Economia circular: entenda o que é e como funciona

Economia circular elimina a produção de resíduos, permite que os produtos e materiais circulem (e em seu valor mais alto) e foca na regeneração da natureza.

Por Redação em 17 de julho de 2025 9 minutos de leitura

economia circular

Em nossa economia atual, exploramos os recursos naturais do planeta, fabricamos produtos com eles e, eventualmente, os jogamos fora como lixo. Em resumo, o processo é linear. Já a economia circular, como o nome sugere, tem outra proposta. Com foco na regeneração da natureza, ela permite que os produtos e materiais circulem, aumentando a vida útil, além de eliminar a produção de resíduos. A economia circular busca o desenvolvimento sustentável e um sistema mais equilibrado entre a economia e o meio ambiente. Além desse princípio básico, outros norteiam a aplicação da economia circular na prática. Confira a seguir.

Mais de 100 definições para economia circular

A literatura científica e os periódicos profissionais têm mais de uma centena de definições para o que se entende como economia circular. Existem tantas definições diferentes em uso porque o conceito é aplicado por um grupo diversificado de pesquisadores e profissionais. Um filósofo da ciência, por exemplo, enfatiza um aspecto do conceito diferente de um analista financeiro. 

As definições geralmente se concentram no uso de matérias-primas ou na mudança do sistema. Já as definições que se concentram no uso de recursos geralmente seguem a abordagem 3-R: Reduzir (uso mínimo de matérias-primas); Reutilizar (reutilização máxima de produtos e componentes) e Reciclar (reutilização de alta qualidade de matérias-primas).

No episódio 43 do podcast Habitability, Alexandre Galana, presidente da Yattó Economia Circular, e Nataly Acosta, gerente de Relações com Investidores e gerente de Estratégia de Comunicação para América Latina e Caribe na Circulate Capital, trazem algumas perspectivas que nos ajudam a entender o que é economia circular, abordando pilares e práticas dentro desse modelo em diferentes indústrias.

Economia circular: exemplos a ser seguidos ou evitados

Para além da teoria, é fácil encontrar exemplos de economia circular em nosso entorno e dia a dia. É o caso da reciclagem, em que materiais descartados viabilizam novos produtos, tal como garrafas PET que se transformam em roupas ou embalagens. 

Outros exemplos de economia circular são a reutilização (dar novo uso a produtos ou materiais, como usar uma embalagem de vidro para armazenar alimentos) e o design circular, que cria produtos levando em conta sua durabilidade, reparabilidade e facilidade de reciclagem. 

Logística reversa também está no escopo de economia circular e consiste em implementar sistemas para recolher produtos usados e garantir que seus materiais sejam reutilizados ou reciclados. 

Outros exemplos de economia circular são compartilhamento de recursos ou serviços (como carros ou ferramentas) ao invés de cada pessoa possuir o seu; uso de energia renovável (substituir fontes de energia não renováveis por limpas como energia solar ou eólica); economia criativa (valorizar a reutilização de materiais e a criação de produtos com baixo impacto ambiental, como artesanato com materiais reciclados). 

Ciclos fechados 

Em uma economia circular, os ciclos de vida dos produtos são fechados, assim como um ecossistema. Não existe desperdício, porque cada fluxo residual pode ser usado para fazer um novo produto. As substâncias tóxicas são eliminadas e os fluxos residuais são separados em um ciclo biológico e um técnico. Nesse sistema, portanto, não é apenas importante que os materiais sejam reciclados de maneira adequada, mas também que os produtos, componentes e matérias-primas mantenham uma qualidade alta. Um exemplo é a indústria mineral, que gera resíduos de borracha, especialmente pneus de caminhões que não estão mais em circulação, que precisam ser descartados de forma ambientalmente correta. 

