Transporte público: menos tempo de espera, mais bem-estar

Emanuele Cassimiro, Chief Product Officer da Cittamobi, compartilha como a inclusão, segurança e eficiência pode mudar o transporte público.

Por Redação em 6 de dezembro de 2023 7 minutos de leitura

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Emanuele Cassimiro (Foto: Divulgação)

Atrasos, superlotação, escassez de veículos coletivos, longas esperas e a constante preocupação com a violência ou assédio são alguns dos obstáculos cotidianos para aqueles que dependem do transporte público para trabalhar, estudar ou se divertir na cidade. Para pessoas com deficiência visual ou questões que interferem na locomoção, a tarefa de pegar um ônibus é ainda mais desafiadora.

Com o ônibus sendo o principal meio de locomoção para 85,7% dos brasileiros, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), os obstáculos crescentes na mobilidade urbana não afetam apenas o tráfego, mas, também, exercem impacto significativo na qualidade de vida dos cidadãos, na visão da Chief Product Officer (CPO) da Cittamobi, Emanuele Cassimiro.

Formada em Comunicação Social pela Universidade Católica de Pernambuco e com especializações em Marketing e Gestão de Projetos pela Stafford House, em Londres, a diretora de Produtos desempenha um papel ativo na estratégia e no desenvolvimento de negócios relacionados à mobilidade urbana. Sua atuação visa impulsionar soluções que aprimorem a mobilidade e tragam benefícios tangíveis para as cidades. Isso inclui o aprimoramento constante do aplicativo Cittamobi.

Atualmente o app contabiliza mais de 21 milhões de downloads, ajudando os usuários de transporte público em 330 cidades brasileiras. A solução permite acessar a localização do veículo em tempo real e também a estimativa de horário em que ele chegará no ponto mais próximo. A previsão é de que o aplicativo seja expandido para outras 50 cidades.

Por meio desta inovação, o usuário tem até mesmo a oportunidade de avaliar sua viagem e também de informar detalhes específicos, como a condição do veículo, limpeza, lotação e comportamento do motorista. Todos os dados coletados são enviados à empresa que gere a frota, que os utiliza como uma base adicional para ajustes e aprimoramentos na gestão operacional.

Mobilidade urbana e inovação tecnológica

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Há 10 anos no mercado, a Cittamobi é uma startup brasileira que desenvolve tecnologias no país, buscando aprimorar a experiência dos usuários no transporte público. Emanuele conta que a empresa teve origem dentro de uma companhia de rastreamento de veículos, que iniciou suas operações por volta de 2008, quando começava a surgir o interesse por processos de instalação de GPS para monitoramento. Naquela época, a sócia-fundadora, uma empresária do setor de ônibus, Niege Chaves, percebeu o potencial desse mercado.

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Inicialmente, ela fundou a empresa com a ideia de utilizar o GPS de veículos para monitorar a frota, melhorando, assim, a gestão e operação dos ônibus nas ruas. Essa visão surgiu da compreensão da operação, considerando todos os desafios enfrentados com a movimentação dos ônibus pela cidade. Em 2013, Chaves percebeu que os usuários da operação, em Recife, expressavam a necessidade de informações mais precisas.

“Nessa época, as informações nas paradas eram limitadas a tabelas horárias, muitas vezes desatualizadas. Foi então que ela [Niege Chaves] viu a oportunidade de integrar a localização dos veículos, já utilizada para a gestão operacional, com a demanda dos passageiros por informações em tempo real”, explica Cassimiro.

Com essa compreensão, Niege e outros empresários em Recife decidiram abordar a dor do passageiro e resolver a questão. Esse movimento não ficou restrito à capital pernambucana, sendo aplicado também nas operações de São Paulo. Assim, a solução foi lançada simultaneamente em ambas as cidades. “A ideia, desde o começo, foi proporcionar uma melhor experiência para o passageiro”, pontua a executiva.

