Empreendedorismo é motor para cidades mais sustentáveis

Em entrevista, Michel Porcino compartilha sua visão de tornar as cidades brasileiras protagonistas globais em inovação e sustentabilidade.

Por Nathalia Ribeiro em 16 de janeiro de 2025 6 minutos de leitura

Michel Porcino
Michel Porcino (Foto: Alex Falcão)

Transformar as cidades brasileiras em líderes do ecossistema global de inovação. Com mais de 20 anos de atuação, Michel Porcino considera essa sua missão. Como líder de mais de 110 projetos voltados para startups, sustentabilidade e acesso a capital, já contribuiu para impactar a vida de mais de 100 mil pessoas.

A trajetória começou ao fundar a São Paulo Tech Week, um dos maiores eventos de tecnologia do País, e como CEO da plataforma Kria, que conectava startups a investidores. No Sebrae-SP, atuou como gerente de inovação e, posteriormente, como head do Sebrae para startups. Atualmente, lidera o hub OFuturo, que integra inovação, negócios e sustentabilidade e já mobilizou R$ 7 milhões para ações relacionadas à emergência climática. O trabalho culminou na criação do Festival Cidade do Futuro, que este ano será realizado de 15 a 17 de maio. “A grande novidade de 2025 é transformar o Festival em uma plataforma de financiamento de iniciativas para melhorar a vida nas cidades, conectando grandes empresas a projetos inovadores com impacto local positivo”, explica.

Em entrevista ao Habitability, Porcino destacou a importância de unir inovação e sustentabilidade para viabilizar um futuro mais equilibrado por meio da integração entre tecnologia, capital e empreendedorismo.

Você tem uma trajetória marcada pela interseção entre inovação, sustentabilidade e empreendedorismo. O que te inspirou a trilhar esse caminho?

Foto: @michel_empreendedor/ Reprodução

Michel Porcino: Minha inspiração vem do desejo de gerar impacto positivo. Comecei minha carreira há mais de 20 anos, no mercado de capitais, ajudando a estruturar operações de M&As e IPOs, onde aprendi a importância dos recursos financeiros para escalar grandes negócios. Depois, mergulhei no mundo do empreendedorismo e das startups, onde fundei startup, estruturei diversos programas de inovação e aceleração, fui CEO de startup e participei como investidor. Nessa fase, aprendi como a agilidade, a centralidade no cliente e o ciclo de “testar rápido – validar –  errar –  aprender – e implementar” a melhoria era fundamental para o sucesso. Depois de 10 anos fundei o OFUTURO, combinando essas duas forças – finanças e inovação – como ferramentas para enfrentar os desafios da sustentabilidade nas cidades brasileiras.

O que define uma cidade do futuro? Quais características tornam uma cidade verdadeiramente sustentável e inovadora?

Michel Porcino: Muita gente quando pensa em “cidade do futuro” traz aquela visão futurista dos filmes e desenhos, com carros voadores, robôs e tecnologia por toda parte. Antes de tudo, a cidade do futuro é aquela centrada nas pessoas, que prioriza a qualidade de vida como forma de garantir um futuro sustentável, onde a inovação, e não a tecnologia, é meio para melhorar vidas e o bem estar social.  Nós passamos anos e anos criando cidades para carros e indústrias, reduzindo o verde e os espaços públicos, poluindo rios e, assim, atingimos o ápice do aquecimento global. Agora o futuro das cidades – o nosso futuro – está em jogo. 

Pensar a cidade do futuro é garantir um território de convivência harmônica com a natureza, onde soluções urbanas inteligentes, desde mobilidade e energia até habitação e infraestrutura eficiente, são desenvolvidas com participação da comunidade com foco no desenvolvimento sustentável e na inclusão. São cidades resilientes e também regenerativas, inovadoras e inclusivas, capazes de inspirar novas formas de conviver, produzir e compartilhar, com oportunidades iguais para todos, independentemente do CEP onde nasceram.

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Em um cenário de crescente instabilidade global, como as cidades podem se tornar mais resilientes – seja do ponto de vista climático, econômico ou social? Quais os principais pilares do planejamento urbano dessas cidades?

Michel Porcino: Resiliência urbana começa com planejamento integrado e visão de longo prazo. As cidades precisam de infraestrutura adaptativa, como soluções baseadas na natureza para gerenciar enchentes, economias diversificadas e digitalizadas, que minimizem a vulnerabilidade a crises e sistemas de governança ágeis. Durante as enchentes do Rio Grande do Sul, vimos o quão é importante ter políticas de prevenção e planos de ação bem definidos. Minha maior preocupação hoje é o quanto estamos aprendendo a cada enchente, queimada, ondas de calor, secas, deslizamentos. Cada evento extremo precisa servir de aprendizado para tornar nossas cidades melhores, mas não vejo isso acontecer.

Você acredita que as cidades brasileiras têm potencial para se tornarem protagonistas globais em inovação e sustentabilidade? Quais barreiras precisam ser superadas para isso?

