2030 está logo aí. Como está o ODS 11, da ONU?

Relatório mostra temas em que o Brasil e os demais países avançaram – ou não – nesse objetivo que almeja cidades mais sustentáveis, com metas até 2030 em áreas como habitação e transporte

Por Ana Cecília Panizza em 3 de março de 2025 11 minutos de leitura

Foto: Adobe Stock/ Halfpoint

Estamos em 2025. Em 2030 vencerá o prazo estabelecido para a concretização dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordo global capitaneado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que elenca as principais ações para superar grandes problemas enfrentados pela população mundial. Um deles, o de número 11 – Cidades e comunidades sustentáveis, traz especificamente os desafios a serem enfrentados para que as cidades se tornem mais sustentáveis, inclusivas, seguras e resilientes.

O ODS 11 é respaldado por sete metas e três submetas, entre elas: garantia de habitação e transporte seguros e a preço acessível, urbanização inclusiva e sustentável, espaços públicos seguros, inclusivos e verdes. Também estão na lista proteger as pessoas em situação de vulnerabilidade e reduzir prejuízos ambientais. A apenas 5 anos do prazo final, qual a expectativa de sucesso das cidades para esse objetivo? Essa é a resposta que o Relatório de Desenvolvimento Sustentável, da ONG Sustainable Development Solutions Network, tenta demonstrar, como uma espécie de radar.

O Radar dos ODS

A classificação geral dos países em relação ao atingimento dos 17 ODS é representada em uma escala de pontuação que vai de zero a 100. O Brasil soma 73.8 pontos, o que o coloca em 52º lugar no ranking geral, entre Macedônia (51º) e Israel (53º). Os resultados são avaliados por meio de cinco cores diferentes, sendo: 

  • Vermelho: grandes desafios.  
  • Laranja: desafios significativos. 
  • Amarelo: desafios permanecem. 
  • Verde: ODS alcançado.
  • Cinza: dados não disponíveis,  ou seja, o país não passou as informações solicitadas.  

Além da classificação da pontuação, o radar também sinaliza a tendência futura do país em relação à cada ODS por meio de setas em quatro diferentes cores (e um círculo cinza em caso de dados indisponíveis). São elas:

  • Vermelha: desempenho com tendência de piora.
  • Laranja: estagnação.
  • Amarela: melhorando moderadamente.
  • Verde: no caminho certo ou mantendo a realização dos ODS.

Cores do Brasil

Para o ODS 11, o relatório da ONG Sustainable Development Solutions Network avalia quatro categorias. Em cada uma delas constam a pontuação atingida pelo país e sua respectiva avaliação, o ano em que as informações foram levantadas e a tendência:

  1. Proporção da população urbana que vive em favelas;
  2. Concentração anual de PM2,5 – partícula inalável ultrafina que pode penetrar profundamente nos pulmões, causando doenças respiratórias;
  3. Acesso à água tratada e;
  4. População com acesso a transporte público.

Na categoria “Proporção da população urbana que vive em favelas”, o Brasil ficou com apenas 14.9 pontos, com uma avaliação de que os desafios permanecem. Os dados são de 2016 e não foi possível traçar uma tendência por falta de informação mais atualizada.  

A mesma pontuação foi obtida na categoria “Concentração anual de PM2,5”, mas com uma avaliação um pouco melhor – de progresso moderado – embora a tendência seja de estagnação. As informações são de 2002. 

No outro extremo estão as categorias “população com acesso a transporte público” e “acesso a água tratada”, ambos com avaliação verde, ou seja, ODS alcançado. No primeiro caso, com informações de 2020, foram 86 pontos e não há tendência por falta de dados. Já o acesso a água tratada é o maior destaque do País, com 99.8 pontos e tendência verde, com dados de 2022.

Leia também: Avanços e desafios: um retrato do saneamento básico no Brasil

Relatório Luz

Um outro documento, o 8º Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável – Brasil, apresentado em 2024, mostra de forma mais aprofundada o desempenho do País em cada uma das 17 ODS. O relatório foi elaborado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, articulação que reúne 59 ONGs, movimentos sociais, fóruns, redes, fundações e federações. Fundado em 2014, atua junto a todos os níveis de governo e o organismos internacionais para a erradicação das desigualdades e a promoção de direitos, sempre considerando as perspectivas de gênero, raça/etnia, geografia, idade, vivência com ou sem deficiência e classe.

