Calor extremo impulsiona mudanças na governança urbana
Enfrentando ondas de calor extremo, cidades no mundo todo estão reestruturando a governança para proteger suas populações.
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Redação em 22 de setembro de 2023 7minutos de leitura
Uma surpreendente onda de calor extremo está varrendo o Brasil, desafiando as expectativas sazonais ao elevar os termômetros a impressionantes 40 graus, mesmo durante o inverno. Regiões que raramente testemunham tal calor mesmo no auge do verão agora estão enfrentando temperaturas extraordinárias.
E o fenômeno não está restrito ao Brasil. Tem dimensão global: nas últimas semanas, cidades da América do Norte emitiram alertas máximos devido às temperaturas que ultrapassaram a marca dos 40 graus. Em Nova Iorque, as autoridades implementaram medidas proativas, incluindo a criação de “zonas de resfriamento” com o intuito de amenizar as condições nas áreas públicas. No Canadá, incêndios florestais já consumiram mais de 140 km², uma área comparável em tamanho à Grécia. Até o momento, o trágico saldo inclui quatro vítimas fatais.
Especialistas em ciências apontam que o aquecimento global, impulsionado pelas atividades humanas, está exacerbando a frequência e a letalidade dos desastres naturais. Diante desse cenário, surge a pergunta: como as cidades podem enfrentar esses desafios? A resposta inclui governança urbana.
Reestruturando a governança contra o calor extremo
Com o aumento do calor intenso, autoridades governamentais dos EUA e especialistas enfatizaram a necessidade de reestruturar a governança das cidades e estados para proteger as comunidades com uma abordagem interdepartamental e governamental abrangentes.
A diretora do Luskin Center for Innovation da Universidade da Califórnia, Kelly Turner, destacou em entrevista ao Smart Cities Dive que, embora soluções tecnológicas possam ajudar a mitigar o calor urbano, a verdadeira inovação necessária está na reformulação das estruturas de governo e regulamentações. Ela enfatizou que criar sombras e infraestruturas eficazes não é simples e requer ajustes profundos.
Um exemplo dos desafios burocráticos enfrentados é o caso de “La Sombrita” em Los Angeles, uma estrutura de sombra instalada recentemente em pontos de ônibus. Embora tenha sido alvo de críticas, seus criadores defenderam-no como um experimento para contornar dificuldades de coordenação, longos períodos de planejamento e altos custos associados a projetos de infraestrutura, mesmo modestos.
Miami, nos Estados Unidos, desde 2021, tem uma “Chefe de Calor”, cargo ocupado por Jane Gilbert, que faz parte do City Champions for Heat Action, um projeto da Extreme Heat Resilience Alliance, uma colaboração entre cidades para combater o calor extremo, juntamente com Atenas, na Grécia, e Freetown, em Serra Leoa.
O trabalho de Jane é coordenar esforços em todos os departamentos, áreas e comunidades de Miami para criar e aplicar um plano que reduza os problemas causados pelo calor extremo e encontre maneiras de diminuir as emissões de carbono. Uma das principais ações de Gilbert para lidar com as ilhas de calor urbanas é o plantio de árvores. “Árvores trazem muitos ganhos, pois absorvem a água da chuva, capturam carbono e oferecem sombra. É uma vantagem em três aspectos”, explica Gilbert à BBC.
Em Miami, criar mais locais sombreados em espaços infantis, praças e paradas de ônibus é outra meta importante. A administração da cidade também planeja desenvolver áreas que encorajem as pessoas a caminhar, andar de bicicleta e usar o transporte público. Esse tipo de ação, conforme Jane menciona, ajuda a diminuir a emissão de gases de efeito estufa, que contribuem para o aumento do calor no mundo.
Em cidades como Los Angeles, responsáveis por questões relacionadas ao calor estão trabalhando para agilizar iniciativas desse tipo. Marta Segura, diretora de aquecimento em Los Angeles, mencionou que o foco tem sido eliminar barreiras entre departamentos, promover a colaboração e desenvolver planos conjuntos.
Marta e sua equipe formaram um grupo chamado Comissão de Mobilização de Emergência Climática, que dá conselhos para a prefeitura sobre como fazer políticas justas em relação ao clima, além de discutir sobre as melhores formas de lidar com o calor intenso. O grupo inclui líderes comunitários, pessoas que representam trabalhadores, jovens, especialistas em saúde relacionada ao clima e indivíduos que vivem em áreas poluídas.
A Terra já esquentou cerca de 1,2°C desde o início da Revolução Industrial e os cientistas alertam que as temperaturas vão continuar aumentando, a menos que os governos ao redor do mundo reduzam drasticamente as emissões de dióxido de carbono (CO2). Segundo o relatório da ONU emitido pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a ação humana está provocando transformações no clima global de maneira sem precedentes. Algumas dessas mudanças já alcançaram um ponto irreversível.
Assim, as regiões urbanas estão atualmente lidando com o desafio do calor extremo, além de enfrentar o fenômeno das ilhas de calor, situação que pode causar modificações nos padrões climáticos locais e deteriorar a qualidade do ar. O aumento das temperaturas pode resultar no desconforto das pessoas, ampliando os perigos à saúde, sobretudo entre populações mais vulneráveis. Apenas no verão europeu de 2022, mais de 61 mil pessoas perderam suas vidas em decorrência do calor.
Outro estudo feito em 2020 por pesquisadores da Universidade de British Columbia mostrou que nos Estados Unidos, milhares de mortes acontecem devido ao calor a cada ano. Esse estudo calculou que, entre 1997 e 2006, cerca de 5,6 mil pessoas morreram por ano, em 297 regiões, o que representa três quintos da população estadunidense.
