Iniciativa Verde Saudita usa árvores para combater a desertificação

Com 2 bilhões de hectares degradados no mundo, programas como a Iniciativa Verde Saudita provam que a recuperação é possível.

Por Nathalia Ribeiro em 19 de fevereiro de 2025 6 minutos de leitura

Iniciativa Verde Saudita
Foto: Reprodução/ Saudi Green Initiatives

Mais de 2 bilhões de hectares de terras em todo o mundo estão degradados, incluindo vastas áreas de terras cultiváveis, que se perderam ao longo do tempo, segundo as Nações Unidas.  Essa perda afeta diretamente a segurança alimentar de metade da população mundial, comprometendo a produção de alimentos essenciais. Além disso, a degradação do solo ameaça a biodiversidade global, destruindo habitats vitais para inúmeras espécies. O problema, porém, não se limita à desertificação. O desmatamento de florestas, que são os principais reservatórios de carbono do planeta, tem impactos profundos no equilíbrio ambiental. Entre os efeitos mais graves estão a alteração dos ciclos da água e o agravamento do aquecimento global.

Apesar da gravidade da degradação ambiental, projetos ambiciosos de reflorestamento estão sendo implementados em algumas das regiões mais afetadas do planeta, trazendo uma nova perspectiva de recuperação. Na Arábia Saudita, onde três quartos das terras cultiváveis já estão degradadas e 60% da população enfrenta escassez de água doce, a situação é crítica. A evaporação das fontes naturais agrava o problema, transformando vastas áreas em desertos. Para combater esses desafios, foi lançada em março de 2021 a Iniciativa Verde Saudita.

O projeto, que busca plantar bilhões de árvores e restaurar milhões de hectares de terras degradadas, já apresenta resultados promissores, reforçando a importância de ações coordenadas para mitigar os impactos da crise climática. 

Iniciativa Verde Saudita une tradição e inovação 

Iniciativa Verde Saudita
Foto: Reprodução/ Saudi Green Initiatives

A Iniciativa Verde Saudita tem objetivos ambiciosos: transformar 30% das terras da Arábia Saudita em reservas naturais, plantar 10 bilhões de árvores e restaurar 40 milhões de hectares de terras degradadas. Como parte desse esforço, o país pretende plantar 400 milhões de árvores até 2030, segundo Khaled Alabdulkader, CEO do Centro Nacional de Desenvolvimento da Cobertura Vegetal e Combate à Desertificação da Arábia Saudita.

A iniciativa, além de buscar soluções inovadoras, valoriza o uso do conhecimento tradicional para lidar com os desafios ambientais. “A Saudi Green Initiative demonstra o imenso potencial do capital cultural e da sabedoria tradicional para o gerenciamento do ambiente natural”, destacou Susan Gardner, Diretora da Divisão de Ecossistemas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ao portal da instituição.

Gardner enfatiza que abordagens baseadas em tradições locais, ajustadas ao contexto específico da região, são fundamentais em áreas como a Arábia Saudita, que enfrenta múltiplos fatores de estresse ambiental, incluindo degradação da terra e desertificação. 

A Iniciativa Verde Saudita renovou o Parque Nacional Thadiq

Abdullah Ibrahim Alissa, gerente do Parque Nacional Thadiq, examina mudas em um viveiro de árvores em uma área desértica no centro da Arábia Saudita que está sendo regenerada (Foto: Duncan Moore/ UNEP)

Os primeiros resultados da Iniciativa Verde Saudita estão trazendo esperança para regiões antes severamente afetadas pela desertificação. No Parque Nacional Thadiq, localizado na província de Riade, a plantação de 250 mil árvores e 1 milhão de arbustos restaurou o habitat natural, permitindo o retorno de aves que haviam abandonado a área devido à degradação ambiental.

Um dos destaques do projeto é a construção de 100 terraços de água murados, estruturados em degraus que descem pelos vales. Esses terraços captam e armazenam a água da chuva, garantindo a sobrevivência das plantas jovens e protegendo os solos produtivos contra a erosão causada pelas fortes chuvas sazonais. “Herdamos os terraços de água de nossos ancestrais há cerca de 400 anos”, explica Alissa, gerente do parque, em entrevista ao portal do PNUMA. “Usamos essa técnica no parque e ela tem sido fundamental para aumentar a água superficial e preservar o solo”. 

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A iniciativa no parque, que adota soluções baseadas na natureza para restaurar terras degradadas, também inclui o cultivo contínuo de árvores em viveiros, com foco em espécies nativas. Esta abordagem, que combina o conhecimento tradicional com práticas modernas de conservação, tem mostrado resultados promissores na recuperação da vegetação e na retenção da água. Alissa expressa otimismo sobre os avanços: “Espero que possamos dobrar nosso trabalho e resultados, aumentando a arborização e replicando esse modelo de sucesso em outras localidades”. 

