Cidades-esponja no Brasil, uma estratégia de resiliência

Rio de Janeiro e Curitiba lideram iniciativas de cidades-esponja no Brasil. Criador do conceito esteve no Rio e falou sobre o cenário do País.

Por Redação em 23 de outubro de 2024 7 minutos de leitura

cidades-esponja no brasil
Foto: Paulo Vilela/ Shutterstock

Pelo menos 1.942 municípios brasileiros estão localizados em áreas sujeitas a desastres climáticos recorrentes, como inundações, enchentes e deslizamentos de terra, segundo dados do Governo Federal. Tratam-se de regiões que abrigam cerca de 148,8 milhões de pessoas, ou seja, 73% da população do País. Investir em uma infraestrutura que possa contribuir para a mitigação desse cenário é essencial. Por isso, o conceito de cidade-esponja, criado pelo arquiteto e urbanista chinês Kongijan Yu, tem ganhado espaço na pauta de resiliência, inclusive com versões de cidades-esponja no Brasil.

Adotado em várias cidades ao redor do mundo para prevenir desastres ambientais, o conceito agora é o foco central da nova lei sancionada recentemente, em parte, pela prefeitura da capital carioca. O objetivo é aliviar a pressão sobre os sistemas tradicionais de drenagem e promover a autossuficiência hídrica do município por meio do reabastecimento dos lençóis freáticos, resultado da maior filtragem natural das águas pluviais. Entre as soluções propostas, está a criação de “jardins de chuva” – pequenos espaços verdes com vegetação adaptada que ajudam a absorver e armazenar a água, reduzindo os riscos de encharcamentos. 

O autor do projeto, o vereador William Siri, explicou em entrevista à Agência Brasil que o modelo de “cidade-esponja” é mais eficaz do que os métodos convencionais de gestão das águas pluviais, que se limitam ao armazenamento e reutilização. “A adoção desses mecanismos não apenas diminui o risco de inundações, mas também melhora a qualidade da água, amplia sua disponibilidade e ajuda a mitigar os efeitos das ilhas de calor. Isso contribui para a regulação da temperatura, aumenta a quantidade de espaços verdes e, por consequência, eleva a qualidade de vida da população”, destaca.

Leia também: Ilhas de calor: o desafio urbano que exige soluções sustentáveis

O conceito das cidades-esponja

cidade de jinhua cidades-esponja no brasil
Cidade de Jinhua (Foto: Weiming Xie/ Shutterstock)

As cidades-esponja são apontadas como uma solução promissora para tornar os municípios brasileiros mais resilientes frente à nova realidade climática, marcada por eventos extremos cada vez mais frequentes. O modelo, criado na China, também já foi implementado em alguns países da Europa.

O conceito surgiu na cidade chinesa de Jinhua, onde o encontro de dois grandes rios frequentemente causava enchentes. Inicialmente, a área alagada foi cercada por um grande muro destinado a conter a água durante os períodos de chuva intensa. No entanto, essa medida mostrou-se ineficaz, levando à criação do modelo de cidade-esponja, que busca absorver, armazenar e reutilizar a água da chuva de maneira mais eficiente.

Exemplos de cidades-esponja ao redor do mundo incluem parques alagáveis, como o parque de Qunli na China e o Hunters Point South Park, em Nova Iorque, que absorvem o excesso de água e fomentam a biodiversidade local. 

Hunters Point South Park (Foto: quiet bits/ Shutterstock)

Outras iniciativas, como os calçamentos permeáveis de Lingshui, na China, e a praça-piscina de Benthemplein, em Roterdã, Holanda, demonstram alternativas inovadoras. Lingshui substituiu bueiros tradicionais por canais de infiltração natural com vegetação nativa, enquanto Roterdã desenvolveu uma praça capaz de armazenar e liberar gradualmente a água da chuva, prevenindo enchentes. Além dessas, cidades como Copenhague incentivam a construção de telhados verdes, que, além de mitigar enchentes, ajudam a regular a temperatura e filtrar o ar.

No Rio de Janeiro a estratégia consiste na criação de espaços mais permeáveis, que permitam a retenção e a percolação natural da água, aliviando a pressão sobre o sistema de drenagem e contribuindo para uma cidade mais resiliente às mudanças climáticas.

Cidades-esponja do Brasil

A tragédia ocorrida no início do ano no Rio Grande do Sul, considerada a maior catástrofe natural da história do estado, acendeu um alerta para quem ainda questionava os efeitos das mudanças climáticas. Eventos extremos como esse estão se tornando cada vez mais comuns em todo o mundo e o Brasil não fica de fora. Anualmente, o País enfrenta desastres climáticos em diferentes regiões, como o litoral norte de São Paulo, o sul da Bahia e a região serrana do Rio de Janeiro – exemplos recentes que evidenciam a gravidade e a crescente frequência desses fenômenos.

