Rotatórias no Brasil: o que falta para proteger pedestres?

Johnny Vieira de Souza compara rotatórias brasileiras a diretrizes internacionais e revela por que ainda falham em proteger pedestres.

Por Nathalia Ribeiro em 11 de dezembro de 2025 6 minutos de leitura

Fotografia do arquiteto e professor Johnny Vieira de Souza. Ele fala sobre rotatórias no Brasil durante a entrevista concedida ao Habitability.
Johnny Vieira de Souza (Foto: Divulgação)

As rotatórias reduziram acidentes em vários países, mas no Brasil ainda falham em proteger quem mais precisa: pedestres. É essa contradição que a pesquisa “Segurança de pedestres em rotatórias urbanas”, do arquiteto e professor Johnny Vieira de Souza, mestre em Engenharia Urbana pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), expõe ao comparar a aplicação brasileira com modelos internacionais, revelando falhas de desenho, sinalização e prioridade que mantêm os usuários mais vulneráveis em risco.

Suas análises, realizadas em rotatórias de cidades médias como São José do Rio Preto e São Carlos (SP), mostram que, embora o Brasil tenha adotado parte do conceito de “rotatória moderna”, ainda há uma distância significativa entre o que é implantado aqui e o que as diretrizes internacionais propõem. Problemas como faixas de pedestres mal posicionadas, ausência de deflexões que reduzam a velocidade dos veículos e desenhos que forçam o pedestre a percorrer trajetos mais longos comprometem a segurança e a eficácia do sistema.

Souza reforça que o problema central não está na falta de espaço urbano, mas na aplicação inadequada dos princípios técnicos que definem uma rotatória verdadeiramente segura. Estudos internacionais mostram que a proteção ao pedestre depende de controles geométricos claros, ou seja, deflexão bem projetada, largura reduzida das faixas, posicionamento correto das travessias e leitura intuitiva do fluxo. 

Quando esses elementos são negligenciados, como ainda ocorre com frequência no Brasil, a rotatória perde sua função essencial: reduzir conflitos e proteger os usuários mais vulneráveis. Para ele, ajustes simples, como reposicionar travessias, criar ilhas de refúgio e aplicar medidas físicas de calmamento de tráfego, já demonstraram eficácia em diversos países e podem ser replicados aqui sem grandes obras.

Nesta entrevista, ele explica o que faz uma rotatória ser de fato segura, por que tantas cidades brasileiras ainda erram na implantação e quais soluções práticas podem aproximar nosso modelo dos padrões internacionais.

Por que os ganhos de segurança observados internacionalmente nem sempre se reproduzem para pedestres no Brasil?

Grupo de pedestres aguardando para atravessar a rua movimentada, com uma rotatória, em uma cidade com edifícios altos ao fundo
Imagem gerada digitalmente

Johnny Vieira de Souza: Os estudos internacionais, que registram quedas significativas em acidentes após a implantação de rotatórias, partem de projetos com geometrias rigorosas de calmamento de tráfego (traffic calming) e de uma forte cultura de cedência (yield). No Brasil, esses ganhos não se concretizam plenamente porque muitas rotatórias ainda priorizam o veículo. Dispositivos com raios amplos e pistas largas permitem velocidades mais altas na entrada e na circulação, reduzindo a segurança de quem precisa atravessar.

Além disso, o pedestre foi historicamente “esquecido” no processo de projeto: em muitos locais faltam faixas de travessia, há descontinuidade de passeios e a iluminação é inadequada, especialmente nas rotatórias mais antigas. Soma-se a isso uma fragilidade na cultura de preferência ao pedestre. Motoristas frequentemente deixam de ceder passagem, gerando longos tempos de espera, travessias incertas e maior exposição ao risco.

Qual erro de projeto é mais determinante para o comportamento de travessia de alto risco do pedestre?

Johnny Vieira de Souza: O erro de projeto mais determinante é o mau posicionamento — ou o excesso de distância — das faixas em relação à “linha de desejo” do pedestre. Quando as travessias são colocadas longe demais ou exigem desvios desnecessários, as pessoas tendem a buscar caminhos mais diretos, mesmo que perigosos. A ausência de elementos físicos que desencorajem essas travessias indevidas, como defensas metálicas ou barreiras de direcionamento, também contribui para esse comportamento.

O problema se agrava quando a rotatória não reduz adequadamente a velocidade. Se a geometria não força a desaceleração, o motorista não espera encontrar pedestres fora das faixas regulamentares, ampliando o risco de atropelamento. Em velocidades elevadas, perde-se o princípio de segurança passiva que deveria caracterizar a rotatória.

As rotatórias brasileiras ainda costumam priorizar o carro. É possível conciliar fluidez e proteção do pedestre?

Imagem aérea de uma rotatória  cercada por árvores, casas e ruas movimentadas, com vários veículos circulando.
Foto: Wangkun Jia/ Shutterstock

Johnny Vieira de Souza: Sim. As rotatórias urbanas brasileiras, embora eficientes e de baixo custo, acabam priorizando a circulação veicular motorizada devido à falta de infraestrutura adequada para pedestres e ciclistas, que raramente recebem o mesmo nível de atenção no processo de projeto.