O desafio de frear a desertificação com uma muralha de árvores

A luta contra a desertificação tem ganhado força com iniciativas que utilizam a vegetação para impedir o avanço dos desertos. Um exemplo desse esforço é o Cinturão Verde da África, inspirado na visão da ativista queniana e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Wangari Maathai. Ela sonhava em plantar uma faixa de árvores para conter a expansão do Saara, o maior deserto quente do mundo. Embora Maathai tenha falecido em 2011, seu legado continua vivo por meio desse mega projeto de reflorestamento que envolve onze países da União Africana.

Viveiro de árvores que faz parte da Grande Muralha Verde (Foto: FAO/ Benedicte Kurzen/ NOOR)

A proposta do Cinturão Verde é criar uma “muralha” de árvores com 8 mil quilômetros de comprimento e 15 quilômetros de largura, estendendo-se pela África de leste a oeste, do Senegal até o Djibuti. A ideia é regenerar vastas áreas de terra e criar um escudo natural contra a desertificação crescente.

Apesar de seus objetivos grandiosos, os resultados até o momento têm sido limitados. Em uma década de trabalho, apenas 40 milhões de árvores foram plantadas, o que representa 4% da área total prevista para o projeto. Além disso, estima-se que entre 20% e 50% dessas árvores não tenham sobrevivido, o que dificulta o alcance das metas estabelecidas.

Ainda assim, o apoio das comunidades locais tem sido fundamental. Os países envolvidos continuam investindo na expansão do projeto, que já conseguiu regenerar cerca de 18 milhões de hectares de terra — o equivalente ao dobro da área de Castela e Leão, na Espanha. 

O primeiro deserto brasileiro? A ameaça da desertificação no sertão nordestino

Iniciativa Verde Saudita
Foto: Thomas/ Adobe Stock

Embora o Brasil nunca tenha sido considerado um país com desertos, uma mudança preocupante está ocorrendo no coração do Sertão nordestino, na região da Caatinga. Conhecida por sua luta constante contra o calor intenso e a seca, a área agora enfrenta uma nova ameaça: a formação do primeiro deserto em território nacional. Esse fenômeno, resultado das mudanças climáticas e da degradação ambiental, tem gerado grande preocupação entre especialistas.

Recentemente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou um relatório que reforça a vulnerabilidade do Brasil ao impacto das mudanças climáticas, especialmente na região semiárida, que abrange o Nordeste e o norte de Minas Gerais. O documento destaca que a região está sofrendo secas mais intensas e temperaturas mais altas do que o habitual. De acordo com os pesquisadores, essas condições estão acelerando o processo de desertificação, que já afeta uma área do tamanho da Inglaterra.

O IPCC prevê que, até a década de 2030, os dias mais quentes no Brasil poderão ter uma temperatura de até duas vezes maior do que a média atual, intensificando ainda mais o calor. Em algumas áreas do Semiárido, as temperaturas podem ultrapassar os 40°C durante o verão, o que coloca em risco a vida humana e os ecossistemas locais.

O cientista do solo Humberto Barbosa, da Universidade Federal de Alagoas, explicou em entrevista à BBC que o aumento das temperaturas pode comprometer a sobrevivência de micro-organismos essenciais para a manutenção das plantas no solo. A desertificação no Semiárido é uma preocupação crescente, mencionada também no relatório do IPCC de 2019, no qual Barbosa coordenou um capítulo sobre a degradação ambiental da região. O estudo apontou que 94% do Semiárido brasileiro está suscetível à desertificação.

A degradação do solo na região é exacerbada não apenas pelas mudanças climáticas, mas também pelo desmatamento da Caatinga, o ecossistema natural do Nordeste. A perda de vegetação contribui para a aceleração da erosão e do processo de desertificação. Com a piora das condições climáticas, os estudiosos alertam que o êxodo de moradores da região em busca de melhores condições de vida tende a se intensificar, especialmente em áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Embora essa desertificação no Nordeste brasileiro represente uma ameaça crescente, a causa não está perdida. Projetos como o Cinturão Verde da África, e a Iniciativa Verde Saudita, oferecem modelos promissores para o combate à desertificação e à degradação ambiental. A experiência do Quênia com o Cinturão Verde já está mostrando resultados, apesar dos desafios, bem como a ação na Árabia Saudita. Esses projetos demonstram que a desertificação não é um destino inevitável, mas um desafio que pode ser enfrentado com planejamento, inovação e ações coordenadas.