As civilizações antigas eram melhores na construção?

Técnicas de construções antigas estão se tornando a chave para criar materiais mais duráveis e sustentáveis na construção contemporânea.

Por Redação em 27 de agosto de 2024 7 minutos de leitura

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Imagem gerada por Inteligência Artificial

As pirâmides do Egito, o Coliseu de Roma e a Grande Muralha da China são exemplos de construções que resistiram ao teste do tempo, permanecendo de pé por milhares de anos. Essas estruturas não apenas sobreviveram às intempéries, guerras e desastres naturais, mas também permanecem como testemunhos da habilidade e engenhosidade dos antigos construtores. Enquanto isso, as cidades modernas estão repletas de edifícios que, apesar de serem erguidos com tecnologias avançadas, começam a mostrar sinais de deterioração antes mesmo de seus arquitetos completarem suas vidas. Essa disparidade levanta uma questão: por que as construções antigas parecem ser tão mais duráveis que as modernas? O que os antigos sabiam que nós esquecemos?

Em busca de respostas, pesquisadores ao redor do mundo estão revisitando o passado, analisando fragmentos de edifícios históricos, estudando textos antigos e recriando receitas tradicionais para desvendar métodos que possam ser aplicados na construção moderna.

As descobertas têm sido surpreendentes. Ingredientes inusitados, como casca de árvore, cinzas vulcânicas, arroz e até cerveja foram encontrados misturados nos materiais de construção antigos. Embora inesperados, esses componentes parecem ser fundamentais para a durabilidade desses monumentos, conferindo-lhes a capacidade de se fortalecer ao longo do tempo e até de “curar” rachaduras à medida que surgem. Descobertas que abrem “novas” perspectivas para a construção moderna.

Construindo o futuro com sabedoria ancestral

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Um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU) revela que o ambiente construído é responsável por mais de um terço das emissões globais de CO2, com a produção de cimento contribuindo com mais de 7% dessas emissões. A busca dos pesquisadores em técnicas antigas, portanto, visam também explorar alternativas sustentáveis, como declarou ao Euronews, Carlos Rodriguez-Navarro, pesquisador de patrimônio cultural da Universidade de Granada, na Espanha. Para ele, o passado pode oferecer soluções para o futuro. “Se você melhorar as propriedades do material usando receitas tradicionais do povo maia ou dos antigos chineses, pode produzir um material que seja muito mais sustentável para a construção moderna”, afirmou Navarro.

Essas receitas tradicionais, que incluem o uso de ingredientes como cinzas vulcânicas e outros elementos naturais, têm o potencial de reduzir a pegada de carbono da construção civil. Ao adotar essas práticas, seria possível não apenas criar edificações mais duradouras, mas também minimizar o impacto ambiental, tornando a construção uma atividade mais responsável e sustentável. 

O segredo milenar do concreto romano

cupula do panteao
Foto: Michael Vadon via Flickr

De acordo com registros históricos, os arquitetos do Império Romano começaram a desenvolver e utilizar concreto em suas estruturas por volta de 200 a.C., criando edificações que impressionaram em sua época e continuam a desafiar o tempo. Um dos exemplos mais conhecidos é a cúpula do Panteão, que ainda hoje se destaca como a maior cúpula de concreto não reforçado do mundo. Essa estrutura, construída há quase dois milênios, permanece intacta, resistindo ao desgaste do tempo e inspirando engenheiros e arquitetos até os dias atuais.

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Outro exemplo da durabilidade da engenharia romana são os aquedutos, que, mesmo após séculos de uso, continuam a transportar água, comprovando a eficiência e a resiliência dessas construções.

O concreto romano se destaca ainda mais quando se considera seu desempenho em ambientes vistos como desafiadores. Em portos, por exemplo, onde as estruturas são constantemente atingidas pela água do mar, o concreto romano permanece praticamente inalterado, mantendo sua integridade mesmo após dois mil anos. 

A chave para essa durabilidade reside na composição do concreto romano, que difere significativamente dos materiais usados nas construções modernas. Enquanto o concreto atual, reforçado com aço, frequentemente enfrenta problemas de corrosão e deterioração ao longo do tempo, o concreto romano foi formulado com ingredientes específicos que conferem resistência e longevidade. Segundo o Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, cinzas vulcânicas, um dos principais componentes do concreto romano, reagem quimicamente com a cal e a água, formando uma matriz que se fortalece com o passar dos anos.

Durabilidade e autocura que desafiam o tempo

Mas a resistência não é o único segredo do concreto romano. Esse material possui uma característica única: a capacidade de se auto-reparar ao longo do tempo. Cientistas estão começando a desvendar os mecanismos por trás dessa propriedade, que pode ser a chave para entender como o concreto romano conseguiu resistir por milhares de anos sem perder sua integridade estrutural. 

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É o que mostra pesquisadores da Universidade de Utah. A autora do estudo, a geóloga Marie Jackson, apontou que as rochas vulcânicas naturalmente reativas, coletadas pelos construtores após erupções, interagiam com os elementos ao longo do tempo, ajudando o concreto a selar quaisquer rachaduras que pudessem surgir. Marie destacou que essa capacidade de adaptação contínua é o que realmente define a genialidade do concreto romano. 

O estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) também detectou pedaços de cal espalhados por todo o concreto romano. Inicialmente, os cientistas acreditavam que esses pedaços eram sinais de que os romanos não misturavam seus materiais de forma adequada. No entanto, a pesquisa liderada por Admir Masic, engenheiro civil e ambiental do MIT, sugere o contrário. Segundo ele, quando surgem rachaduras no concreto romano, a água penetra na mistura e ativa os bolsões de cal ainda presentes, desencadeando novas reações químicas que preenchem e selam as áreas danificadas. 