Já o plástico de embalagens pode ganhar nova vida em estradas, com uso do asfalto de plástico. Feito de restos de embalagens flexíveis, ele já é usado em rodovias brasileiras e se torna cada vez mais necessário, uma vez que, até 2050, os oceanos poderão ter mais plástico do que peixes, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Outro exemplo de economia circular nas estradas é um tipo de asfalto fabricado com cinza do bagaço de cana. A solução foi descoberta em 2024 por pesquisadores da Universidade Federal de Maringá, que tiveram seu estudo publicado na revista Nature. 

Resíduos de cana também têm aplicação sustentável e surpreendente na construção civil.  Pesquisadores da Universidade de East London, em colaboração com arquitetos do escritório Grimshaw e a fabricante de açúcar Tate & Lyle Sugar, conceberam um novo tipo de concreto de cana-de-açúcar, produzido com bagaço de cana, o Sugarcrete. Também na construção civil, a economia circular se faz presente com uso do murumuru, fruto nativo da floresta amazônica. Estudo do Núcleo de Desenvolvimento Amazônico em Engenharia da Universidade Federal do Pará em parceria com o Instituto Federal do Pará e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul revelou que as cinzas da casca da semente do murumuru, ao ser incorporadas ao cimento, resultam em um concreto sustentável, com melhor impermeabilidade e maior durabilidade.

O problema da obsolescência programada

Na contramão disso, o conceito de obsolescência programada, que é a prática de limitar a vida útil de um produto para estimular a compra de um novo, leva os consumidores a substituir os itens regularmente, dando uma “sentença de morte” aos produtos. Exemplos de obsolescência programada são baterias de celulares que param de funcionar após alguns anos, softwares que deixam de ser compatíveis com dispositivos antigos e peças de reposição que não são facilmente encontradas no mercado. 

Visando aumentar a sustentabilidade da indústria de smartphones ao reduzir o descarte de resíduos eletrônicos no meio ambiente, a holandesa Fairphone tornou-se um case. Seu modelo de negócio está baseado na possibilidade de os próprios usuários poderem consertar seus celulares quando algum componente quebra. Para incentivar essa prática que evita o descarte, a empresa vende os componentes eletrônicos pelo seu site, como baterias, telas e demais peças. Bas van Abel, um dos fundadores da Fairphone, disse em entrevista à BBC que “o cálculo é muito simples: se você usar o telefone pelo dobro do tempo, você produz a metade do número de aparelhos e a metade da quantidade de resíduos”. 

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Logística reversa 

Um dos principais exemplos de economia circular, a logística reversa envolve a movimentação de produtos, materiais ou resíduos sólidos do ponto de consumo de volta para a empresa ou para locais de reaproveitamento, reciclagem ou descarte adequado, o que reduz os impactos sobre o meio ambiente. 

Assim, a logística reversa permite que empresas recuperem materiais e componentes de produtos usados, reintegrando-os à cadeia produtiva, seja para fabricação de novos produtos ou para reciclagem. Na construção civil isso vai além, já que materiais reciclados são um dos futuros possíveis para a construção e a arquitetura. O uso de madeiras, revestimentos e concretos reciclados diminuem os resíduos deixados pelas edificações porque eles são alocados em novos empreendimentos. No Brasil, restos da construção civil podem representar entre 50% e 70% do total dos resíduos sólidos urbanos, de acordo com o Ipea.  

A logística reversa é, portanto, o caminho oposto ao da logística tradicional, que foca apenas na entrega do produto ao consumidor. 

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Reutilização de materiais 

A reutilização de materiais por fabricantes de veículos elétricos é iniciativa recente no âmbito da economia circular, com objetivo de reaproveitar 100% das baterias de lítio aposentadas para uma segunda vida como sistema de armazenamento de energia. Isso pode ser feito por meio de tecnologias já usadas em todo o mundo e que começam a ser aplicadas no Brasil, em pequenos volumes. 