Diante desse cenário, alguns municípios do Brasil também têm buscado soluções inovadoras para mitigar os impactos das mudanças climáticas. Um exemplo vem de Curitiba/PR, que desde a década de 1970 investe na criação de parques que funcionam como reservatórios naturais para a água da chuva. Como o maior e um dos mais populares da cidade, o Parque Barigui abrange 140 hectares, estendendo-se por quatro bairros. Embora seja um espaço de lazer, desempenha um papel importante na absorção e controle do excesso de água das chuvas, ajudando a proteger a cidade de enchentes. Além do Parque Barigui, os parques São Lourenço, Bacacheri, Tingui e Atuba também atuam na mesma função de absorver e controlar o excesso de água da chuva.

cidades-esponja no brasil
Parque São Lourenço (Foto: Paulo Vilela/ Shutterstock)

Já em Santos/SP, está em processo de implementação um novo sistema de drenagem no Morro José Menino, que agora irá contar com uma rede de drenagem subterrânea. Essa mudança elimina o escoamento superficial das águas das chuvas, que anteriormente ocorria pelas sarjetas. Com o novo sistema, a água que antes se acumulava na Avenida Presidente Wilson será direcionada para tubulações subterrâneas, desaguando no canal zero, próximo aos prédios da faixa de areia da Praia do José Menino.

Esponjas naturais no sul do País

Os banhados, uma característica tradicional da paisagem do Rio Grande do Sul, são áreas úmidas, planas e rasas que abrigam uma rica biodiversidade. Nessas regiões, os rios nascem ou deságuam, formando pequenos alagamentos que desempenham um papel fundamental para o ecossistema. Essas áreas naturais atuam como “cidades-esponja”, absorvendo a água da chuva e regulando seu fluxo.

Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos (Foto: Reprodução/ SEMA – RS)

Embora de grande importância, os banhados estão desaparecendo a uma taxa três vezes maior do que as florestas, segundo o relatório Global Wetland Outlook de 2018. Em entrevista ao DW, o ecólogo Marcelo Dutra da Silva, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), destacou que muitas cidades gaúchas, especialmente na região da Costa Doce, ao redor da Lagoa dos Patos, eram naturalmente “cidades-esponja” devido à presença dos banhados.

No entanto, a expansão urbana desenfreada têm comprometido essas áreas úmidas, reduzindo sua capacidade de absorção. Muitos banhados foram drenados e transformados em terrenos agrícolas, cobertos por cimento ou convertidos em plantações de soja e outras monoculturas. Essa impermeabilização do solo não apenas contribui para o desaparecimento desses ecossistemas valiosos, mas também aumenta os riscos de inundações, já que as superfícies perdem sua função natural de regular o fluxo da água.

As mudanças de leis desfavorecem as esponjas

Uma das principais estratégias para reduzir os efeitos das enchentes é a proteção dessas margens dos rios, que são consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP) pelo Código Florestal Brasileiro. A delimitação das faixas mínimas de proteção é fundamental para garantir que essas áreas desempenhem suas funções, tanto em zonas rurais quanto urbanas, ajudando na absorção e escoamento das águas.

No entanto, mudanças recentes nas legislações têm ameaçado essa proteção das “esponjas” naturais do Brasil. Diversas propostas buscam flexibilizar as leis que protegem as regiões úmidas, o que pode aumentar os riscos de inundações. Pelo menos duas dessas iniciativas estão sendo discutidas no Supremo Tribunal Federal (STF).

Uma delas é uma lei estadual do Rio Grande do Sul, que alterou as regras de construção de barragens em Áreas de Preservação Permanente (APPs). A outra, ainda mais abrangente, é a Lei Federal 14.285/2021. Esta lei dá aos municípios e ao Distrito Federal o poder de definir as dimensões das APPs em torno de cursos d’água em áreas urbanas. Para especialistas como Leila da Costa Ferreira, ecóloga e socióloga, ouvida recentemente pelo Habitability, é urgente adaptar as cidades aos eventos climáticos extremos. Ela destaca que, para evitar desastres como o ocorrido no Rio Grande do Sul, será necessário integrar todas as políticas públicas nesse esforço.

A visão de Kongjian Yu para um Brasil mais resiliente

O posicionamento de Leila está alinhado com as ideias de Kongjian Yu, criador do conceito de cidades-esponja, que esteve recentemente no Brasil para um seminário sobre a reconstrução de cidades afetadas por desastres ambientais. Durante o evento, Yu ressaltou a imensa biodiversidade brasileira e mostrou-se otimista quanto ao papel que o País pode desempenhar no cenário global. No entanto, ele também fez críticas à maneira como a agricultura é conduzida no Brasil: “Vejo quilômetros e quilômetros de soja. Não há espaço para a água. Talvez estejam usando técnicas inadequadas. Uma solução simples pode mudar essa situação drasticamente: transformem a terra em uma esponja para captar mais água,” recomendou.

Kongjian Yu (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

O arquiteto acredita que o primeiro passo para criar cidades-esponja é elaborar um Plano Diretor que defina claramente “onde ceder espaço para a água e onde não construir.” Ele propõe que áreas sujeitas a alagamento sejam transformadas em florestas, parques e lagos. “Nossa solução é derrubar os muros e deixar a água entrar. A água pode irrigar os parques,” explicou.

Para Yu, os muros de contenção são uma ameaça. Ele observa que, durante transbordamentos, as superfícies de concreto atuam como barreiras, impedindo que a água retorne ao leito dos rios. Além disso, rios canalizados – geralmente mais retos do que os naturais – aumentam a velocidade do fluxo da água em vez de retardá-la.

Segundo Yu, é essencial planejar a transformação dos rios canalizados em rios-esponja, utilizando vegetação e pequenas ilhas verdes para absorver parte da água. “Precisamos pensar grande,” incentiva. O arquiteto chinês defende que as cidades-esponja são uma solução prática e eficaz para promover a resiliência urbana, diferentemente da tradicional infraestrutura cinza. “Essa é a ideia do planeta esponja,” destaca.