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Renascimento subaquático e a transformação dos recifes de corais
Das águas de Mnemba à preservação dos recifes brasileiros, a recuperação dos corais reflete um esforço global para proteger a biodiversidade.
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Redação em 26 de setembro de 2024 6minutos de leitura
Foto: Denis Belitsky/ Shutterstock
Imagine mergulhar nas profundezas do oceano e se deparar com tartarugas e estrelas-do-mar, mas ao se aproximar, perceber que essas formas são, na verdade, estruturas de aço projetadas para regenerar recifes de corais. Essa é a realidade na Ilha de Mnemba, em Zanzibar. Como parte de um projeto de recuperação de corais, essas estruturas metálicas foram instaladas sobre os recifes naturais, servindo como suporte para o crescimento de corais cultivados em viveiros submarinos. Três anos após o início do projeto, aproximadamente 80% da cobertura de coral foi recuperada.
O recife de Mnemba, que historicamente se estende por 7 km, é conhecido mundialmente por sua rica biodiversidade marinha. No entanto, o aumento da temperatura dos oceanos tem provocado o branqueamento dos corais, um fenômeno que coloca em risco a sobrevivência desses ecossistemas. Além disso, a prática de pesca predatória, como a pesca submarina e o uso de explosivos, tem acelerado a degradação desse habitat natural, agravando ainda mais a situação.
Para enfrentar esses desafios, o governo de Zanzibar, em parceria com as organizações &Beyond e African Foundation, lançou um projeto focado na conservação e restauração do recife de Mnemba. A iniciativa busca não apenas proteger o ecossistema marinho local, mas também redesenhar a relação das comunidades com a pesca e o turismo, promovendo um modelo de desenvolvimento sustentável.
Recifes de corais em perigo
Com o aumento da temperatura da água do mar além dos níveis naturais, os corais entram em um estado de “estresse”. Isso faz com que expulsem as algas coloridas que habitam seu interior e são fundamentais para sua sobrevivência. Essas algas, conhecidas como zooxantelas, fornecem nutrientes essenciais para os corais através da fotossíntese, além de darem a eles suas cores vibrantes. Sem essa relação simbiótica, os corais perdem tanto os nutrientes quanto sua coloração, resultando no processo de branqueamento – um sinal claro de que o coral está em perigo e de que, se as condições não melhorarem, a morte do coral pode ser inevitável.
Além das mudanças climáticas, a atividade humana intensifica os problemas enfrentados pelos recifes de Mnemba. A pesca invasiva, uma prática comum na região, afeta diretamente a vida marinha local. Muitos pescadores, buscando sustento em meio à escassez de recursos, chegaram a usar métodos destrutivos como a pesca com dinamite, que destrói grande parte do habitat marinho, incluindo os corais.
Para agravar ainda mais a situação, o aumento do turismo desregulado, com mergulhadores e barcos turísticos que não seguem protocolos de conservação, tem contribuído para os danos ao ecossistema. O contato direto com os corais, o uso inadequado de âncoras e a poluição causada por essas atividades acabam por intensificar e acelerar o processo depredatório.
Projeto restaura os recifes de corais de Mnemba
As estruturas de aço construídas no formato de tartarugas e estrelas-do-mar representam a fauna típica da região. Instaladas diretamente sobre os recifes já existentes, elas funcionam como suporte para o plantio de corais cultivados. “É como se eles tivessem crescido sozinhos”, afirma o especialista em conservação Hija Uledi em entrevista à BBC. “Restauramos o recife e não se observa diferença em relação ao recife natural. Agora, existem peixes ali. O trabalho é genial e podemos observar muitas espécies.”
Camilla Floros, diretora de programas e principal cientista da organização Oceanos Sem Fronteiras, ressalta que o plano de restauração em andamento prioriza o uso de materiais naturais do recife. Ela explica que a utilização de materiais inadequados pode trazer efeitos adversos para os recifes artificiais. “No início dos projetos de recifes artificiais, muitas vezes eram utilizados materiais incorretos, como pneus, o que não é a abordagem adequada”, destaca Floros. Ela esclarece que, no projeto atual, estão sendo utilizadas rochas de coral natural nos locais de transplante dos corais recém-cultivados.
