Fachadas ativas, um impulso à vitalidade das cidades

Solução arquitetônica que instala comércios no térreo de edifícios visam resgatar a cidade para as pessoas.

Por Ana Cecília Panizza em 4 de julho de 2024 6 minutos de leitura

fachadas ativas
Imagem gerada por Inteligência Artificial

Uma cidade viva, colorida, iluminada, em que os pedestres podem realizar atividades do dia a dia em uma mesma região – em um quarteirão, por exemplo. Com isso, conseguem, de forma rápida e prática, comprar em uma farmácia ou loja, tomar um café, usar um serviço, fazer uma refeição. Esse é um dos intuitos das fachadas ativas, que consistem em uma solução arquitetônica – adotada por administrações municipais e pelo mercado imobiliário – que instala, no térreo de edifícios, pontos comerciais com vitrines diretamente abertas para as calçadas. 

Fachadas ativas são mais comuns em prédios residenciais, o que leva o empreendimento a ser de uso misto, mas elas também podem ser adotadas em edifícios comerciais. Para o município e para a população são inúmeras as vantagens desse instrumento, muito presente em grandes cidades do mundo como Paris, Barcelona e Nova Iorque. 

Acolhedor 

fachadas ativas

As fachadas ativas substituem a frieza de muros e grades dos prédios por restaurantes, cafeterias, lojas, livrarias e outros empreendimentos. É, assim, um convite para quem mora no prédio onde fica a fachada ativa ou no entorno – e para quem está de passagem.

A solução arquitetônica viabiliza centros comerciais descentralizados, com menos trânsito e tudo o que a pessoa precisa a uma caminhada de distância, beneficiando especialmente quem anda a pé. Com as fachadas ativas, o pedestre passa a se relacionar diretamente com o entorno urbano e a ter melhor qualidade de vida, além de facilidade e praticidade para consumir produtos e serviços, sem precisar de carro. Isso leva a outras vantagens: menos veículos nas ruas e maior fluxo de pedestres aumentam a sensação de segurança, reforçada pela iluminação proporcionada pelas fachadas ativas. Outro ponto positivo é que elas estimulam caminhadas, ajudando a combater o sedentarismo de quem mora nas cidades. São, assim, espaços acolhedores em contraposição à rigidez dos prédios, estimulando a interação social. 

Leia também: Andar a pé: uma defesa da mobilidade

“A prática do varejo de rua, ao atrair e dinamizar o fluxo de pedestres, potencializa o uso dos espaços públicos da cidade – em especial, a rua. Nesse sentido, o varejo de rua tem um importante papel na qualificação dos espaços públicos da cidade e, consequentemente, na vida cotidiana, principalmente nos grandes centros urbanos”, comenta Larissa Campagner, consultora em Desenvolvimento Urbano e professora doutora e pesquisadora (FAU/Mackenzie) na área de urbanismo, espaços públicos e espaços comerciais. Ela lembra que “diversos autores na área do urbanismo defendem o uso misto de atividades para que a cidade tenha vitalidade, atraindo pessoas e elevando a circulação em diversos dias e horários da semana”. 

larissa campagner
Larissa Campagner, consultora em Desenvolvimento Urbano e professora doutora e pesquisadora (FAU/Mackenzie) na área de urbanismo (Foto: Divulgação)

A renovação da paisagem urbana propiciada pelas fachadas ativas contribui também para a vitalidade econômica da região e para a valorização dos empreendimentos. Além disso, quando se propõe a implementação da fachada ativa no nível da rua, a área de lazer dos empreendimentos, que eram mais comuns no térreo, sobem para a cobertura, melhorando a vista das áreas de lazer, antes entre muros, o que valoriza o empreendimento como um todo. 

O boom das fachadas ativas

Na última década, a capital paulista se destacou em relação ao uso de fachadas ativas, propostas pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) do Município de São Paulo. O documento foi elaborado em 2014 para orientar o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2030 e buscou quebrar paradigmas. Isso porque, até então, a cidade havia privilegiado quem andava de carro. A lógica foi invertida: as propostas do PNE focaram no estímulo ao adensamento populacional perto das estações de metrô e ônibus como forma de incentivar o uso do transporte público e reduzir o de veículos particulares. Regulamentado pela Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) de 2016, mais conhecida como Lei de Zoneamento, o PDE também estimula o uso de fachadas ativas por meio de vantagens oferecidas aos construtores. 

