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“Aquecimento global não. Estamos em ebulição”, diz cientista Paulo Artaxo
De tragédia silenciosa a vítimas fatais e prejuízos escancarados. Com experiência internacional na Nasa e Harvard, o professor de física aplicada a problemas ambientais Paulo Artaxo fala sobre a transição de aquecimento global a emergência climática.
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Marcus Lopes em 19 de março de 2024 6minutos de leitura
Paulo Artaxo (Foto: Divulgação)
A fase de aquecimento global já passou. Agora, o planeta está entrando em uma emergência climática e as cidades não estão preparadas para enfrentá-la. O alerta é do cientista Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Em todas as áreas, os problemas vão de deslizamentos de terra catastróficos a mortes silenciosas por causa das ondas de calor, cada vez mais frequentes. Há também o agravamento de doenças como dengue e malária, que se alastram por regiões outrora mais frias e, portanto, não sofriam tanto com o mosquito Aedes Aegypti, transmissor da dengue.
Artaxo já trabalhou na Nasa (Estados Unidos), Universidade de Antuérpia (Bélgica), Universidade de Lund (Suécia) e Universidade Harvard (Estados Unidos). Na USP, trabalha com física aplicada a problemas ambientais, atuando principalmente na questão de mudanças climáticas globais, meio ambiente na Amazônia, física de aerossóis atmosféricos, poluição do ar urbana e outros temas.
Em entrevista ao Habitability, ele explica que as providências a serem adotadas para o preparo das cidades frentes aos eventos climáticos extremos são urgentes, e não necessariamente caras. “É muito mais uma questão de planejamento urbano adequado”, explica o cientista.
O ano de 2023 foi o mais quente da História, segundo entidades que medem o clima em todo o planeta. O ano de 2024 caminha para consequências ainda mais graves do aquecimento global?
Paulo Artaxo – Estamos observando uma aceleração do aquecimento global, em todo o planeta. Aquilo que os modelos climáticos previam para acontecer daqui a 20 ou 30 anos, já está acontecendo. Isso aumenta a urgência da necessidade de redução das emissões de gases que provocam efeito estufa. É urgente se adaptar ao novo clima, pois as mudanças deixaram de ser algo que ocorreria apenas no futuro para tornar-se uma questão do presente. Logo, precisamos adaptar a nossa economia, proteger a população mais vulnerável de eventos climáticos extremos, que aumentaram de frequência e intensidade muito fortemente nos últimos anos e, com isso, ajudar nossa sociedade a enfrentar os enormes desafios, que são as mudanças climáticas globais.
O senhor afirma que o planeta já passou pela etapa do aquecimento global e que estamos em uma fase de emergência climática ou ebulição global. O que seria essa nova fase?
Paulo Artaxo – O planeta está entrando no que chamamos de uma emergência climática. Caminhamos para uma trajetória de aumento da temperatura média do planeta na ordem de três graus Celsius. Isso vai provocar impactos gigantescos no clima, na agricultura e na nossa capacidade de produzir alimentos. Haverá problemas nas nossas cidades, como frequência maior de grandes inundações e dificuldades de abastecimento de água em algumas delas. As mudanças trarão problemas para a Amazônia, que pode atingir um ponto de não retorno, no sentido de começar a perder carbono para a atmosfera. O carbono que está armazenado lá há milhões de não pode começar a migrar para a atmosfera e, como consequência, agravar ainda mais o efeito estufa global. Então, basicamente, essa nova fase das mudanças climáticas força as indústrias e os governantes a efetivamente começarem a tomar medidas concretas de redução de emissões e a construção de uma sociedade que seja minimamente sustentável do ponto de vista ambiental.
Eventos recentes, como as fortes ondas de calor, a seca na Amazônia e os temporais nas regiões Sul e Sudeste já seriam consequência dessa nova fase que o senhor cita?
Paulo Artaxo – O que mais caracteriza essa nova fase do aquecimento global é que, além do aumento lento, mas contínuo, da temperatura média global, há aumento dos eventos climáticos extremos, que se tornaram realmente extraordinários. Observamos um aumento dramático de grandes secas e grandes inundações. Presenciamos, por exemplo, chuvas torrenciais de 600 milímetros em um período de 24 horas, inundações no Rio Grande do Sul, na Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Houve uma grande seca na Amazônia, no ano passado, intensificada pelo fenômeno El Niño. Há quebras de produtividade agrícola no Brasil central porque a região está sofrendo uma redução forte na precipitação de água e, com isso, na produtividade agrícola. A periodicidade das chuvas, o quanto e como chove, também está mudando e vai requerer uma adaptação das práticas agrícolas no Brasil como um todo. São indicativos de que precisamos atuar o mais urgente possível na redução de emissão de gases de efeito estufa.
Estudos apontam que, em menos de 20 anos, o excesso de calor matou quase 50 mil pessoas no Brasil. Ao contrário de episódios impactantes, como deslizamentos de terra em áreas urbanas, as mortes por calor são uma tragédia silenciosa. Ainda não damos a devida importância, ou mesmo visibilidade, às consequências catastróficas do aquecimento global sobre a humanidade?
