Entre prédios e avenidas movimentadas, o calor em São Paulo não atinge todos da mesma forma. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), publicado na “Revista Brasileira de Meteorologia”, mostra que a temperatura pode variar até 4 °C entre localidades da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), dependendo da presença de áreas verdes e do tipo de ocupação do solo. A pesquisa, capitaneada por Pedro Luis Barbosa de Almeida, pesquisador da USP e principal autor do artigo, evidencia como o desenho da cidade, marcado por concreto e pouca vegetação em algumas regiões, amplia do efeito das ilhas de calor e aprofunda desigualdades no conforto térmico da população.
A pesquisa analisou dados de 30 estações meteorológicas da RMSP, monitoradas entre janeiro de 2009 e fevereiro de 2019 pelo Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura de São Paulo. O trabalho cruzou informações climáticas — temperatura do ar, umidade relativa e precipitação — com dados de uso do solo fornecidos pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado.
Bairros paulistanos como Tucuruvi, Mooca, Freguesia do Ó, Jabaquara, Vila Mariana, Sé, Pinheiros, Butantã, Lapa, Pirituba, Tremembé, Penha, Vila Formosa, Anhembi e Vila Prudente estão entre os mais quentes e secos. Nessas regiões, a predominância de áreas construídas e a escassez de vegetação elevam as temperaturas em até 4°C em relação a locais como Capela do Socorro e Riacho Grande (São Bernardo do Campo), mais próximos à zona rural, onde o efeito das ilhas de calor é menor.
Para organizar os padrões, as localidades foram agrupadas em quatro conjuntos, considerando temperatura, umidade, precipitação e uso do solo. Alguns apresentam alta ocupação de edificações, mas variação climática menor; outros, como os bairros Santo Amaro, M’Boi Mirim, São Mateus, São Miguel Paulista e o município de Mauá, têm mais áreas verdes, mas maior oscilação térmica. “De acordo com o estudo, há uma relação entre áreas com menos áreas verdes e maiores picos de intensidade urbana de calor, entre o final da tarde e o começo da noite. Logo, as regiões mais afastadas possuem menos áreas verdes, portanto, isso contribui com o fenômeno”, afirma Almeida.
Embora o estudo não tenha avaliado diretamente impactos em populações vulneráveis, pesquisas anteriores mostram que temperaturas mais altas em áreas urbanas com menor cobertura vegetal aumentam o risco para pessoas em situação de vulnerabilidade.
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Fenômeno das ilhas de calor: desigualdade e planejamento urbano

O fenômeno das ilhas de calor não é apenas meteorológico: é social e político. Almeida explica que a ocupação desordenada do solo, a falta de planejamento urbano de longo prazo e a pressão de grandes empreiteiras contribuem para uma paisagem urbana menos verde e mais quente.
“Existe uma relação de forças dentro da Câmara dos Vereadores, onde se constrói e aprova o Plano Diretor. Ali se define o que pode ser construído e quais os critérios para ocupação do solo. Infelizmente, não há preocupação real com os impactos ambientais”, diz o pesquisador. Almeida critica ainda a influência de interesses econômicos na definição do espaço urbano e a pouca participação da população: “Quem tem poder financeiro acaba definindo como a cidade vai crescer. Falta um rearranjo na estrutura política para que a população participe e seus interesses sejam atendidos. Hoje, políticas como a exigência de áreas verdes, captação de água da chuva ou melhores condições habitacionais simplesmente não acontecem”, ressalta.
Soluções e reflexão para o futuro

Estudos sobre o tema não faltam – tanto no Brasil, quanto em cidades de outros países com padrões urbanos semelhantes. O que falta é vontade política de embasar decisões na ciência e mobilização popular para pressionar mudanças. “O tema de ilhas de calor urbana é um subtema dentro do tema maior de meio ambiente, mas é sentido no dia a dia pela população. É importante abrir a discussão publicamente”, destaca o pesquisador.
As soluções são conhecidas e viáveis: aumento da cobertura vegetal, implementação de telhados verdes, superfícies reflexivas e políticas urbanísticas integradas. O desafio está em transformar essas soluções em regra, não exceção.
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Almeida aponta ainda caminhos para novas pesquisas e debates: “Análises futuras podem incorporar fatores adicionais, como dados socioeconômicos. Além disso, expandir o estudo para outras regiões urbanas do Brasil e do mundo pode aprimorar as comparações e contribuir para o debate sobre mitigação e adaptação às mudanças climáticas em áreas urbanas”, avalia.
Para ele, o direito à sombra e ao conforto térmico é parte do direito à cidade – um direito urbano que depende de políticas públicas consistentes e participação cidadã. “Vamos falar do tema, debater, propor mudanças e entender que cada árvore plantada ou metro quadrado de área verde é investimento em qualidade de vida, saúde e equidade social”, conclui.