De fato, a promessa se cumpriu e, em 2023, o aplicativo conquistou o Prêmio Connected Smart Cities, uma honraria que destaca iniciativas relevantes para a transformação inteligente das cidades. Emanuele considera esse reconhecimento como uma validação das premissas da empresa, dedicadas a transformar e promover a saúde da mobilidade urbana, usando a inovação tecnológica.

Diálogo para a transformação do transporte público

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Ao contrário de lugares como Londres, onde o usuário não precisa de um aplicativo para se locomover, devido à pontualidade rigorosa, no Brasil a experiência é diferente e mais desafiadora. Uma pesquisa conduzida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que não usuários de transporte público no Brasil considerariam utilizar esses meios caso algumas melhorias fossem implementadas. Quando questionados sobre quais seriam os principais motivos para adotar o transporte coletivo nas grandes cidades, 24% responderam que a diminuição do tempo de espera seria relevante e 20% citaram o aumento da segurança.

Analisando esses dados, é possível identificar que a experiência do usuário é diretamente impactada pelo tempo gasto aguardando o transporte coletivo, e melhorias neste aspecto têm o potencial não apenas de atrair novos usuários, mas, também, de tornar a jornada mais eficiente para aqueles que já utilizam o sistema, reduzindo o estresse.

Diante disso, Emanuele destaca a importância do diálogo entre os usuários, as empresas operadoras e autoridades municipais. De acordo com ela, a Cittamobi busca ser a ligação estratégica entre esses três pilares, visando assegurar a precisão das previsões e aprimorar o planejamento diário da população nas cidades. Essa abordagem proativa pretende promover a eficiência operacional e fomentar a colaboração entre os diferentes stakeholders, contribuindo para a construção de um sistema de transporte público mais ágil, confiável e alinhado às necessidades da comunidade.

“Caso surjam imprevistos durante a operação dos ônibus nas ruas, precisamos ser ágeis na entrega da informação ao passageiro, para que ele possa se programar ou encontrar uma nova rota”, afirma Emanuele. Em média, a empresa registra uma diferença de apenas 40 segundos em relação aos horários reais da operação dos ônibus, demonstrando precisão nas previsões.

Experiência das mulheres desde o ponto até o destino

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A qualidade do sistema de transporte coletivo é observada pelos passageiros no momento em que chegam ao ponto de ônibus. É essencial que as paradas ofereçam iluminação adequada, proteção contra condições climáticas adversas e um ambiente seguro. Conforme revelado por uma pesquisa da organização internacional World Resources Institute, um minuto de espera no ponto pode ser tão prolongado quanto três minutos dentro de um carro, dependendo das condições do espaço.

Para as mulheres, a experiência na parada de ônibus é ainda mais complexa. O estudo “Meu Ponto Seguro” revela que 77% das mulheres se sentem particularmente vulneráveis nesse ambiente, especialmente à noite, devido ao isolamento, à falta de movimentação nas proximidades e ao tempo prolongado de espera pelo veículo.

“Atualmente, o principal público do aplicativo é composto majoritariamente por mulheres (60%). Elas são as principais planejadoras desses deslocamentos, especialmente considerando a necessidade de se sentirem mais seguras”, diz a executiva.

Mulheres têm uma tendência a elaborar um planejamento mais minucioso, visando evitar desconfortos em locais onde se percebem mais vulneráveis. A executiva destaca que o aplicativo oferece ao público feminino a capacidade de moldar seus cotidianos. Enquanto se preparam para sair, é possível monitorar o horário de chegada do ônibus, por exemplo, o que garante menor tempo de permanência no ponto. “Essa funcionalidade realmente ajuda a programar o deslocamento, descobrir novas rotas e promover maior segurança. A questão não afeta somente mulheres, mas adolescentes, idosos e outras populações que compõem minorias tendem a sofrer com a insegurança em paradas mais isoladas. Proporcionar previsibilidade faz toda a diferença”, diz.

