Paulo Tavares: cidade é direito, arquitetura é advocacia
Um dos ganhadores da Bienal de Arquitetura de Veneza, Paulo Tavares fala sobre a arquitetura como garantia de dignidade e sustentabilidade.
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Camila de Lira em 31 de julho de 2023 3minutos de leitura
Paulo Tavares (Foto: Gabriel Ribeiro)
Além de formas e cores, a arquitetura é uma maneira de concretizar o direito à moradia. Assim, o arquiteto é muito mais “advogado” do que imagina. Essa é a visão do arquiteto e pesquisador Paulo Tavares, um dos brasileiros vencedores da Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano.
“Se a cidade é um direito, a arquitetura é uma forma de advocacia desses direitos. Sou a favor de uma arquitetura militante”, afirma Tavares. Para ele, o profissional que se volta a pensar na habitação em seu sentido mais pleno acaba enxergando as disciplinas do planejamento como forma de proteger aqueles que mais precisam ter os direitos garantidos.
Nesse sentido, construir e planejar moradias e cidades é se voltar para a dignidade das pessoas. “A moradia não é apenas o teto, é a cidade. É o direito à cidade, morar com acesso a lugares, ter condições de se transportar. O morar é mais amplo, se tratam de direitos que constituem a vida humana na sociedade urbanizada”, aponta Paulo.
Pesquisador e autor de obras como “Des-Habitat” (2019), Tavares acredita que os movimentos sociais ajudaram a construir cidades melhores para todos. “A Carmem Silva [líder do Movimento Sem-Teto do Centro de São Paulo] é uma das maiores urbanistas do país”, atesta.
O projeto Terra
Junto de Gabriela de Matos, Tavares foi vencedor do Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, marcando a primeira conquista brasileira. O prêmio veio para o pavilhão emblemático chamado “projeto Terra”, onde Tavares e Gabriela se debruçaram sobre o futuro ancestral, trazendo para cena os processos construtivos dos povos originários e da população negra no Brasil.
O pavilhão mostra uma série de patrimônios memoriais, tradições e conhecimentos ancestrais que, quando colocados à luz do caos climático, são vistos como inovadores. A chamada “arquitetura da terra” conta com tecnologias futurísticas – porém ancestrais.
Técnicas como agroflorestas e uso de materiais naturais para construção já eram velhas conhecidas dos povos originários e, hoje em dia, se mostram como vanguarda da arquitetura.
Existe uma urgência contemporânea para táticas como essa. “São práticas espaciais que, agora, são vistas como essenciais para combater o caos climático”, fala Tavares. Para fazer o pavilhão, Gabriela e Tavares tiveram colaboração de grupos indígenas, como os povos Mbya-Guarani, Tukano, Arawak e Maku, além das tecelãs do Alaká.
O trabalho em conjunto com indígenas faz parte da obra de Tavares. Em 2018, o arquiteto apresentou o projeto “Memória da Terra”, onde documentava o processo de deslocamento forçado dos índios Xavante do Mato Grosso. A pesquisa também criou um mapeamento das arqueologias e cidades ancestrais do grupo originário na área de Marãiwatsédé.
Paulo Tavares: saber originário e de-colonial
Logo na entrada do Pavilhão, Tavares e Gabriela construíram gradis com o símbolo sankofa – pertencente a um sistema de escrita africano denominado Adinkra, dos povos acã da África ocidental. O desenho é aquela clássica flor de metal vista em portões de casas pelo Brasil todo. Um dos significados de Sankofa é exatamente “olhar para o conhecimento de nossos antepassados em busca de construir um futuro melhor“.
“Para uma caminhada para o futuro, a arquitetura tem que lidar com dois aspectos: a justiça social e a mudança climática”, aponta o pesquisador. “Quando se fala em futuro das cidades, a questão mais urgente relacionada à crise ecológica é a mudança climática. A gente sabe que as cidades, principalmente as do eixo sul, serão drasticamente atingidas”, aponta Tavares. Cientistas apontam que países como Chade, Somália e Afeganistão serão os mais afetados pelo aumento da temperatura no mundo.
Uma das formas de reagir à devastação está em olhar para o que os povos originários têm a ensinar, fala Paulo. “A questão do futuro está relacionado à reparação histórica, à reparação de processos de origem colonial. A colonização foi uma ‘despossessão’ de povos e comunidades pelo mundo e acabou gerando uma extrema desigualdade social”, acrescenta.
Tavares coordena a agência autonoma, que trabalha na intersecção entre espaço, mídia e direitos. A ideia é operacionalizar as ferramentas de design usados para a reparação sócio-espacial e ambiental. Para fazer a reparação, o primeiro passo é admitir que existe conhecimento e tecnologia naquilo que não foi feito na Europa ou nos Estados Unidos. E que existe um saber além do que está nos livros e é propagado pela Academia. “Não há receita para descolonizar a arquitetura. Não tem um caminho dado, não é um mapa. É, sobretudo, uma prática constante, vigilante, que tem na liderança os povos originários, de matriz africana, os corpos dissidentes”.
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