Impactos climáticos são globais
Há registros de temperaturas extremas em várias partes do mundo, com ondas de calor impactando diversos países simultaneamente. Na Europa, China e Japão, as temperaturas máximas têm subido e persistido por semanas, levando a perdas de vidas, incêndios de grande proporção em países como Espanha, Portugal, França, Itália, Grécia e Índia, e obrigando muitas pessoas a buscar abrigo em locais públicos de resfriamento.
O ano de 2022, por exemplo, foi considerado o mais quente para os indianos em 122 anos. Já em 2023, as altas temperaturas chegaram mais cedo, com 60% da Índia registrando temperaturas máximas acima do normal para o mês de abril, de acordo com o Departamento Meteorológico do país.
Nas cidades ao redor do globo, as temperaturas altas têm sido especialmente intensas. As áreas urbanas podem ser de 5°C a 9°C mais quentes do que as zonas rurais, devido à absorção e emissão de calor pelos edifícios de concreto e calçadas. Além disso, a presença de muitas pessoas, carros e máquinas também ajuda a aumentar as temperaturas.
Por isso, a ONU-Habitat também criou recentemente um departamento para enfrentar os desafios do calor extremo e designou Eleni Myrivili como Diretora Global de Calor, encarregando-a de liderar a resposta ao calor e as estratégias de resiliência em cidades pelo mundo. “Estamos focados nas cidades porque é onde vive a maior parte das pessoas”, afirmou Myrivili.
A Diretora também colabora com o Arsht-Rock na Iniciativa de Ação contra o Calor, uma plataforma que auxilia autoridades locais na mitigação dos efeitos humanos e econômicos das temperaturas extremas. Esse programa é fruto de uma parceria entre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e tem como foco a redução dos impactos do calor intenso.
Assim como a Chefe do Calor de Miami, Myrivili observa que a contribuição das árvores é essencial para a diminuição da temperatura. “Estabelecer florestas e corredores ecológicos dentro das cidades é uma maneira eficaz de conduzir massas de ar e resfriar grandes extensões dentro do ambiente urbano”, completa. Dados provenientes do PNUMA revelam que o simples ato de plantar árvores nas vias urbanas resultaria em uma redução de 1°C nas temperaturas quentes para aproximadamente 77 milhões de pessoas.
Soluções sustentáveis para o resfriamento urbano
Há tempos, o PNUMA vem advogando por soluções ecológicas para enfrentar o desafio do resfriamento em áreas urbanas. Colaborações com cidades na Índia, Vietnã e Camboja têm resultado no desenvolvimento de estratégias de resfriamento amigáveis ao meio ambiente, além de apoiar sistemas distritais de resfriamento em países como o Egito. No caminho para atingir as metas de mitigação e adaptação climática delineadas pelo Acordo de Paris até 2050, o setor da construção é tido como peça-chave.
O dilema de manter cidades em níveis habitáveis diante da crise climática desponta como um dos maiores desafios governamentais. Desde calçadas refrigeradas em Tóquio até telhados verdes em Toronto, cidades ao redor do globo estão experimentando novas abordagens sustentáveis para manter a temperatura sob controle.
Na capital grega, Atenas, onde secas recorrentes e temperaturas crescentes são preocupações, as autoridades estão revitalizando um aqueduto histórico datado da época romana. Esse projeto visa irrigar corredores ecológicos da cidade, oferecendo um exemplo de adaptação às condições cada vez mais quentes.
Brasil na vanguarda da agenda climática
O Brasil, que sediará a COP30 em 2025, está empenhado em impulsionar a agenda climática, com foco na adaptação, e integrá-la harmoniosamente à agenda social em todo o país. A recente criação da Secretaria Nacional de Mudança do Clima representa uma mudança significativa na governança do assunto. A iniciativa da Secretaria vai além de meramente reconhecer os desafios climáticos, mas sim, destacar a importância de identificar lacunas e intensificar os esforços para enfrentar as mudanças climáticas de forma decisiva.
Até recentemente, a ênfase na agenda climática estava centrada na mitigação das emissões de gases de efeito estufa. Contudo, em face do aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, a necessidade de adaptação tornou-se urgente e incontornável. Para a Diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e responsável pela Secretaria, Ana Toni, a adaptação não pode ser apenas uma resposta pontual a crises, ela deve ser incorporada de maneira integral às políticas públicas em todos os níveis.
Apesar dos desafios apontados no relatório intitulado “Encontrando Caminhos, Financiando a Inovação: Enfrentando o Desafio da Transição Brasileira”, o Fórum Econômico Mundial destaca que o Brasil possui oportunidades notáveis e únicas que o colocam na posição de um potencial líder na agenda climática e de combate às adversidades ambientais.
Após nove meses de trabalho conjunto entre o Fórum Econômico Mundial e a consultoria Oliver Wyman, o relatório buscou compreender os desafios do Brasil em financiar sua transição climática e cumprir os compromissos do Acordo de Paris. Durante esse período, workshops reuniram empresários, representantes governamentais e especialistas, enquanto entrevistas individuais foram realizadas. O Brasil é considerado um exemplo que pode trazer insights para outros países emergentes.
O perfil único do Brasil é ressaltado devido à menor contribuição de setores industriais, geração de energia e transporte nas emissões do país em comparação com outras partes do mundo. Isso se deve, por exemplo, à sua matriz energética renovável e ao potencial na área de biocombustíveis. O relatório aponta que isso cria a oportunidade para o Brasil se estabelecer como um centro global para soluções sustentáveis, que englobam desde energia limpa até commodities com baixa pegada de carbono, posicionando o país na vanguarda de um futuro com cidades mais sustentáveis e resilientes.
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