A conciliação entre fluidez e segurança é possível. A literatura e especialistas apontam que a prioridade ao pedestre deve estar presente desde a concepção da rotatória. Geometrias mais “apertadas” (deflexão), que forçam a redução de velocidade, e a adoção de infraestrutura segregada — como faixas elevadas, defensas metálicas e ilhas de refúgio — aumentam a previsibilidade e a segurança da travessia sem comprometer o desempenho do dispositivo.

Quais são, na prática, os principais pontos de conflito entre veículos e pedestres nas rotatórias?

Pedestres aguardando na calçada de uma rua movimentada no Brasil durante o entardecer, com carros passando em uma rotatória e edifícios ao fundo
Imagem gerada digitalmente

Johnny Vieira de Souza: Embora a rotatória moderna reduza o número total de pontos de conflito, nas rotatórias brasileiras os problemas se concentram em dois locais. O primeiro é nas entradas e saídas, onde ocorre a transposição da faixa pelo pedestre. Nesses trechos, o motorista divide sua atenção entre o fluxo circulante, a manobra de entrada ou saída e a presença muitas vezes inesperada do pedestre.

O segundo é na circulação, sobretudo em rotatórias de múltiplas faixas. Nessas situações, há menor previsibilidade e visibilidade, e o condutor nem sempre espera encontrar pedestres próximos à área de circulação, ampliando o risco de atropelamento.

Como intervir nas rotatórias para aumentar a segurança de todos os usuários?

Johnny Vieira de Souza: As intervenções devem ocorrer em três frentes complementares. A primeira trata do reposicionamento das faixas de pedestres, que precisam estar alinhadas à “linha de desejo”. Recomenda-se afastar a faixa cerca de cinco metros da pista circular, criando uma ilha de refúgio natural que aumenta a previsibilidade da travessia.

A segunda diz respeito à falta de barreiras físicas. É fundamental implantar elementos que forcem a redução de velocidade, como deflexões de entrada, raios mais curtos e faixas elevadas (platôs), que funcionam simultaneamente como barreiras físicas e redutores de velocidade.

A terceira diz respeito ao hábito de encurtar caminho. O principal meio de mitigação é o redesenho que respeite a trajetória real do pedestre. Educação e fiscalização complementam o processo, mas o projeto seguro deve ser sempre a primeira linha de proteção.

Que elementos geométricos e de sinalização são imprescindíveis para a proteção de pedestres?

Elementos geométricos e sinalização em uma rotatória iluminada à noite, com curvas, sinais de trânsito e luzes urbanas destacando a organização viária.
Foto: Osvaldo Silva Angola/ Shutterstock

Johnny Vieira de Souza: É necessário combinar diferentes elementos capazes de forçar o calmamento de tráfego. O primeiro é o dimensionamento do raio externo e da ilha central: rotatórias mais compactas induzem maior deflexão e reduzem naturalmente a velocidade. A largura da faixa também é determinante; quanto mais estreita — preferencialmente faixa única — menor a tendência a altas velocidades.

A ilha central precisa ter porte suficiente para bloquear a visão direta de um lado ao outro, obrigando o motorista a reduzir a velocidade. Outro aspecto essencial é o afastamento da faixa de pedestres, idealmente cerca de cinco metros do anel viário, criando uma ilha de refúgio que permite lidar com um fluxo de tráfego por vez.

Por fim, a iluminação deve ser cuidadosamente direcionada para a área de travessia, garantindo visibilidade clara do pedestre, sobretudo à noite.

O “barato” de implantação tem trazido um custo oculto à segurança do pedestre? Que mudanças de gestão/política pública seriam necessárias?

Johnny Vieira de Souza: Sim. O “barato” de implantação, entendido como dispositivos de baixo custo e alta eficiência veicular, acaba gerando um custo oculto à segurança do pedestre. Muitas rotatórias aproveitam geometrias amplas já existentes, que favorecem velocidades mais altas e reforçam a prioridade do fluxo motorizado. A literatura indica que boa parte desses dispositivos não garante travessias realmente seguras.

Para reverter o quadro, é necessário colocar a segurança do pedestre como critério primário no projeto. Também é preciso adotar padrões obrigatórios de calmamento, alinhados às rotatórias modernas, e investir em infraestrutura de apoio, como faixas elevadas, ilhas de refúgio, sinalização tátil, passeios qualificados e acessibilidade. Fiscalização e educação complementam o processo, reforçando a cultura de cedência e de prioridade aos modos vulneráveis.

Cidades brasileiras já conseguem implantar rotatórias conforme diretrizes internacionais, ou é preciso adaptar soluções? Quais passos práticos recomendaria?

Johnny Vieira de Souza: As cidades brasileiras têm avançado na incorporação de diretrizes internacionais, e rotatórias mais recentes já apresentam melhor tratamento para pedestres. Ainda assim, há necessidade de adaptações e de maior aprofundamento técnico. Entre os passos práticos, o primeiro é realizar um diagnóstico geométrico, com inventário das rotatórias, classificação da geometria (como raio e largura de faixa) e avaliação da velocidade real praticada.

Em seguida, é essencial priorizar o pedestre, integrando sua “linha de desejo” ao desenho das travessias. Também se recomenda o uso de mini-rotatórias ou rotatórias compactas em áreas urbanas densas, pois induzem naturalmente à redução de velocidade. A adoção de medidas físicas de calmamento — como faixas elevadas, balizadores e elevação de passeio — reforça a segurança. Por fim, a capacitação técnica das equipes municipais é fundamental para dominar os princípios das rotatórias modernas e projetar soluções mais seguras e eficientes.

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