O documento destaca “o contexto de maior tensionamento global e de policrise com a perda acelerada da biodiversidade, emergência climática, disrupções econômicas e guerras que fragilizam ainda mais o sistema multilateral, denunciando incapacidades e/ou desinteresse das lideranças mundiais em adotarem soluções que, efetivamente, nos aproximem das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.

Segundo o relatório, na América Latina apenas 22% das metas dos ODS estão em progresso satisfatório e o Brasil se destaca como uma promessa incumprida. Em 2023, 58 (34,52%) das 1.685 metas tiveram progresso insuficiente e 13 metas (7,73%) apresentaram progresso satisfatório. “(…) o cenário não é de avanço: ele indica que, numa velocidade aquém da necessária, o País tenta recuperar o que perdeu e foi destruído. É grave que 40 metas retrocederam ou se mantiveram em retrocesso (23,8%), que 43 (25,59%) seguiram estagnadas; com 10 (5,95%) delas ameaçadas e com 4 (2,38%) sem dados para avaliação”. 

ODS 11 sob a luz do Relatório Luz

No ODS 11, o documento considera sete metas e três submetas para 2030. Destas, houve progresso em seis metas, com a recriação do Ministério das Cidades e a estruturação das secretarias nacionais de Habitação e de Periferias. “Pautas do planejamento urbano ganharam nova dimensão territorial, com a Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano, a retomada do Conselho Nacional das Cidades e a estruturação dos processos da Conferência Nacional das Cidades”, diz o documento. “Apesar de serem necessários orçamentos maiores, foi possível verificar avanços nos programas habitacionais, nos processos participativos e nos investimentos para as famílias de menor renda, que aumentaram a capacidade de atendimento, corrigindo equívocos das versões anteriores do Programa Minha Casa, Minha Vida”. Veja um resumo do desempenho em cada meta a seguir.

Meta 11.1

Garantir o acesso de todos à habitação (segura, adequada e a preço acessível) e a serviços básicos. Urbanização de favelas.

Foto: Adobe Stock/ (JLco) Julia Amaral

Após quatro anos de retrocessos, a meta 11.1 teve progresso, mas insuficiente, pois “mesmo com maior investimento em habitação, 1.887 conflitos fundiários foram mapeados e 1.422.676 pessoas sofreram ameaças de despejo, das quais 265.960 foram despejadas”. Ainda segundo o material, o déficit habitacional no Brasil é de 6,21 milhões de domicílios, e 26,5 milhões de residências são inadequadas estruturalmente (41,2% do total de moradias no país). Outras 3,18 milhões (4,9%) possuem inadequação fundiária. Por outro lado, em 2024 foi editado decreto para cessão de imóveis da União sem uso para projetos de moradia, cujos resultados serão analisados no próximo relatório.

Meta 11.2

Implantar sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço justo, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão dos transportes públicos, com especial atenção para necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos.

Foto: Adobe Stock/ Brastock

Após três anos de retrocesso, houve um progresso insuficiente em relação à meta 11.2: “pouco avançou a propositura de tarifa zero na Câmara, e o Executivo também não vem dando nenhuma prioridade a essa pauta”. 

Meta 11.3

Aumentar a urbanização inclusiva e sustentável e as capacidades para planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis.

Visita da Caravana das Periferias no Trecho 2 da favela Sol Nascente, no DF (Foto: Leandro Vaz/ Ministério das Cidades)

A mesma avaliação se dá quanto à meta 11.3. Por outro lado, o documento lembra que em 2023 foram retomados os trabalhos do Conselho Nacional das Cidades para estruturar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. E que foram realizados: a 6ª Conferência Nacional das Cidades; o projeto Caravana das Periferias (para analisar necessidades e características das localidades); e o Prêmio Periferia Viva, que reconheceu 54 experiências no País. Cita também o Mapa das Periferias, plataforma interativa para reunir dados sobre as comunidades urbanas e favelas com objetivo de embasar políticas públicas.

Meta 11.4

Proteger e salvaguardar o patrimônio cultural e natural. 

