Presentes em 123 dos 193 países do mundo, mangues são protagonistas na biodiversidade e sequestro de carbono, mas sofrem silenciosamente.
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Marcus Lopes em 19 de março de 2024 6minutos de leitura
O movimento “manguebeat” revolucionou a música ao unir elementos da cultura nordestina, como o maracatu, com o rock e a música eletrônica, criando um estilo musical único. A novidade cultural liderada pelo músico Chico Science e a banda Nação Zumbi sacudiu o Recife e logo se espalhou por todo o País nos anos 1990, mas não parou por aí. Os integrantes do “manguebeat” também despertaram a atenção para a preservação ambiental de um dos ecossistemas mais relevantes do país e do mundo: os manguezais.
Extremamente importantes para a biodiversidade do planeta, os manguezais ainda desempenham papel fundamental para as comunidades que habitam essas regiões – cerca de 75% das espécies de valor comercial para a pesca dependem do manguezal em alguma fase do seu desenvolvimento, segundo matéria publicada no Jornal USP – e no desenvolvimento econômico por meio do turismo sustentável. Além da flora e da fauna abrigadas em seus domínios, eles são grandes retentores e armazenadores de carbono, essencial para o equilíbrio ambiental do planeta. O chamado blue carbon, de acordo com os especialistas, tem potencial de retenção de carbono comparável ao das grandes florestas. Segundo artigo publicado na Revista Iberoamericana de Economia Ecológica, os manguezais e seus solos associados poderiam sequestrar cerca de 22,8 milhões de toneladas de carbono por ano.
Outro estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual do Oregon e da Universidade Federal do Espírito Santo em 2018 constatou que, na Amazônia, cada hectare de manguezal contém uma quantidade de carbono duas vezes maior que a mesma área de floresta.
“Se perdermos esses ecossistemas, todo esse carbono vai para atmosfera, contribuindo para o aquecimento global”, explica o biólogo Leandro Tavares de Azevedo Vieira, professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Localizados nas áreas costeiras dos continentes, os manguezais são formados a partir do represamento de correntes lodosas que seguem junto à foz dos rios, lagoas e estuários. No encontro desse lodo abundante em matéria orgânica com as águas salgadas do mar, nasce um ambiente propício ao desenvolvimento de um ecossistema especial que associa plantas e animais com características únicas.
Para se adaptarem em uma área de transição entre o ambiente terrestre e marinho, as plantas de mangues desenvolveram diversas características morfológicas, como raízes suspensas para sobrevivência em locais muito úmidos, folhas duras para resistirem ao lodo e glândulas naturais que eliminam o excesso de sal. A maior parte da fauna é formada por peixes e crustáceos típicos de áreas costeiras, que encontram nesses locais o ambiente ideal para viverem e se reproduzirem.
“Os mangues são importantes berçários da vida marinha. Suas águas calmas e ricas em nutrientes permitem a desova com maior segurança para o desenvolvimento dos filhotes, além de abrigarem variadas espécies de crustáceos e moluscos”, explica o ambientalista José Pedro de Oliveira Costa no livro “Uma História das Florestas Brasileiras”.
O autor também destaca a importância dos mangues para as populações que vivem nesses locais: “os mangues são base importante para a alimentação das populações nativas que formaram vilas de pescadores às fozes dos rios. Terra dos guaiamuns, ostras e mexilhões, atrai aves que se alimentam de sua rica biodiversidade”, completa Oliveira Costa, lembrando que os manguezais se espalham por praticamente todo o litoral brasileiro, do Oiapoque, no Amapá, à cidade de Laguna, em Santa Catarina.
Dados do Instituto Manguezais apontam que, dos 123 países localizados em regiões tropicais e subtropicais que abrigam manguezais, as maiores concentrações estão na Indonésia (21% das áreas totais de mangues do planeta), Brasil (9%) e Austrália (7%).