Paulo Artaxo – O impacto das mudanças climáticas na saúde humana é forte e algo muito importante. E está se tornando cada vez mais uma variável fundamental nas negociações climáticas. A mudança climática, por exemplo, muda os vetores que carregam doenças como dengue, Chikungunya e malária, que estão se alastrando por regiões onde essas doenças não existiam algumas décadas atrás. Outra questão importante é o impacto das ondas de calor, particularmente na população mais sensível, que são as pessoas com mais de 60 anos, e as crianças, que ainda não têm um sistema regulatório de temperatura adequado. Isso causa desidratação e impactos no sistema cardiorrespiratório, que fica sobrecarregado. Precisamos trabalhar efetivamente para reduzir o impacto na saúde das nossas populações.
Ainda sobre os efeitos do calor extremo e deslizamentos por temporais, que geralmente atingem os mais pobres e vulneráveis, as cidades estão se preparando para os efeitos extremos do aquecimento global?
Paulo Artaxo – As cidades brasileiras não estão preparadas para o aumento, a frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos. Observamos um despreparo total das defesas civis, que não têm capacidade para lidar com enchentes, desabamentos intensos e chuvas acima de 100 ou 200 milímetros, como ocorreu há pouco tempo e de forma frequente. São questões que foram previstas pelos modelos climáticos, nós sabíamos que isso iria acontecer, mas, infelizmente, o País está muito despreparado e não se adaptando ao novo clima do planeta.
Desde a década de 1980, cerca de quatro mil pessoas morreram no Brasil por problemas de deslizamentos de terra, segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Ou seja, trata-se de um problema que, apesar da gravidade, não é novo. O que impede a solução, ou pelo menos a redução, dos danos nessa questão dos deslizamentos?
Paulo Artaxo – A questão dos deslizamentos de terra é particularmente importante porque existem milhares de pessoas que vivem em áreas de risco no Brasil. Isso foi adequadamente monitorado e identificado pelo IPT em São Paulo e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Mas, infelizmente, não houve medidas nas proporções necessárias. Isso causa perda de vidas.
Qual o papel do poder público e da sociedade civil para adaptação das cidades aos eventos climáticos extremos, que serão cada vez mais comuns?
Paulo Artaxo – O Brasil precisa de uma política clara e bem implementada sobre como lidar, nas áreas urbanas, com a questão das mudanças climáticas e o aumento de eventos climáticos extremos. É algo urgente e traz prejuízos enormes para a população, principalmente a de baixa renda. E pode ser resolvido. É necessário reforçar as equipes das defesas civis, melhorar a comunicação entre os municípios e a defesa civil estadual e o governo federal. É necessário identificar e redesenhar as maiores fragilidades, em todas as cidades. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a rede de drenagem é dos anos 1950 e, certamente, precisa ser redesenhada, pois o perfil das precipitações mudou muito nas últimas décadas. Hoje temos quatro vezes mais chuvas muito intensas. Nós temos que preparar as cidades para esse novo clima, que já mudou e vai continuar mudando cada vez mais.
Onde o despreparo é maior em relação ao clima: nas pequenas, médias ou grandes cidades? É possível mensurar os prejuízos por causa desse despreparo?
Paulo Artaxo – As pequenas e médias cidades, assim como as megalópoles, estão despreparadas em relação ao clima. Elas sofrem prejuízos financeiros enormes com essas ondas de calor, chuvas torrenciais, precariedade do serviço de transmissão de energia elétrica e assim por diante. É possível mensurar, sim, os prejuízos. Vários centros de pesquisas estão trabalhando para desenvolver métodos. Em geral, é muito mais barato trabalhar preventivamente do que correr atrás do prejuízo depois que esses acidentes ocorrem.
As soluções são todas necessariamente caras ou o que falta é planejamento urbano?
Paulo Artaxo – É muito mais uma questão de planejamento urbano adequado. É necessário integração entre os diferentes agentes que possam ajudar a diminuir essa problemática, comunicação da defesa civil com a prefeitura e com as concessionárias de energia e de água, por exemplo. Logo, basicamente não é uma questão de falta de recursos, mas sim de falta de competência para auxiliar a população a lidar com a questão da emergência climática que já está aqui e agora.
Para finalizar, como reverter essa situação geral e evitar o colapso climático? É possível ser otimista diante da situação atual?
Paulo Artaxo – Para reverter esse quadro que estamos passando, só existe uma coisa a se fazer: reduzir as emissões de gases de efeito estufa, fazer a transição energética e trabalhar a construção de uma economia verde numa sociedade que use menos os recursos naturais do planeta. Com isso, poderemos ter um clima que seja minimamente estável ao longo das próximas décadas.
A ciência mostra claramente que já temos todas as tecnologias necessárias para reduzir as emissões, pelo menos, pela metade, até 2030. O que precisamos é de políticas públicas, em todos os níveis: municipal, estadual, de cada país e ao nível do planeta como um todo.
Só assim poderemos evitar uma catástrofe climática que pode tornar o nosso planeta, nos próximos séculos, um lugar efetivamente muito mais difícil para se manter atividades socioeconômicas, em meio a uma população crescente. É fundamental que o Brasil zere o desmatamento da Amazônia e o mundo trabalhe para que a queima de combustível fóssil seja eliminada do nosso planeta, substituída por energias renováveis, como solar e eólica. Já temos toda a tecnologia necessária para isso.
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