O momento é oportuno, pois a frota brasileira de carros eletrificados tem crescido. Em 2024, foram vendidos 177 mil veículos desse tipo, o que representa alta de 89% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE)

Aproveitando esse potencial na economia circular, existem empresas especializadas em logística reversa e em reciclagem de baterias, as quais têm vida útil entre 8 e 15 anos, a depender de tecnologia, porte do veículo e quantidade de cargas realizadas. É o caso da empresa americana Re-Teck, que recicla baterias e atua no Brasil desde 2016.

Energia renovável 

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Economia circular e energia renovável são conceitos complementares, que visam à sustentabilidade. Assim como as matérias-primas e os produtos são aproveitados da melhor forma possível, a energia renovável é alimentado por fontes renováveis de energia, proveniente de fontes naturais que se regeneram continuamente e não se esgotam, como solar, eólica, hidrelétrica e biomassa, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis, maiores causadores do efeito estufa. 

Por outro lado, a disseminação do uso de energia renovável depende de infraestrutura. No caso de energia hidrelétrica, a construção de usinas pode levar a prejuízos ambientais e sociais significativos, como inundação de áreas, alteração do curso dos rios, interferência na vida aquática, emissão de GEE e deslocamento de populações. Já parques eólicos têm consequências negativas como riscos para a fauna, especialmente aves e morcegos, que podem colidir com as turbinas. A construção também pode causar supressão vegetal e modificação da paisagem, além de gerar ruídos que incomodam a população local. 

O equilíbrio está no planejamento adequado e numa visão sistêmica que leve em conta as diferentes necessidades socioambientais. Estudos de impacto ambiental e diálogo com as comunidades são fundamentais para minimizar esses problemas e garantir o desenvolvimento sustentável, de fato. 

Economia circular: crucial no contexto de aquecimento global

A economia circular é crucial no contexto do aquecimento global porque a forma como produzimos e consumimos bens e serviços é uma das principais causas das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Por adotar reutilização, reciclagem e redução de resíduos sólidos, a economia circular reduz a necessidade de extração de novas matérias-primas e produção intensiva, que são grandes fontes de emissões de GEE, ajudando a mitigar as mudanças climáticas. 

O modelo envolve saber como gerenciamos os recursos, como fabricamos e usamos os produtos e o que fazemos com os materiais posteriormente. Só então podemos alcançar o desenvolvimento sustentável e criar uma economia circular próspera, que pode beneficiar todos dentro dos limites do planeta. É, portanto, um sistema resiliente, que oferece as ferramentas para enfrentar o aquecimento global e a perda de biodiversidade, ao mesmo tempo que atende a importantes necessidades sociais. 

Crescimento deseconômico 

O gerenciamento de recursos focado na sustentabilidade pede uma mudança estrutural e profunda na lógica atual de mercado, focada em um crescimento amparado pela exploração intensa de recursos naturais: é como se não houvesse amanhã; como se o ecossistema fosse ilimitado e pudesse oferecer insumos de forma eterna para as pessoas. 
Nesse contexto, quando a expansão da economia afetar excessivamente o ecossistema, começaremos a sacrificar o capital natural (peixes, minerais, petróleo etc), que vale mais do que o capital criado pelo homem (estradas, fábricas e eletrodomésticos). E isso levará ao que o economista Herman Daly chamou de crescimento deseconômico, produzindo males mais rapidamente do que bens, tornando a população mundial mais pobre, e não mais rica. Assim, desenvolver uma economia sustentável em um ambiente finito exige, urgentemente, novas maneiras de se pensar.

Impactos do aumento da população mundial  

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais da metade da população mundial vive em cidades, e até 2050 cerca de 70% deverão morar em áreas urbanas. Esse fenômeno leva ao aumento de consumo de recursos naturais e de energia, além de elevação na quantidade de resíduos sólidos gerados. Além disso, pressiona os recursos do planeta e amplifica os impactos sobre o meio ambiente, como as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade. Torna, assim, a transição para uma economia circular ainda mais urgente. 

Como o futuro é urbano, as cidades desempenham papel primordial nesse processo, já que são centros de consumo e produção, e, portanto, locais estratégicos para que a economia circular se desenvolva.