Michel Porcino: Sem dúvida. Com dimensão continental, o Brasil é um país diverso e rico em criatividade, com uma matriz energética limpa, práticas agrícolas sustentáveis e talentos capazes de resolver problemas complexos. Somos reconhecidos globalmente pela nossa criatividade e capacidade de atuar em ambientes complexos, de escassez. A partir da diversidade de nossas cidades, podemos criar soluções escaláveis para desafios globais em energia, mobilidade, gestão de resíduos, tecnologias voltadas para o agro sustentável e bioeconomia. Já temos muitas deeps techs com grande potencial. No entanto, ainda enfrentamos barreiras, como o acesso ao capital na fase inicial, capacitação técnica e dificuldade de conexão com grandes empresas e governo.

Você tem uma longa trajetória de suporte a startups. Qual é o papel delas na construção de soluções sustentáveis para os centros urbanos?

Michel Porcino: As startups têm um papel fundamental, pois trazem agilidade e inovação para problemas complexos. Já vejo várias grandes empresas usando startups sustentáveis na sua cadeia de valor. Seja em mobilidade, logística, gestão de resíduos ou habitação, elas conseguem transformar desafios urbanos em oportunidades. Por exemplo, iniciativas como car sharing, locação flexível de veículos e patinetes estão tornando o transporte mais sustentável.  Há diversas soluções que reduzem o desperdício de comida, garantem acesso à energia, à água potável, pensam em agricultura vertical, entre outras. As startups podem não apenas solucionar problemas locais, mas também criar modelos escaláveis com impacto para outras regiões do mundo locais com perfil semelhante às cidades brasileiras.

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Como podemos tornar a sustentabilidade parte do DNA das empresas desde a sua fundação, sem que ela seja apenas uma estratégia de marketing?

Michel Porcino: Sustentabilidade deve ser vista como uma oportunidade, não apenas uma obrigação. A realidade já mudou. Empresas que integram sustentabilidade ao seu modelo de negócio desde o início têm acesso a mais financiamentos, se tornam mais competitivas e atraem e retém mais talentos. O Brasil está muito bem posicionado para ser um polo de empresas verdes inovadoras, com uma matriz energética limpa e práticas inovadoras. Para os pequenos negócios, o segredo é começar com ações menores, mas financeiramente viáveis, e ampliar gradualmente o impacto.

Você já falou em alguns eventos sobre a importância do mercado de capitais no fomento à sustentabilidade. Como podemos atrair mais investimentos para projetos urbanos sustentáveis no Brasil?

Michel Porcino: O mercado de capitais brasileiro é muito sofisticado e os reguladores e instituições públicas, como BNDES, CVM, BACEN, FINEP, têm impulsionado a agenda de financiamento. Do lado dos governos, desenvolvimento de infraestrutura verde e as concessões e parcerias público-privadas são exemplos de como atrair grandes investimentos. Projetos de saneamento, regeneração ambiental e concessões de parques têm promovido a preservação e a biodiversidade nas cidades. No agro, temos vários novos instrumentos lançados. Há um campo enorme de finanças sustentáveis em desenvolvimento, com metas atreladas às instituições financeiras. Isso demonstra o apetite do mercado de capitais para financiar projetos de sustentabilidade. 

O que falta para que esse apetite seja de fato aproveitado?

Michel Porcino: Precisamos destravar recursos para que sejam voltadas para cidades, especialmente projetos menores, com apoio de agências de desenvolvimento e capacitação técnica para gestores públicos e empreendedores. Ainda estamos no gargalo de termos bons projetos e aumentar a capitalidade, pois há muito recurso parado. A capacitação em escala é um caminho para que mais cidades acessem o financiamento disponível e implementem soluções transformadoras.

Quais são as principais ações que precisam ser tomadas para capacitar os gestores públicos, visando à construção de cidades sustentáveis?

Michel Porcino: É essencial contar com gestores públicos que dominem análise de dados e IA, além de possuírem letramento climático, pois essas são habilidades fundamentais para a gestão eficiente das cidades. Também no setor privado, precisamos acelerar a formação da força de trabalho para as carreiras do futuro, especialmente em tecnologia e economia verde, antes que o País sinta o apagão de talentos. Imagine formar jovens da periferia com especialistas em IA ou gestores de sustentabilidade, o impacto que vamos gerar nas suas carreiras nos próximos anos. Criar uma cidade do futuro significa reduzir as desigualdades e oferecer a todos os cidadãos a chance de prosperar em novas economias. 

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Por último, que conselho você daria para empreendedores que desejam criar soluções sustentáveis?

Michel Porcino: Meu principal conselho é começar resolvendo um problema relevante com potencial de mercado. Muitos pesquisadores e empreendedores de sustentabilidade que conheço começaram pela solução, sem ter clareza de quem seria o comprador. Depois de meses de pesquisa, a solução não vai ao mercado por falta de demanda ou viabilidade. Então, desde o dia 0, é importante entender quem é o público-alvo principal, quais suas dores e validar a solução por meio de pilotos. Faça parcerias desde o início, participe de programas de mentoria e conecte-se a investidores e redes de apoio. Além disso, tenha em mente que a sustentabilidade financeira precisa caminhar junto com os impactos social e ambiental. Para isso, comece pequeno, mas focado em resultados concretos e, aos poucos, você constrói um modelo de negócio sustentável e escalável que possa gerar impacto globalmente.

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