Segurança pública preocupa 90% dos brasileiros

País enfrenta desafios para conter avanço das facções criminosas, vínculo entre quadrilhas e poder público e cenas recorrentes de violência

Por Ana Cecília Panizza em 26 de maio de 2025 7 minutos de leitura

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De cada 10 brasileiros, nove têm grande preocupação com a criminalidade, segundo o relatório Latam Pulse, do instituto AtlasIntel, em parceria com a agência Bloomberg, que reúne dados sobre as situações política, social e econômica de cinco países-chave da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México.

No Brasil, para 73,2% das 5.710 pessoas entrevistadas, a criminalidade tem piorado, enquanto que 60,3% creem que os crimes aumentaram nos seis meses anteriores ao levantamento, feito em fevereiro de 2025. A sensação de insegurança chega a mudar a forma como as pessoas vivem a cidade: 49,9% evitam determinados bairros, 45,2% procuram não sair à noite e 44,7% buscam não andar com objetos de valor em público. Para alguns (20%), a situação leva à possibilidade de mudar para um país mais seguro.

Sentimento de medo  

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Embora os resultados pareçam contradizer os dados do Ministério da Justiça, que apontam queda acumulada de 16% (2020 a 2024) no número de assassinatos no País, considerando homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, Rafael Alcadipani, professor titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que existe diferença entre a percepção da segurança e os números de casos. “É muito comum que haja redução ou aumento de indicadores e que isso não afete tanto a sensação de segurança. O que acontece é que no Brasil, mesmo havendo diminuição, a quantidade de crimes ainda é muito alta, e a gente percebe que não é apenas a quantidade – há crimes que são muito violentos. Em muitos lugares do mundo é impensável que uma pessoa morra por causa de um celular, de um relógio, de uma aliança. No Brasil essas coisas acontecem, o que gera um sentimento de medo muito grande”, avalia o especialista. 

PEC da Segurança

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança Pública, entregue em abril de 2025 pelo Ministério da Justiça para a Câmara dos Deputados, sugere que a Constituição passe a reconhecer como responsabilidade do governo federal a coordenação das ações de segurança envolvendo União, estados e municípios. Assim, caberia ao Executivo nacional desenvolver estratégias de combate à violência e fiscalizar o cumprimento de metas por meio de um sistema unificado, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS). 

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Entre as propostas da PEC estão a ampliação das atribuições das guardas municipais, da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal; a criação de Fundo Nacional de Segurança Pública e Fundo Penitenciário Nacional para financiar ações na área; e a inclusão de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

O texto final da PEC foi finalizado após mais de seis meses de negociações do Executivo com governadores e diversas alterações frente à primeira versão da proposta, que vai ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e, em seguida, debatida em comissão especial. Depois, precisará ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Câmara. Se aprovado, o texto segue para o crivo do Senado.

A advogada Carolina Diniz, da ONG brasileira Conectas Direitos Humanos (Programa de Enfrentamento à Violência Institucional), teme que um sistema unificado na segurança leve a uma disputa de recursos e que o dinheiro hoje destinado à ressocialização de pessoas presas seja remanejado para financiar a repressão policial. “A pauta do sistema prisional com todas suas especificidades vai ser cada vez mais apagada pela pauta de segurança pública”, disse ela em entrevista à Agência Brasil. A advogada aponta para o risco da “lógica policial” de tornar os presídios estritamente peças de um “sistema de contenção social”. 

Para Carolina, o redirecionamento da verba do Fundo Penitenciário e outras medidas da PEC podem fazer crescer o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. E a proposta desperdiça a oportunidade de mudar o perfil de atuação das polícias, ao incentivar mais ações de inteligência e fortalecer mecanismos de controle externo.

“Vários estados que batem recordes no índice de letalidade policial, com denúncias de tortura, têm polícias que estão sem controle algum. E nesses estados, as instituições que deveriam exercer controle estão sem diretrizes muito claras, bem definidas, que coloquem o controle da atividade policial como uma das prioridades de atuação”, comentou a advogada. 

Para Alcadipani, “a PEC é um primeiro primeiro diálogo, uma primeira tentativa desse governo de tentar lidar minimamente com a segurança pública, tentando constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Não é algo essencialmente ruim, mas ainda é muito tênue dentro dos desafios que o Brasil tem para a segurança pública. Não é uma bala de prata. Aliás, não tem uma bala de prata, é preciso montar políticas públicas que sejam organizadas e guiadas de forma profissional”, analisa o professor, lembrando, também, que as diretrizes da PEC precisam ser feitas por leis ordinárias, o que acarreta dificuldade de implementação. 

Experiências internacionais

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A cidade colombiana de Medellín reverteu altos índices de criminalidade por meio de políticas públicas de enfrentamento ao crime que melhoraram a qualidade de vida da população. A partir dos anos 2000, a presença policial aumentou na região, com reforço da Polícia Nacional, que é militar e de ciclo completo, responsável por fazer patrulhamento e investigar crimes em todos os bairros. Além disso, os chefes das máfias foram isolados nas prisões para impedir que continuassem operando, e as vítimas desses grupos receberam apoio do Estado. Além de programas de patrulha policial permanente, foram feitos investimentos em educação, infraestrutura e saúde. Por outro lado, ações de Medellín em segurança pública foram questionadas por meio de denúncias de abusos policiais e violações de direitos humanos.