No Brasil, os manguezais cobrem apenas 0,16% do território brasileiro. Segundo números do “Atlas dos Manguezais do Brasil”, de 2018, a maior parte deles se concentra nas regiões Norte e Nordeste. Os estados do Maranhão, Amapá e Pará abrigam, juntos, 80,2% dos 1,39 milhões de hectares de manguezais espalhados por todo o território nacional. Apenas no Maranhão são 505,4 mil hectares, o que torna o estado campeão em manguezais.
Riqueza e biodiversidade em risco
Sua importância socioambiental, contudo, extrapola os limites de sua extensão territorial. Como acontece em grandes biomas importantes – Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica -, toda essa riqueza corre o risco de desaparecer. Dados do Instituto Manguezais apontam que 25% dos manguezais brasileiros foram destruídos nos últimos cem anos. Outra parte considerável é classificada como vulnerável ou ameaçada de extinção.
Apesar de não haver estimativa exata da extensão original dos mangues, essa cobertura pode ter chegado a 200 mil quilômetros quadrados séculos atrás, dos quais cerca de 50 mil quilômetros quadrados – um quarto da extensão original – foi dizimada por conta da intervenção humana, conforme revelam estudos divulgados pelo Instituto.
A perda não foi por falta de proteção legal. As primeiras normas de preservação foram editadas pela Coroa Portuguesa ainda no século 16. O objetivo era ordenar e regularizar o uso e a exploração de áreas úmidas nas colônias.
De lá para cá, o arcabouço de proteção só foi abalado recentemente, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou três resoluções sobre temas ambientais. Entre elas, uma que tratava da proteção de áreas de mangues, restingas e dunas. Posteriormente, a revogação foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A situação é agravada pelo fato de a destruição dos manguezais ocorrer sem alarde e de maneira quase silenciosa, o que dificulta o engajamento pela proteção e facilita a atuação dos destruidores. É diferente do que acontece na Amazônia ou em outros grandes biomas, como o Cerrado e a Mata Atlântica. Nessas regiões, o processo de devastação provoca amplas repercussões nacional e internacional, em praticamente todos os setores da sociedade.
“A visibilidade no mangue acaba sendo menor porque não é uma área devastada de uma forma muito intensa em curto espaço, como acontece durante uma queimada na Amazônia, por exemplo”, explica Vieira. Segundo ele, a grande pressão exercida sobre os mangues não está relacionada ao agronegócio, e sim à ocupação urbana desordenada que avança sobre as áreas protegidas.
“Há muita construção de casas e condomínios, o que prejudica muito todo o ecossistema”, explica o professor do Mackenzie. Outro problema, diz o acadêmico, é o acúmulo de lixo que chega do mar ou das áreas ocupadas de maneira irregular. “Isso acaba se refletindo na reprodução dos peixes e crustáceos”, diz Vieira, para quem o caminho da proteção está na criação de mais unidades de conservação, dotadas de apoio técnico e combate à devastação e pesca predatória.
O consultor e ambientalista Fabio Feldman segue na mesma linha. “É necessário fazer muito pela preservação dos manguezais. Eles estão protegidos legalmente, mas sofrem com a fragilidade do poder público na área ambiental e, infelizmente, estão sendo destruídos pela expansão urbana e aterramentos”, diz ele, que também lamenta o desconhecimento da sociedade em relação à importância ambiental e cultural dos manguezais.
Deputado federal por três mandatos consecutivos e secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo nos anos 1990, Feldman destaca o papel dos manguezais no processo de mudanças climáticas enfrentado pelo planeta. “Com as mudanças climáticas em curso, a preservação dos manguezais ganha ainda maior relevância. Eles são estratégicos na mitigação dos efeitos dos desastres naturais”, explica o consultor.
Como mostra o Instituto Manguezais, eles são como “cinturão verde e um escoador de carbono que protege zonas costeiras de desastres naturais, como tsunamis, ciclones e erosão, resultantes do aumento do nível do mar”, além de fornecerem um conjunto de serviços culturais, ecológicos, de regulação e suporte que incluem:
Habitat para uma ampla gama de organismos (berçário para a fauna aquática);
Sequestro de carbono e regulação climática;
Proteção e estabilização da linha de costa e filtragem de água;
Recreação, ecoturismo e oportunidades educacionais.
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