelou de maneira sistemática que a infraestrutura prejudicial ao meio ambiente apresentava maior propensão para ser instalada em áreas habitadas por populações minoritárias. Desde o início, tanto Bullard quanto outros pesquisadores estavam convictos de que a situação observada em Houston não representava um caso isolado.

Racismo ambiental e suas múltiplas faces

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No Brasil, o impacto do racismo ambiental se faz sentir de maneira significativa nas populações que residem em favelas. Frequentemente estabelecidas em locais inadequados, como encostas de morros ou margens de rios, as comunidades estão expostas ao risco de inundações e deslizamentos de terra.

Conforme revelado por um estudo conduzido pelo Instituto Polis, intitulado “Racismo Ambiental e Justiça Socioambiental nas Cidades“, em São Paulo observou-se que, apesar de representarem apenas 33% da população paulista, 55% das pessoas que residem em regiões de maior vulnerabilidade são negras.

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Os resultados do estudo também revelaram que as mulheres negras e economicamente desfavorecidas são as mais impactadas por eventos de calamidades ambientais, como deslizamentos, enchentes e transbordos de esgoto sem tratamento.

Além da questão geográfica, o livro do Instituto Peregum ainda ressalta que a falta de acesso a serviços essenciais, como água potável e saneamento básico, intensifica os impactos negativos do racismo ambiental nessas áreas. O resultado é uma qualidade de vida inferior em comparação com residentes de áreas mais privilegiadas, afetando adversamente a saúde e o bem-estar da população das favelas.

O cenário do racismo ambiental também afeta comunidades indígenas e quilombolas. Esses grupos frequentemente ocupam áreas de grande valor ecológico, como florestas e reservas naturais, possuindo um profundo conhecimento desses ecossistemas. No entanto, a falta de influência sobre as políticas que regem seus territórios e a exclusão dos processos decisórios perpetuam as desigualdades, limitando a participação dessas comunidades na defesa de seus interesses e na preservação de seus modos de vida.

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Racismo ambiental e a busca por justiça 

O fenômeno do racismo ambiental e climático também tem sua correlação a questões políticas e humanitárias, revelando uma construção social que hierarquiza grupos, atribuindo maior relevância a uns em detrimento de outros, tanto no âmbito científico quanto nas políticas públicas. 

Em entrevista ao jornal da USP, o professor de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, Marcos Bernardino de Carvalho, destaca que, especialmente em países como o Brasil, não é mera coincidência que as populações negras sejam as mais impactadas pelos danos ambientais. A raiz desse fenômeno remonta ao passado colonial, onde estruturas sociais foram construídas com base na escravização de pessoas negras. Como resultado, essas populações foram invisibilizadas, o processo de alforria ocorreu sem reparação pelos danos da escravidão ou integração adequada dos libertos à sociedade.

De acordo com o livro Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e moradores de áreas periféricas não escolhem habitar locais considerados de risco; ao contrário, são muitas vezes compelidos e deslocados para essas regiões ou veem seus territórios serem transformados em áreas de perigo. 

Segundo a publicação, o espaço urbano foi e continua sendo moldado pela lógica capitalista. Este sistema cria estruturas e classes sociais nas quais alguns são mais privilegiados do que outros, uma vez que, em sua essência, possibilita a acumulação privada de capital concentrada nas mãos de poucas pessoas ou de uma determinada classe social. Essa dinâmica se materializa no espaço urbano por meio da espacialização de fenômenos e eventos sociais, resultando na produção de espaços segregados e fragmentados.

A obra evidencia que essa divisão tem impactos diretos nas experiências das pessoas em relação ao clima. A compreensão do clima em escala global e regional não é o bastante para discernir completamente os impactos, pois estes variam conforme o nível de vulnerabilidade de cada território. Por isso, segundo o Instituto Peregum, a escala do clima urbano é essencial, já que é nesse nível que as verdadeiras consequências de eventos climáticos extremos aparecem na cidade.

Nesse contexto, o sujeito mais vulnerável deixa de ser apenas um ponto no mapa; ele se torna uma pessoa com rosto, história, individualidade e subjetividade. É aqui que surge a oportunidade para que as vozes e experiências da classe não-hegemônica sejam ouvidas e reconhecidas.

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