A Avenida Brigadeiro Luís Antônio conecta o centro da cidade de São Paulo com a Avenida Paulista e a região centro-sul da capital. O barulho causado pelo grande fluxo de veículos e de pessoas é intenso. Mas, em um dos edifícios comerciais da avenida, isso não é mais problema: o prédio nomeado Retrofit Brigadeiro passou por uma profunda revitalização que incluiu controle de ruídos. A mudança faz parte de um projeto mais amplo, de retrofit, que consiste em processos de modernização de edifícios antigos de forma a preservar a arquitetura original da edificação.
Os 4.184 m² do edifício ganharam nova roupagem com o processo de modernização realizado pelo escritório Coletivo de Arquitetos. Além de atualizar as características estéticas, o projeto visou à melhora da iluminação, com soluções que permitam o aproveitamento da luz natural, e à redução do barulho. Neste caso, o uso de profilit – um tipo de vidro alternativo – foi o que agregou ao projeto maior entrada de luz natural, mais confortos térmico e acústico, e maior resistência a intempéries e poluição.
Por trás de projetos como esse, que aliam à preservação da essência do imóvel, a adaptação dos empreendimentos às normas e necessidades contemporâneas, a partir da incorporação de materiais inovadores e sustentáveis e de tecnologias contemporâneas, estão desafios, como elenca a arquiteta Gabriela Ferez. “Fazer obra no centro de São Paulo é desafiador por si só, pela questão dos calçadões, dos horários mais restritos, de não ter local para estacionar uma caçamba, por exemplo. É um cenário muito complexo e, dentro dele, há de se ter a valorização e o respeito à história da cidade; isso deve sempre prevalecer”, avalia ela que também é moradora e amante do centro. “São Paulo tem 471 anos e, quando você tem o privilégio de viajar ao redor do mundo, percebe que cidades ainda mais antigas são mais bem resolvidas com seu centro histórico”, compara ela. Por isso, para a arquiteta, a melhor versão do retrofit é aquela que respeita o edifício e a sua história, além da história do bairro e dos elementos que estão ao redor.

“Nos últimos anos foram desenvolvidas muitas técnicas de reaproveitamento de materiais, e essas são as que eu mais admiro”, revela Gabriela. Ela cita o icônico Edifício Virgínia, na Rua Martins Fontes, que está passando por um retrofit completo, tanto de multifunções, como de quantidade de unidades residenciais. “É um projeto completo para sua implantação diferenciada e situado em uma esquina bastante afunilada. O cuidado que estão tendo é destacado pela profissional. Entre as premissas estão o reaproveitamento de materiais originais para as pastilhas da fachada do edifício, o piso de taco de todo o interior e as bancadas em granilite, esta feita com materiais triturados do entulho gerado pela obra do próprio edifício. As pastilhas não foram simplesmente jogadas em uma caçamba, elas foram restauradas e passaram a fazer, de novo, parte da fachada”, detalha a arquiteta.
Leia também: Reciclagem de prédios e cidades: um caminho para a descarbonização
O direcionamento vai ao encontro de um dos direcionamentos do Sixth Assessment Report elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – iniciativa da ONU que prevê respostas científicas para as mudanças climáticas. A ênfase dada para o setor da construção são as reformas e o retrofit, em substituição a novas construções.
Retrofit premiado
Único projeto brasileiro que entrou para a lista dos 50 vencedores do prêmio internacional Monocle Design Awards 2024, na categoria “Melhor Retrofit”, o Edifício Renata, na esquina das ruas Araújo e Major Sertório, perto da Praça da República – bairro central da cidade de São paulo/SP – foi fundado em 1956 e projetado pelo arquiteto paulista Oswaldo Bratke, que foi um dos principais nomes do modernismo na arquitetura no Brasil, com trabalhos caracterizados por elementos vazados e linhas retas e por uma dinâmica inovadora entre espaços livres e cheios. O prédio abrigava comércio e escritórios e foi tombado pela iniciativa “São Paulo Moderna” de 2012, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).
Assinado pelo Metro Arquitetos, o projeto de retrofit do edifício pautou-se pela diversidade de propostas em um mesmo lugar, abrangendo uma área construída de 7.640 m². O empreendimento passou a ter mais de 90 unidades de apartamentos para moradia temporária, além de restaurante, terraço e piscina, disponíveis também para não hóspedes por meio de sistema de day use, mas sem perder a essência de sua estética, como destaca a descrição do projeto no site do Metro Arquitetos: “o projeto teve como objetivo reconectar o edifício com a cidade, por meio de um programa bastante diversificado. A única intervenção proposta para a fachada visa corrigir um problema antigo e conhecido. Entre os elementos vazados e os caixilhos originais, um espaço residual e inacessível tornava-se propício para acúmulo de sujeira e formação de pombais. Como solução, o projeto propõe a retirada parcial dos caixilhos existentes e a instalação de uma nova linha de caixilhos, compostos por portas de correr e recuados em relação aos caixilhos originais, agora sem vedos. Essa alteração cria varandas para as unidades e permite o acesso até o principal elemento do edifício, os cobogós”.
Para Gabriela, lidar com a fachada do prédio de forma a manter sua comunicação direta com o entorno (formado por outros edifícios e por vias) e preservar características originais, garantindo o diálogo com a história da região, é um dos grandes desafios de projetos de retrofit em centros históricos.
Leia também: Prédios históricos, entre o passado e o futuro
Coragem
“A grande questão do retrofit no centro de São Paulo, no meu ponto de vista, é a coragem de construtoras e incorporadoras de investir em locais que sempre foram vistos somente como áreas comerciais”, comenta Gabriela, que cita o exemplo da área próxima ao calçadão da Praça do Patriarca. “Essa região hoje muito vazia, com muitos pontos comerciais fechados, traz uma sensação de insegurança. Se tivesse uma proposta de uso misto para certos edifícios, com a mescla da função de seu térreo comercial e incluísse a função residencial para seus andares, as ruas ou calçadões teriam maior circulação de moradores em horários diversos, e isso traria mais segurança no período diurno e, principalmente, à noite, quando não se tem movimento algum nos dias de hoje”.
Leia também: Conversão de escritórios para apartamentos cresce nos EUA
Segundo a arquiteta, incentivo fiscal seria uma forma de atrair esse tipo de investimento, além de financiamentos bancários para projetos de retrofit, considerando também o impacto positivo sobre o entorno. Assim, com incentivos, ousadia – e coragem –, quem mora, trabalha, passeia ou apenas circula por ali pode passar a ver mais belos projetos de retrofits no centro de São Paulo.