Os pesquisadores que participam do projeto ressaltam que o envolvimento das comunidades locais é fundamental para o sucesso das iniciativas de regeneração. Antes de dar início às atividades, eles consultaram a comunidade e buscaram a aprovação de todos, garantindo assim maior eficácia nos resultados.
Proteção além da restauração
Restaurar um recife de coral envolve mais do que apenas replantar corais. É necessário também controlar atividades como a pesca e o turismo, que podem causar danos ao ecossistema. Mnemba é um exemplo claro disso. De acordo com o coordenador da Fundação África Zanzibar, Bakari Jaha, a região enfrentava uma pressão intensa do turismo, com cerca de 200 barcos transportando mais de 400 pessoas em uma área de apenas 200 metros quadrados. A ação conjunta entre o governo, a &Beyond e a African Foundation limitou o número de turistas a 80 por dia, com o objetivo de preservar a área.
Além da restrição no número de visitantes, houve um reajuste na taxa de visitação. Anteriormente, cada pessoa pagava US$ 3 (aproximadamente R$ 16) para explorar o recife. Esse valor foi aumentado para US$ 25 (cerca de R$ 134), uma medida que, segundo Jaha, ajudou na preservação ambiental e aumentou a receita gerada pelo turismo sustentável.
Outro ponto crítico abordado foi a pesca. Práticas ilegais, como o uso de explosivos, haviam se tornado comuns e contribuíam para a destruição do recife. A pesca foi suspensa nas áreas de restauração, permitindo uma recuperação mais eficaz do ecossistema. As práticas ilegais diminuíram e os pescadores agora têm mais conhecimento sobre métodos de pesca sustentável, o que contribui para a regeneração do recife e a manutenção da biodiversidade.
Brasil também adota projetos de preservação
A preservação dos corais é uma preocupação global, e o Brasil não está fora desse debate. Assim como ocorre em Mnemba, na Tanzânia, onde esforços coordenados entre governos, ONGs e comunidades locais vêm mostrando resultados promissores na restauração dos recifes, o Brasil também enfrenta desafios similares em relação à conservação desses ecossistemas marinhos.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pela Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) revelou que os recifes brasileiros formam um único e extenso ecossistema marinho, que se estende da Guiana Francesa até o Sudeste do Brasil, cobrindo quase 4 mil quilômetros. Esse sistema é comparável em tamanho à Grande Barreira de Corais da Austrália e à Barreira Mesoamericana no Caribe. Além da faixa costeira, o Brasil possui bancos de corais em ilhas oceânicas, como o Atol das Rocas e Fernando de Noronha.
Com toda essa extensão, diversas iniciativas estão em andamento para preservar os recifes de corais. Um exemplo é o Projeto Coralizar, que atua na região de Porto de Galinhas, em Pernambuco. Criado pelo WWF-Brasil e apoiado pelo Instituto Neoenergia, o projeto é executado pelo Instituto Nautilus e pela Biofábrica de Corais, com a colaboração da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Lançado em 2019, o Coralizar já estabeleceu dezenas de berçários na área e recuperou mais de 2,5 mil corais. Recentemente, o projeto expandiu suas atividades para Tamandaré, também em Pernambuco. Seu principal objetivo é desenvolver técnicas de restauração de corais em grande escala e de maneira sustentável. Até 2021, algumas espécies de corais no litoral pernambucano sofreram mais de 70% de mortalidade ou doenças, causadas tanto pelo aquecimento global quanto pelo derramamento de óleo que atingiu a costa entre 2019 e 2020, segundo o WWF.
Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou uma chamada permanente para projetos voltados à preservação de corais, com um investimento mínimo de R$ 60 milhões. Na prática, isso significa que o banco destinará R$ 30 milhões para iniciativas de monitoramento, preservação e recuperação de corais. Os outros R$ 30 milhões deverão ser captados pelos projetos por meio de parcerias com fundações de empresas privadas, organismos internacionais e governos estaduais.
A proteção e a recuperação dos corais são fundamentais para a saúde dos oceanos e para a manutenção da biodiversidade marinha. O sucesso desses esforços depende da colaboração entre governos, organizações não governamentais, comunidades locais e o setor privado, garantindo que os recifes de corais permaneçam vibrantes e resilientes para as futuras gerações.
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