Mercado de carbono: baleias, guardiãs do céu no mar

Projeto canadense visa explorar o potencial das baleias no sequestro de carbono. Cada animal pode armazenar até 33 toneladas de carbono, um ativo estimado em US$ 3 milhões.

Por Redação em 7 de março de 2024 5 minutos de leitura

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O mercado de carbono, um mecanismo global utilizado para compensar as emissões de gases de efeito estufa, está prestes a receber uma inovação. Enquanto projetos de conservação florestal e investimentos em energias renováveis têm sido os principais geradores de créditos de carbono até agora, uma empresa canadense está se destacando ao promover a proteção das baleias como uma fonte inusitada desses créditos. 

O The Whale Carbon Plus, da Whale Seeker, tem como objetivo revolucionar a compreensão sobre o papel das baleias na mitigação das mudanças climáticas. Utilizando tecnologia avançada de sensoriamento remoto, o projeto visa monitorar de perto a quantidade de CO2 que cada baleia é capaz de retirar da atmosfera ao longo de sua vida. 

A iniciativa ganha ainda mais relevância sob a luz do relatório de 2019 do Fundo Monetário Internacional, que revela que cada animal pode armazenar até 33 toneladas de carbono em seus músculos e gordura. Em comparação, uma árvore retém em média 21 quilos de carbono por ano.

O armazenamento de carbono nas baleias é um fenômeno duradouro, com o elemento retido em seus corpos durante séculos. Mesmo após a morte natural de uma baleia, sua carcaça afunda para o fundo do mar, mantendo o carbono aprisionado dentro dela, contribuindo assim para a remoção de CO2 da atmosfera.

Além disso, as baleias desempenham outra função para os oceanos: seus excrementos fornecem nutrientes para o crescimento do fitoplâncton. Esses microorganismos aquáticos, responsáveis pela fotossíntese, são considerados alguns dos maiores capturadores de CO2 no oceano.

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Créditos de carbono no mar

The Whale Carbon Plus tem como foco central a utilização de Inteligência artificial para coletar dados e identificar baleias em imagens aéreas do oceano, o que permite estimar a quantidade de CO2 capturado por esses animais. A tecnologia também é capaz de monitorar as populações de fitoplâncton na água, fornecendo uma visão abrangente da saúde dos ecossistemas marinhos.

O principal objetivo do projeto é a comercialização de créditos de carbono para empresas e organizações que excedam os limites de emissão de gases estufa. No entanto, são estabelecidos rigorosos critérios para a realização das transações. Além do compromisso com a redução das emissões de CO2, os potenciais compradores devem demonstrar avanços concretos em iniciativas de ESG (governança ambiental, social e corporativa) e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas, além de investimentos diretos em causas ambientais.

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Os recursos obtidos com a venda dos créditos de carbono serão direcionados para uma série de projetos de conservação marinha, realocação de gastos governamentais e fortalecimento da resiliência local.

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No momento, o projeto está em fase de testes dedicada a aprimorar seu sistema de monitoramento e quantificação do carbono capturado pelas baleias. Esse estágio experimental está ocorrendo na região ártica do Canadá, onde estão concentrando seus esforços no estudo dos narvais, uma espécie de baleia reconhecida por suas presas longas e distintivas. A expectativa é de que, até este ano de 2024, os dados relativos aos créditos de carbono gerados sejam disponibilizados para as indústrias marinhas. 

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Baleias como guardiãs do carbono azul

baleias como guardias do carbono azul

Enquanto as discussões sobre a captura de carbono muitas vezes se concentram em florestas e reflorestamento, que não devem ser suficientes para o marco do carbono zero, as baleias desempenham um papel fundamental no que os cientistas chamam de “carbono azul”. Estimam-se que 30 milhões de toneladas de carbono estejam armazenadas nesses ecossistemas marinhos, segundo um estudo publicado na revista científica Nature, em 2021.

Segundo a Fundação de Justiça Ambiental do Reino Unido, mais da metade do carbono biológico do mundo é capturado por animais e plantas oceânicas. Isso inclui não apenas as baleias, mas uma variedade de organismos marinhos que são importantes para a regulação do ciclo do carbono. Outro relatório publicado pelo Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano apontou que as soluções de captura de carbono baseadas em sistemas oceânicos e costeiros têm o potencial de armazenar até 11 bilhões de toneladas de CO2 até 2050. 

Mas para isso, é necessário preservar. O projeto The Whale Carbon Plus dedica também esforços à proteção das baleias, uma vez que esses animais foram severamente impactados pela caça comercial, especialmente nos séculos 17 e 19, o que os deixou à beira da extinção. Um exemplo disso é a baleia-franca (Eubalena australis), cuja população chegou a ser reduzida em cerca de 97% entre 1670 e 1830.

Foi apenas a partir do meio do século 20 que houve uma mudança significativa no cenário da exploração das baleias. Com o avanço da exploração de petróleo e a fundação da Comissão Internacional das Baleias em 1946, cujo objetivo era regulamentar a caça desses animais em nível global, o ritmo da predação às baleias foi reduzido. Um marco importante ocorreu em 1987, com a promulgação da Lei dos Cetáceos, que proibiu a pesca desses animais em águas brasileiras. 

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Baleias são ativos ambientais na economia do carbono

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Imagem gerada por inteligência artificial

Para muitos especialistas, estabelecer as baleias como um ativo com base em carbono implica uma série de desafios complexos. Em entrevista ao Financial Times, Connel Fullenkamp, ​​professor de economia na Universidade Duke, na Carolina do Norte, disse que, em primeiro lugar, é necessário atribuir um valor monetário preciso às baleias e aos serviços que oferecem, o que envolve quantificar minuciosamente seu impacto no ciclo do carbono. 

Connel Fullenkamp, em parceria com Ralph Chami, economista e co-fundador da consultoria ambiental Blue Green Future, estima o valor aproximado de uma grande baleia entre US$ 2,5 milhões e US$ 3 milhões ao longo de sua vida útil de 60 anos. Essa estimativa leva em consideração o carbono absorvido pelo fitoplâncton que as baleias ajudam a produzir, além das 33 toneladas de dióxido de carbono que sequestram em seus corpos. 

Em segundo lugar, o projeto envolve a questão complexa da atribuição de propriedade aos animais, especialmente para criaturas migratórias que atravessam várias fronteiras. Terceiro, qualquer produto financeiro resultante precisaria ser verificado e auditado de forma independente.

Os investidores, sejam eles indivíduos ou instituições, comprariam notas ou obrigações, com dividendos pagos na forma de créditos de carbono em vez de dinheiro. Uma parte dos rendimentos seria destinada a restaurar a população de grandes baleias, incluindo a baleia azul, que atualmente compreende cerca de um milhão de animais, para os estimados 4 milhões a 5 milhões que habitavam os oceanos antes da caça industrial. Fullenkamp enfatiza que o esforço vale a pena, e que se governos, economistas e ambientalistas unirem esforços, poderá surgir uma nova classe de ativos da qual as receitas poderão fluir.

No entanto, para ele, é crucial garantir que o dinheiro seja realmente utilizado para salvar os animais. O sucesso depende não apenas da viabilidade econômica, mas também da integridade e transparência na gestão dos recursos destinados à preservação das baleias e dos ecossistemas marinhos como um todo.