Conheça Gabriel Savio, que transformou uma vivência de alagamento na startup que utiliza IA para prever eventos climáticos extremos.
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Redação em 22 de novembro de 2023 5minutos de leitura
Foto: Divulgação
Tudo começou com uma reunião na Faria Lima, na capital paulista, em um dia do verão de 2017 que prometia ser comum. Ao desembarcar do trem, o engenheiro Gabriel Savio foi surpreendido por uma reviravolta atmosférica: uma tempestade gerou um alagamento que bloqueou sua saída da estação. Motos flutuavam e tudo parecia caótico. Enquanto vivenciava aquilo pela primeira vez, Savio imaginou a angústia de quem encara as consequências das mudanças climáticas frequentemente, perdendo tudo e precisando reconstruir suas vidas do zero.
Foi a partir dessa experiência marcante que surgiu a ideia de criar um projeto de impacto. Após algumas conversas com colegas ligados à Defesa Civil, que compartilharam os desafios enfrentados pelo órgão para reagir e lidar com tais ocorrências, nascia a startup Sipremo.
Criada em 2018, a empresa foi uma das 20 startups brasileiras escolhidas em 2021 para apresentar seu modelo de negócio com foco em combater as mudanças climáticas perante líderes, diplomatas, empresários e investidores de todo o mundo, durante a COP26 – a principal conferência da organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Clima.
Em entrevista ao Habitability, ele conta como funciona a tecnologia utilizada pela startup e como ela pode ajudar a reduzir o impacto desses eventos extremos nas cidades e até no campo.
Inteligência Artificial: rede neural que faz previsões
A Sipremo utiliza Inteligência Artificial (IA) para prever onde, quando e quais tipos de eventos climáticos extremos irão ocorrer. Além de antecipar alagamentos, a startup possui a capacidade de prever diversos outros desastres naturais, como deslizamentos, incêndios florestais, infestações de pragas em projetos de reflorestamento e outros eventos similares.
A inovação permite o monitoramento e a previsão com seis horas de antecedência em áreas urbanas. No setor florestal a janela de oportunidade se expande, permitindo a identificação de fenômenos climáticos e o monitoramento de pragas com semanas de antecedência. O objetivo é auxiliar empresas privadas e órgãos públicos na previsão de desastres naturais de modo a facilitar a tomada de decisões eficazes para reduzir o impacto de tais eventos.
Fundamentada em uma rede neural artificial, a IA é inspirada no funcionamento do cérebro humano. O processo é semelhante à forma pela qual os neurônios em um cérebro humano se conectam para gerar insights. “Nós fornecemos uma extensa gama de informações na primeira camada, onde esses dados são recebidos pelos “neurônios” que, por sua vez, estabelecem conexões, ampliando o modelo para realizar previsões”, explica o executivo.
Para alimentar essa primeira camada, a startup coleta milhares de informações de fontes públicas e privadas, como robôs, imagens de satélite e estações de diversos tipos, fornecendo à Inteligência Artificial uma categorização entre informações absolutas e variáveis.
As informações absolutas são aquelas que mudam muito lentamente ou permanecem constantes, como geografia, relevo e topografia. Como sugere o nome, as variáveis são aquelas que estão em constante alteração, como umidade, temperatura e cobertura de nuvens.
Ao disponibilizar esses dados à primeira camada, a Inteligência Artificial realiza conexões complexas, permitindo gerar previsões com uma notável antecedência. Além disso, o fato de a plataforma de IA ser supervisionada, permite-lhe aprender de maneira autônoma à medida que é utilizada, tornando-se progressivamente mais assertiva. “A supervisão possibilita dirigir esse processo de aprendizado, elevando a assertividade de forma mais rápida. Comparada aos modelos meteorológicos estáticos, onde há uma fórmula básica de erre e acerto, que requer um longo processo até qualquer melhoria para resultados mais precisos, nossa abordagem é mais ágil para corrigir problemas”, aponta Savio.