Árvores que mantém estruturas maias intactas

No coração de Copan, um sítio arqueológico maia em Honduras, templos e esculturas elaboradas, construídos com cal há mais de mil anos, continuam a desafiar o tempo, resistindo ao ambiente quente e úmido que os cerca. Um estudo publicado na revista científica Science Advances sugere que a durabilidade dessas estruturas pode estar ligada a um segredo natural que floresce ao seu redor: as árvores locais.

Os pesquisadores envolvidos no estudo estabeleceram uma conexão direta com os descendentes dos antigos construtores maias. Trabalhando ao lado de pedreiros locais, que herdaram técnicas ancestrais transmitidas de geração em geração, os cientistas descobriram que as árvores chukum e jiote, comuns na região, são fundamentais na preservação dessas estruturas históricas.

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Esses pedreiros, com seu profundo conhecimento tradicional, sugeriram que os extratos dessas árvores fossem incorporados à mistura de cal utilizada nas construções. Intrigados, os pesquisadores decidiram testar a antiga receita. Eles coletaram cascas de chukum e jiote, deixaram-nas de molho em água, e misturaram o “suco” resultante ao gesso. Como resultado, o gesso tratado mostrou-se excepcionalmente resistente a danos físicos e químicos, muito superior ao que seria esperado de um material exposto a condições ambientais tão adversas.

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Análises detalhadas revelaram que o material orgânico presente no suco das árvores se integrava à estrutura molecular do gesso, proporcionando-lhe uma resistência semelhante à encontrada em estruturas naturais como conchas e espinhos de ouriços-do-mar. Essa propriedade pode ser a chave para a longevidade das construções maias, permitindo que elas resistam a séculos de desgaste natural.

A descoberta não apenas lança luz sobre as técnicas avançadas dos antigos maias, mas também sugere novas possibilidades para a construção moderna. Ao combinar conhecimentos ancestrais com práticas contemporâneas, é possível criar materiais mais duráveis e sustentáveis, inspirados na sabedoria das culturas antigas. 

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Itens simples e orgânicos garantem a longevidade 

No vasto território da Índia, onde a diversidade climática e geográfica impõe desafios únicos à construção civil, um estudo revela que as práticas de construção ancestrais utilizavam um item simples, mas muito efetivo como solução engenhosa para a durabilidade das estruturas. Thirumalini Selvaraj, engenheiro civil e professor do Instituto de Tecnologia de Vellore, na Índia, descobriu que, em áreas úmidas do país, os construtores de séculos passados utilizavam ervas locais com propriedades especiais que ajudavam as estruturas a resistir à umidade intensa. Essas plantas protegiam as edificações da infiltração, contribuindo para a durabilidade das construções em ambientes onde a umidade é uma ameaça constante.

Nas áreas costeiras, onde a salinidade é o desafio, os construtores adicionavam açúcar mascavo à mistura de construção. Essa prática, segundo Selvaraj, ajudava a proteger as estruturas dos danos causados pelo sal, que podem corroer materiais ao longo do tempo. 

construindo o futuro
Tijolos são produzidos com cinzas de casca de arroz no sul de SC (Foto: Divulgação/FumacenseAlimentos/ND)

Já em áreas propensas a terremotos, Selvaraj constatou que os construtores utilizavam “tijolos flutuantes”, feitos com cascas de arroz, para construir estruturas super leves. Esses tijolos, além de serem incrivelmente leves, ofereciam maior resistência aos abalos sísmicos, reduzindo o risco de desmoronamento durante terremotos. “Eles conheciam profundamente a região, as condições do solo e o clima local”, explicou Selvaraj. “Por isso, projetavam materiais de construção de acordo com essas condições”.

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Quando técnicas ancestrais encontram a engenharia moderna

Embora as construções antigas sejam notáveis por sua durabilidade e resistência, será que adotar os mesmos métodos em obras modernas seria realmente eficaz? Os construtores de hoje enfrentam desafios que os antigos romanos jamais poderiam imaginar. Embora o concreto romano tenha se mostrado durável ao longo dos séculos, sua resistência não era suficiente para suportar as enormes cargas exigidas pelas construções modernas. Segundo o arqueólogo da Universidade de Victoria, no Canadá, John Oleson, “você não conseguiria construir um arranha-céu moderno com concreto romano. Ele desabaria quando você chegasse ao terceiro andar.”

Apesar dessas limitações, há um interesse crescente em traduzir as antigas técnicas de construção para o contexto contemporâneo. Pesquisadores e engenheiros estão explorando maneiras de incorporar as propriedades únicas dos materiais antigos em misturas modernas. Esse movimento não busca apenas recriar o passado, mas aprender com ele para criar soluções inovadoras e sustentáveis.

Um exemplo dessa abordagem está no trabalho do cientista Admir Masic, que participa de uma startup dedicada a desenvolver concreto “auto-reparador” inspirado nas técnicas romanas. Esse tipo de material tem o potencial de prolongar significativamente a vida útil das construções, reduzindo a necessidade de manutenção e demolição ao longo do tempo.

Ao combinar conhecimentos ancestrais com práticas contemporâneas, é possível criar materiais mais duráveis e sustentáveis, inspirados na sabedoria das culturas antigas. Essa união entre tradição e inovação pode ser a chave para um futuro onde as construções sejam não apenas funcionais, mas também resistentes ao tempo, tal como as criações dos romanos e dos maias.