“A cidade de São Paulo já foi uma cidade produzida com uso misto, mas legislações urbanísticas a partir da década de 1970 atrapalharam ou desincentivaram essa tipologia. O Plano de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016 trouxeram acertadamente elementos não só para permitir, mas para incentivar o uso misto da edificação pelas incorporadoras, incluindo as fachadas ativas. O plano trouxe incentivos e não obrigatoriedade de produção das fachadas ativas”, ressalta Larissa. 

Os números mostram que a modalidade tem sido cada vez mais utilizada pelo setor imobiliário na cidade nos últimos anos. Levantamento da plataforma de inteligência Urbit em parceria com a Órulo (empresa de soluções tecnológicas para o mercado imobiliário), publicado no jornal Valor Econômico, mostra que o número de novos projetos com fachada ativa passou de três em 2014 para 68 em 2023, após atingir o pico de 78 em 2022. A pesquisa revela que, entre 2014 e 2023, os bairros com mais lançamentos com fachada ativa foram (em ordem decrescente): Vila Mariana, Perdizes, Jardim Paulista, Pinheiros, Itaim Bibi, Moema, Santo Amaro, Bela Vista, Saúde e Lapa. 

Outro foco do Plano Diretor, o adensamento populacional perto de estações de trens e metrô e de grandes avenidas, levou a um boom de lançamentos de apartamentos compactos, muitos com fachada ativa. Isso resulta em uma verticalização acelerada, que causa problemas ambientais. Cada vez mais altos, os prédios se tornam espécies de quebra-vento porque  interferem na circulação do ar e desviam os ventos da superfície, o que compromete a ventilação ambiente. Além disso, espaços muito verticalizados são propícios para formação de ilhas de calor, que são regiões urbanas mais quentes. No verão, esse fenômeno faz com que a temperatura e a sensação térmica fiquem maiores que o normal. Já no inverno há dificuldade de dispersão desse calor em função das sombras criadas pela enorme quantidade de prédios.

O PNE levou, assim, a transformações urbanas profundas em bairros paulistanos atravessados por eixos de transporte. A Avenida Rebouças, por exemplo, era subutilizada, pois apenas fazia conexão entre o Centro e a Marginal Pinheiros. Hoje o que se vê por lá são construções de novos empreendimentos mistos e pessoas caminhando na calçada em direção a lojas, restaurantes, serviços. 

O Plano Diretor da cidade passou por revisão em 2023. Larissa explica que foram feitos ajustes técnicos quanto ao uso de fachadas ativas, “mas vão no sentido de facilitá-las ainda mais”. Entre as alterações estão a proibição do uso de fachadas ativa para instalação de guarda de bens (conhecidos como self storage) e a permissão para a fachada estar localizada em diferentes andares da edificação, desde que seja garantido acesso da população a todos os níveis. 

Vocação

A arquiteta chama atenção para o fato de que, como é um incentivo vantajoso para o setor imobiliário, “hoje são vistas diversas edificações produzidas com fachadas ativas em locais que não têm vocação comercial, gerando térreos vazios”. Assim, se não houver planejamento, espaços comerciais ficarão de portas fechadas. Portanto, alerta ela, é preciso entender se uma área tem demanda por usos comerciais e quais são eles. Pode ser, por exemplo, que determinado tipo de comércio não funcione sem vagas de garagem por conta dos produtos que vende. Por isso, o empreendedor precisa fazer uma pesquisa de mercado para analisar o potencial e a viabilidade da fachada ativa em um prédio. Nem todo bairro ou térreo de edifício tem circulação de pessoas que justifique a presença de comércio. 

Além desse ponto de atenção, as fachadas ativas podem levar a um problema – o barulho, incomodando moradores de prédios residenciais com comércio no térreo. “Há diversos desafios ligados à tipologia mista com fachada ativa. A lei é bem permissiva quanto às atividades autorizadas. Nesse sentido, cabe aos condomínios – quando possível – trazerem as regras sobre as atividades permitidas nas fachadas ativas de cada edifício”, pontua Larissa. 

Em meio à verticalização que substitui as casas nas grandes cidades, fachadas ativas devolvem os comércios para a rua. São úteis para os pedestres e dão charme, cor e vida para o entorno. Seu uso pode ir além do comercial: por que não implantar, nos térreos dos prédios, marquises que convidam as pessoas para uma pausa e um bate-papo protegido do sol ou da chuva? Os espaços também podem ter obras de arte (esculturas, pinturas, detalhes arquitetônicos) e servirem como áreas de convívio, tais como como pequenas praças, com bancos, para um lugar com mais vida e interação. Ou seja, embora crescente, o uso da solução requer reflexões e aprimoramentos para ela se torne, estrategicamente, instrumento para materializar o conceito de cidades para as pessoas.