Além disso, a experiência de insegurança e desconforto estende-se para dentro do ônibus, impactando a qualidade de vida e a liberdade de movimento, especialmente para as mulheres. Conforme revelado por uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, que entrevistou 1.081 mulheres brasileiras com 18 anos ou mais, provenientes de todas as regiões do país, 97% das participantes relataram ter sofrido assédio no transporte público.

Consciente desse cenário, Emanuele destaca que o tema é amplamente debatido dentro da startup. Como resultado dessas discussões, foi implementada uma funcionalidade para casos em que as pessoas se sintam ameaçadas durante o transporte. “O Big é um botão de emergência ativado de acordo com a dinâmica específica de cada cidade. Por meio desse recurso, é possível relatar incidentes como assédio e violência, promovendo uma comunicação eficaz”, explica. Essa funcionalidade está operante apenas em locais onde há uma resposta ativa do outro lado, garantindo que haja alguém disponível para intervir e prestar assistência. A executiva afirma que este recurso representa uma abordagem proativa para enfrentar os desafios de segurança a fim de assegurar o bem-estar de todos os passageiros.

Transporte público é para todos

Essa promoção do transporte público vai além da previsibilidade e segurança, é questão de acessibilidade também. O Brasil registra uma população com deficiência visual que ultrapassa 6,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total, 506 mil são categorizadas como cegas, enquanto aproximadamente 6 milhões apresentam baixa visão. Boa parte dessas pessoas utilizam o transporte público como o seu principal meio de locomoção. No entanto, os ônibus e os pontos não estão preparados para atender as necessidades dos deficientes visuais.

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Assim nasceu o Cittamobi Acessibilidade, idealizado pelo engenheiro de software Luiz Eduardo Porto, que é cego. Atualmente, o aplicativo opera em mais de 300 cidades de 16 estados brasileiros. Emanuelle comenta que Luiz enfrentava desafios, como a falta de avisos sonoros para indicar a chegada dos ônibus, e contava com a ajuda de outras pessoas, o que nem sempre acontecia. Ele até fazia sinais para veículos parecidos com ônibus, parando caminhões e meios de transporte. Luís experimentou essas dificuldades junto com sua esposa, também deficiente visual.

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Utilizando o Cittamobi Acessibilidade, Emanuele conta que esse público pode exercer o direito à cidadania, usufruindo da cidade. O aplicativo possui roteirizador, alertas sobre ônibus próximos à parada selecionada, acompanhamento em tempo real da viagem, aviso de chegada ao destino escolhido, indicação do momento exato para desembarque e informações sobre locais ao longo do trajeto do veículo. Tudo isso é facilmente acessado ao conectar fones de ouvido para receber as informações necessárias.

Além disso, por comando de voz, os usuários podem programar locais de preferência, como residência ou endereço de trabalho, criar rotas específicas e salvar offline o caminho de volta em situações de falta de conectividade. O Cittamobi Acessibilidade também oferece funcionalidades complementares, como o modo de carro, com alertas sobre ruas e cruzamentos; o modo de viagem, que notifica sobre os momentos de embarque e desembarque; e o modo a pé, para locomoção em áreas externas, permitindo a memorização de obstáculos ao longo de percursos frequentes.

Emanuele destaca que, ao longo de uma década, o aplicativo tem passado por melhorias contínuas para atender às variadas necessidades desse público. A construção das funcionalidades é uma colaboração com os usuários, sendo moldada pelos feedbacks recebidos de pessoas com deficiência.

“É muito significativo perceber como essas pessoas estão envolvidas na construção do aplicativo, pois elas compreendem como as mudanças impactam suas vidas. É um orgulho ter uma ferramenta que promove a inclusão, pois o objetivo é tornar a mobilidade acessível a todos o tempo todo”, fala a executiva.

Para ela, ao integrar soluções tecnológicas, a qualidade do serviço melhora e também se promove uma percepção positiva, por parte dos usuários, em relação ao transporte público. Isso, por sua vez, contribui para a construção de uma imagem favorável do modal, incentivando mais pessoas a usarem essa opção de locomoção.

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