A grande diferença entre a IA e os outros métodos meteorológicos está na capacidade de fazer previsões e conectá-las aos impactos que essas condições climáticas terão nas operações das cidades. “Somos capazes de antecipar alagamentos e deslizamentos em áreas específicas, o que, por si só, representa um avanço, dado que a meteorologia tradicional não fornece tal nível de detalhe. No entanto, não nos limitamos a isso. Também estimamos o número de pessoas afetadas, auxiliando em uma configuração específica e personalizada de equipes e guinchos para uma resposta eficaz à situação”, explicou.
A startup fornece essas informações por meio de um dashboard, API, alertas e também por meio de boletins e relatórios, que são documentos enviados periodicamente para clientes e parceiros para garantir que todos recebam as informações e seja possível agir rapidamente para gerir riscos.
Para Savio, seja em situações envolvendo órgãos públicos ou em cenários empresariais de situações emergenciais, a resposta é geralmente reativa. No entanto, com a aplicação da tecnologia, é possível mudar esse paradigma. “Ao empregar tecnologia avançada, podemos antecipar e prever eventos críticos, virando a chave de uma abordagem reativa para uma proativa. Isso significa que podemos saber antecipadamente quando e onde um evento ocorrerá e entender seu impacto, permitindo que estejamos preparados para lidar de forma inteligente com a situação”, pontua.
Para ele, antecipar-se não é apenas uma medida de precaução, é uma abordagem estratégica para construir cidades sustentáveis diante das mudanças climáticas. A antecipação possibilita a implementação de medidas preventivas e adaptativas.
Comunidades vulneráveis a inundações podem desenvolver infraestruturas resilientes, sistemas de alerta precoce e planos de evacuação. Agricultores podem ajustar seus métodos de cultivo em resposta a projeções de mudanças no padrão de chuvas. Empresas podem adotar práticas sustentáveis e estratégias de gestão de riscos para proteger seus ativos e operações. São ganhos financeiros, sociais e ambientais.
A interrupção de energia elétrica que afetou partes da cidade e região metropolitana de São Paulo no início de novembro, resultando em aproximadamente 120 horas sem luz para os residentes, segundo Savio, poderia ter sido evitada. “Se a concessionária de energia estivesse monitorando ativamente e reunindo informações sobre a probabilidade de impacto em pontos específicos, da mesma forma como fazemos, essa previsão teria oferecido uma valiosa janela de oportunidade para uma resposta eficaz e uma preparação mais sólida para a operação”, afirma.
Mudanças climáticas mais frequentes, desafios mais complexos
Gabriel Savio chama a atenção para o aumento constante de eventos climáticos como chuvas intensas, períodos de seca, deslizamentos e calor extremo. Conforme evidenciado pelo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de eventos climáticos extremos no Brasil registrou um considerável aumento desde 1960 e continua a se intensificar em ritmo acelerado.
A realidade representa um desafio para as previsões meteorológicas. Informações que são consideradas fixas e absolutas agora demandam uma atualização mais frequente, uma vez que eventos como deslizamentos de terra apresentam maior intensidade e impacto do que no passado.
“O que aconteceu recentemente nas cidades do Rio Grande do Sul durante o período seco estava previsto, mas ocorreu com intensidade incomum, algo que não era observado há cerca de 100 anos. Diante disso, desenvolvemos uma linha de trabalho para absorver esse impacto na Inteligência Artificial, pois as características dessas inundações mudaram de forma mais rápida do que o esperado”, destaca Savio.
Este é um trabalho complexo, envolvendo a busca de informações em diferentes fontes, como notícias de portais locais, desenho de mapas e utilização de ferramentas GIS (Sistemas de Informação Geográfica). Esses dados são, então, transformados em informações para manter o sistema da IA atualizado. “Embora tenhamos conseguido resolver isso de forma pontual, a tendência é que esse desafio cresça cada vez mais”, enfatiza.
Construir resiliência climática e implementar medidas proativas terão um impacto substancial nas cidades e no meio ambiente. Considerando esse contexto, o executivo reflete sobre a imperatividade de reformular a abordagem global em relação aos eventos climáticos para salvar vidas. “Nós já temos as ferramentas necessárias para lidar com as consequências daquilo que o homem provocou durante muito tempo, apenas precisamos entender que agora o momento é se preparar e agir e não mais reagir”, conclui.
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