Foto: Adobe Stock/ Ekaterina Belova

Já a meta 11.4 estagnou após dois anos de retrocessos. “Não há um Programa nem planejamento estratégico atualizado para proteger e preservar o patrimônio histórico, cultural e natural no Brasil. Investimentos e contratação de projetos estão há anos estagnados e não passam de 0,01% do Orçamento da União”, frisa o relatório.  

Meta 11.5

Reduzir significativamente os números de mortes e de pessoas afetadas por catástrofes e diminuir as perdas econômicas diretas causadas por elas em relação ao PIB global, incluindo desastres relacionados à água, com foco em proteger os pobres e as pessoas em situação de vulnerabilidade.

Foto: Adobe Stock/ wildarun

A crise climática agrava problemas históricos dos setores empobrecidos do País, como habitação em locais de risco e sujeitos a enchentes, alagamentos e enxurradas, cenário que fez a meta 11.5 permanecer em retrocesso pelo quarto ano seguido. “Pessoas negras são as mais afetadas pelos desastres que vivemos e viveremos. Apesar de a dotação orçamentária para o programa Gestão de Riscos e Desastres ter sido cerca de 30% maior em 2023 do que em 2022, apenas 16% foi executado”.

Leia também: Como levar o debate sobre a crise climática para a periferia?

Meta 11.6

Reduzir o impacto ambiental negativo per capita das cidades, inclusive prestando especial atenção à qualidade do ar e à gestão de resíduos. 

Foto: Adobe Stock/ EMANUEL

No Brasil, 38,9% da deposição final de resíduos sólidos ainda era inadequada em agosto de 2024. Apenas 2.585 cidades possuíam Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos em 2022, e o País ainda não tem sistema de monitoramento da qualidade do ar nas cidades. Por outro lado, a Política Nacional de Qualidade do Ar foi aprovada no Legislativo e sancionada em maio de 2024, não sendo suficiente para que o desempenho do País em relação à meta saísse do estado de estagnação.

Leia também: Melhores e piores cidades em qualidade do ar no mundo

Meta 11.7

Proporcionar espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência.

Foto: Adobe Stock/ Vergani Fotografia

Pelo quinto ano, houve retrocesso em relação a essa meta. Segundo o documento, não há dados sobre a proporção de espaços públicos nas cidades abertos para uso de todos e o planejamento urbano ainda não tem um programa específico para atendimento aos grupos em situação de vulnerabilidade, apesar da criação da Secretaria Nacional de Periferias. “No geral as cidades seguem hostis às mulheres, às pessoas idosas ou com deficiência, às crianças e à população negra. A política urbana reduzida à segurança pública, o racismo ambiental e medidas de gentrificação reforçam a exclusão da população negra do direito à cidade e a criminalização racista. Só 32 municípios brasileiros têm certificação da Rede Global da Organização Mundial de Saúde (OMS) como Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas Idosas. A acessibilidade não é realidade nem mesmo em todos os órgãos públicos para assegurar os direitos dos 18,6 milhões de pessoas com deficiência”. 

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Metas 11 a, b, c

Meta 11.a: apoiar relações econômicas, sociais e ambientais positivas entre áreas urbanas, periurbanas e rurais, reforçando os planejamentos nacional e regional de desenvolvimento.

Meta 11.b: aumentar o número de cidades e assentamentos humanos adotando e implementando políticas e planos integrados para inclusão, eficiência dos recursos, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além de realizar o gerenciamento holístico do risco de desastres em todos os níveis (essa meta tinha como prazo o ano de 2020).  

Meta 11.c: apoiar os países menos desenvolvidos, inclusive por meio de assistências técnica e financeira, para construções sustentáveis e resilientes, utilizando materiais locais.