Já a Itália se destaca pelo combate do governo à máfia siciliana há mais de 40 anos e pelo enfrentamento de uma escalada de violência que, nas décadas de 1980 e 1990, levou a uma série de ataques entre grupos mafiosos e contra o Estado, com assassinatos de juízes, chefes policiais e políticos. Isso levou a uma forte e bem-sucedida reação do governo por meio da criação da Direção Central Antimáfia e confisco de bens dos integrantes. 

Na cidade americana de Chicago, atingida por décadas de violência, ações do governo local e da sociedade nos últimos anos se sobressaíram, como o Laboratório Criminal da Universidade de Chicago, com foco na saúde pública. Já o programa Iniciativa Rápida de Emprego e Desenvolvimento ofereceu trabalho para pessoas identificadas como potencialmente violentas, com acompanhamento de terapeutas cognitivo-comportamentais. Nos primeiros 20 meses do programa, que começou em 2017, houve queda de 65% no número de detenções por tiroteio e homicídio.

Também nos Estados Unidos, Nova Iorque reduziu a taxa de homicídios, que era de 30,7 na década de 1990 e passou para 3,4 em 2017. Uma das mudanças que acompanharam a melhora da segurança na cidade foi o aumento de pelo menos 35% na quantidade de policiais na cidade entre 1990 e 2000. Isso foi acompanhado por implantação de tecnologias e pela estratégia de acabar com mercados públicos de venda de drogas, que, instalados em diferentes pontos da cidade, contribuíam para o aumento nos homicídios, devido à disputa violenta pelo controle desses pontos. 

Inspiração nacional  

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Em Santa Catarina, os números de assassinatos e de latrocínios caíram 47% e 84%, respectivamente, entre 2017 e 2023. A Polícia Civil do estado alcançou a marca histórica de 80% dos homicídios elucidados, taxa próxima à de países como Canadá e Austrália. 

Por sua vez, Goiás conseguiu baixar indicadores de violência a partir de investimentos em armas, viaturas e agentes de segurança e policiamento ostensivo, inclusive em regiões rurais, com tropas especializadas e georreferenciamento de propriedades.

No Rio Grande do Sul, o programa RS Seguro, lançado em 2019, tem quatro eixos principais (combate ao crime, políticas sociais preventivas e transversais, qualificação do atendimento ao cidadão e sistema prisional. Em 2024, o estado atingiu os menores números de criminalidade na série histórica iniciada em 2010. Na comparação com os anos de pico, as quedas chegam a 90%. Entre os crimes com maiores reduções estão: roubo de cargas (-90%), roubo de veículos (-87%), roubo ao comércio (-86%), latrocínio (-83%) e Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) (-52%).

O Pará, que nos últimos anos enfrentou traficantes de drogas nas fronteiras, pistoleiros, garimpeiros, grileiros e desmatadores, criou o programa Polícia Mais Forte, com presença da PM nas ruas e investimento em inteligência e tecnologia. O governo transferiu líderes de facções e instalou câmeras em presídios e nos uniformes dos policiais. Apesar de a taxa de homicídios seguir elevada (mais de 30 mortes por 100 mil habitantes em 2023), houve redução de 39,7% nos indicadores da taxa de homicídios entre 2017 a 2022, segundo o Atlas da Violência 2024.

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Tecnologia para prevenção e investigação de crimes é o foco do Espírito Santo, com leitura facial dos presos, uso de inteligência artificial para ler placas de veículos e implantação de microprocessadores balísticos que identificam de que arma saiu determinado projétil. O programa Cerco Inteligente instalou câmeras nas principais vias e cidades capixabas. Com isso, o estado tem registrado queda no número de homicídios, com 852 assassinatos em 2024  – é o menor número desde 1996.

São projetos com dados positivos para os estados mostrarem, mas se trata de iniciativas isoladas. Em âmbito nacional é bem diferente. Nesse sentido, Alcadipani ressalta que “o Brasil tem uma visão muito pouco resolutiva, pouco profissional e, nos últimos anos, muito ideológica, da segurança pública. Uma disputa política muito forte, entre esquerda e direita, que impede a criação de uma política de Estado de segurança pública. É sempre uma política focada nas próximas eleições. Isso vai na contramão da articulação de esforços conjuntos necessária para ações mais resolutivas. O enfrentamento à violência “requer um diálogo regional”, enquanto a política de enfrentamento ao crime organizado “deve passar por uma articulação de forças entre estados e federação, e uma discussão também entre os países da América Latina, uma vez que uma parte importante do crime organizado se dá na região”. 

Tema que ganha relevância no Brasil e no mundo, a segurança pública enfrenta novos desafios, como avanço das facções criminosas, vínculo entre quadrilhas e poder público e cenas recorrentes de violência nas grandes cidades. Iniciativas no Brasil e no mundo mostram que, para frear a violência, é imprescindível investir em tecnologia e em fortalecimento das polícias, mas que não se pode prescindir do cuidado com as pessoas, com a sociedade. Assim, programas de segurança pública precisam ser acompanhados por outras frentes, como investimentos em educação e saúde, que são a base para uma população se desenvolver. 

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