No Brasil, cerca de 33,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos gerados foram inadequadamente descartados em 2022, o que representa cerca de 40% de todo o lixo gerado no território. Isso equivale a 11.362 piscinas olímpicas de lixo compactado ou 233 estádios do Maracanã lotados. 

Tendo como destino lixões a céu aberto, valas, terrenos baldios e córregos urbanos, esses resíduos colocam em risco a saúde pública e são uma ameaça direta ao meio ambiente. Além disso, a decomposição de materiais orgânicos produz gás metano, um dos principais gases causadores do efeito estufa, contamina o solo e corpos d’água, além dos impactos sociais decorrentes das condições do trabalho humano.

Pensamento sistêmico sustenta o conceito de economia circular

A economia circular não requer apenas ciclos fechados de materiais e energias renováveis, mas também pensamento sistêmico. Cada ator da economia (empresa, pessoa, entidade) está conectado a outros. Para levar isso em consideração, as consequências de curto e longo prazos devem ser avaliadas nas escolhas, bem como o impacto de toda a cadeia produtiva para o meio ambiente. 

Exemplo concreto está nas pequenas e médias empresas (PMEs), que representam 90% dos negócios globais, segundo o Banco Mundial. Elas precisam ser estimuladas a praticar o pensamento sistêmico em economia circular por meio de estímulos econômicos e suporte consultivo.

Quanto vale a economia circular?

O desperdício de materiais representa perda financeira expressiva em escala global. Segundo estudo da Boston Consulting Group (BCG), a cada ano cerca de US$ 200 bilhões são desperdiçados no mundo em função do descarte inadequado de materiais que poderiam ser reciclados. O cobre representa cerca de US$ 70 bilhões dessa estimativa; o plástico, US$ 50 bilhões. O documento ressalta que “mesmo que consigamos recuperar apenas metade do valor, essas estimativas destacam o potencial comercial da circularidade”. E lembra que ela não é boa apenas para o meio ambiente: “se as empresas conseguirem recolher os resíduos antes que cheguem aos aterros sanitários, isso também é bom para os negócios”. 

Ainda de acordo com o levantamento da BCG, indústrias como as de aço, alumínio e cobre poderão se beneficiar ao reutilizar resíduos. Isso pode proteger essas empresas contra o risco de aumento de preços de sucata e interrupções operacionais, além de gerar economias de custos na ordem de 10% a 15%. O estudo revela que a demanda por sucata de aço deverá aumentar anualmente em 3,3% até 2030, superando a oferta em cerca de 0,3 ponto percentual. 

Além disso, a transição para uma economia circular pode gerar novos empregos em áreas como reciclagem, reparação, design de produtos circulares e tecnologias sustentáveis. 

Alcançar essa transição, no entanto, requer colaboração sem precedentes. Em nível global, o Fórum Econômico Mundial tem iniciativas para incentivar o processo; a mais destacada delas é a Plataforma de Aceleração da Economia Circular (Pace). Lançada em 2018, ela reúne líderes dos setores público e privado para assumirem compromissos e acelerarem ações coletivas em direção à economia circular.

Realidade brasileira

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), seis em cada dez companhias do setor industrial adotam iniciativas para fazer um melhor uso dos recursos. Entre as principais práticas estão: reciclagem de produtos, presente em um terço das empresas; uso de matéria-prima secundária nos processos produtivos (adotado por 30% das empresas); e desenvolvimento de produtos com foco na durabilidade (realizado por 29% das companhias) – iniciativas que criam a cultura da economia circular e podem influenciar outros setores. 

Mas, embora a indústria já tenha incorporado práticas de economia circular em seus processos, ainda há um longo caminho pela frente para que se consiga manter, de forma efetiva, o fluxo circular dos recursos ao longo do tempo, e fora das instalações das empresas, conseguindo aproveitar ao máximo todas as vantagens dessa nova economia.

Matéria originalmente publicada em fevereiro 09/02/2022

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