As submetas 11.a e 11.b estão em retrocesso. “Desde o último Relatório Luz, a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) e o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas (PNA) não avançam”. Acerca da 11.b, o Executivo federal incluiu cidades e comunidades resilientes como eixo de investimento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC ou PAC 3) com a promessa de R$ 609,7 bilhões no total, sendo R$ 557,1 bilhões até 2026. A maior parte dos recursos é para continuidade de obras em andamento, ou seleção, via editais, para novos empreendimentos. A fase de planejamento faz com que a meta seja avaliada como progresso insuficiente, pois ainda não é possível avaliar seus resultados. Já a meta 11.c não conta com dados disponíveis para avaliação, informa o relatório

ODS: eurocentrados

Marcus Nakagawa, coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), avalia que os ODS são, antes de tudo, aspiracionais. “No momento em que isso foi desenhado, em 2015, era uma temática aspiracional. E, mais do que isso, os ODS são uma forma padronizada de mensurar indicadores. Muitos indicadores estavam ligados ao desenvolvimento econômico e não tinham uma padronização na área social, na área ambiental e assim por diante. Eles vêm exatamente ao encontro de uma evolução, de um olhar global e de vários desafios do mundo para que possam incluir indicadores com uma dimensão mais global e em cima dos grandes desafios e problemas do mundo”. 

Marcus Nakagawa (Foto: Divulgação/ ESPM)

Ele chama atenção para a necessidade de construção de dados, pois muitos países têm pontuação baixa por não ter a mensuração de informações necessárias. Além disso, pontua o professor, “existe uma discussão científica de que os ODS são muito eurocentrados, não levam em consideração os países abaixo do da Linha do Equador e os países de cultura asiática, que têm outros problemas e desafios”. 

Especificamente o ODS 11, é, para ele, um dos mais complexos e desafiadores, pois ele pode ser a base de todos os outros, já que está ligado a comunidades e cidades sustentáveis, o que pode levar a maioria da população das cidades a ter serviços básicos. “São temas bem complexos e uma das grandes dificuldades e desafios desse ODS é a gestão, que passa por uma questão governamental, por meio dos prefeitos, dos órgãos legislativos, da cidade. Isso vai variar em cada país, obviamente, mas também passa pelos vários stakeholders que estão nas cidades, que são as organizações sem fins de lucro, as comunidades, as associações de bairro, enfim, é um pluralismo de stakeholders, cada um com o seu interesse. Se implantado nas cidades, de forma eficaz, o ODS 11 vai ser implementado dentro dos processos dos outros ODSs”.

Radar do ODS 11: barra desenhada 

Para o professor, as metas do ODS 11 são teóricas, uma barra desenhada a partir de um pensamento de países desenvolvidos. “É uma boa barra, porque você tem que ter um parâmetro, uma base de comparação. Mas, obviamente, se você chega em um país do continente africano, com guerra civil, com questões básicas de fome, de não governabilidade, de não democracia, ou que você vai falar de ODS para eles? Então, para alguns vai ficar mais difícil”. 

Toda conversa global é difícil

Como tornar os ODS menos eurocêntricos e mais plurais já foi bastante discutido na academia. “A gente precisa ter uma base, um começo. Sinto que a gente vai evoluindo a discussão, e a discussão dentro do que a gente tem hoje é a ONU. Toda conversa global é difícil, toda conversa de culturas diferentes é difícil. Se você mora em prédio, em condomínio de casas, todo mundo vai querer puxar para o seu lado, uma vez que o individualismo cada vez mais é uma cultura predominante. O coletivismo não é bom para o capitalismo, para vender os produtos, serviços e assim por diante. Então, essa conversa global vai continuar na ONU, mas com spin-offs, a exemplo das COPs (Conferências das Partes), voltadas para debater medidas para diminuir a emissão de gases do efeito estufa e encontrar soluções para os problemas ambientais do planeta. A COP 30 no Brasil, em Belém, é uma spin-off da ONU só para falar sobre carbono, frisa o professor. 

ODS em casa 

“Deveríamos fazer os ODS em nossa casa, nosso condomínio, nosso bairro. Da subprefeitura para a cidade, da cidade para o Estado, e assim por diante. Não adianta falar que é o Estado, a cidade, o país. No fim do dia, são pessoas governando, são pessoas com cultura, com conhecimento. O que a gente tem, infelizmente, é desconhecimento porque falta educação para a sustentabilidade, trazer a sustentabilidade para o dia a dia, entender o desenvolvimento sustentável como uma questão básica dos seres humanos, não uma coisa que é só para o país rico. E colocar isso como base para as políticas públicas, para os negócios, para as empresas; na educação infantil, acadêmica, escolar e assim por diante. Tomara que caminhemos para isso”, finaliza Nakagawa. 

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