A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) reúne quase 60 empresas associadas, entre as quais estão as maiores incorporadoras do país. Isso, na visão do presidente da entidade, Luiz Antonio França, permite a estruturação de propostas amplas, capazes de propor avanços plurais para o mercado. “Reunimos as principais cabeças dos setor imobiliário e contamos com pesquisas independentes e imparciais, realizadas por institutos contratados, para basear as nossas ações”, diz ele nesta entrevista, cedida com exclusividade ao Habitability.
Nesse contexto, o executivo mostra que o avanço das habitações de baixa renda influencia positivamente na melhoria das cidades, bairros e regiões, promovendo o futuro do habitar. Ele também defende que a burocracia encarece e atrapalha o desenvolvimento do setor. Acompanhe.
Como a Abrainc atua para promover o futuro do habitar no Brasil?
Luiz Antonio França – O nosso objetivo é trabalhar para que os processos transcorram com maior velocidade no Brasil e assim possam atacar de forma mais estruturada o grande problema do déficit habitacional. A burocracia, segundo uma pesquisa que encomendamos, pode custar até 10% do valor de um imóvel. Isso mostra por que precisamos desburocratizar o país e tornar o mercado mais ágil, em todos os pilares. Quando falamos de imóveis, estamos falando de pessoas que vão adquiri-los e isso precisa ocorrer com rapidez, segurança e praticidade.
Precisamos evoluir para patamares de alguns países, como os Estados Unidos, onde, se a pessoa for comprar um imóvel à vista, ela não precisa fazer nada pessoalmente. É possível concluir todo o processo por um smartphone e a parte física fica a cargo do engenheiro, que tem a responsabilidade de garantir a segurança e os pré-requisitos técnicos do imóvel.
Isso influencia o avanço imobiliário de forma diferente em alguns setores da sociedade?
Luiz Antonio França – Sim, e por isso temos um olhar mais atento ao comprador de baixa renda, pois a compra de um imóvel representa a sua inclusão e ascensão social. Precisamos dar condições para que cada vez mais pessoas possam adquirir o seu imóvel próprio. Não estamos falando em doação, mas sim em benefícios que viabilizam que as famílias de baixa renda paguem pelo seu imóvel. Geralmente, os bancos financiam com parcelas que comprometem até 30% da renda familiar. Essa é uma proporção representativa na renda de qualquer família, mas nas de baixa renda, ela nem sempre é suficiente para cobrir o valor das parcelas. Quando proporcionamos que seja, criamos o orgulho da conquista, do senso de propriedade. Isso contribui para a ascensão das famílias, afinal, quando as pessoas se sentem seguras com a moradia, elas passam a se preocupar e investir em outros avanços, como estudos.
Há um levantamento da Organização das Nações Unidas mostrando que, quando se investe em habitação social, melhoram-se as condições de segurança, saúde e educação na cidade, pois esses empreendimentos costumam aproximar as pessoas dos centros urbanos, onde estão as escolas, os hospitais e as delegacias.
A habitabilidade é a condição digna de morar. E isso tem duas vertentes: ter onde morar e morar bem.
A falta de proximidade de alguns empreendimentos dos centros urbanos foi uma questão bastante debatida nos últimos anos…
Luiz Antonio França – Essa questão está ligada ao custo dos terrenos nas grandes cidades. Por isso é importante pontuarmos que o Brasil não é feito só de metrópoles. Temos inúmeras cidades médias para investir. No interior de São Paulo, por exemplo, é possível construir inúmeros empreendimentos de interesse social próximos aos centros das cidades, onde há infraestrutura de transportes, esgoto, telecomunicações e energia.
Como você conceitua a habitabilidade?
Luiz Antonio França – A habitabilidade é a condição digna de morar. E isso tem duas vertentes: ter onde morar e morar bem. E isso não depende exclusivamente de tornar as pessoas proprietárias dos imóveis. Prover moradia, por vezes, pode ser tão eficiente como proporcionar a posse. A Abrainc tem estudos que mostram a viabilidade do aluguel social, por exemplo. Mas, novamente, há entraves e, nesse caso, o principal deles é a alta taxa de juros no Brasil. O aluguel social demanda algum subsídio, que costuma ser viabilizado com a compra de títulos dos empreendimentos, o que só se torna eficaz para o investidor quando se tem estabilidade de juros.
Falando em mercado, pode explicar o cenário dos incorporadores e como a Abrainc atua nesse sentido?
Luiz Antonio França – Falei no início que um dos nossos principais direcionamentos é a moradia de interesse social e isso está totalmente ligado ao nosso outro ponto de vista forte, que é o incorporador. No Brasil, há uma indústria enorme acerca do setor imobiliário, muitas vezes nas quais os advogados, cientes da dificuldade que a burocratização impõe, ficam na porta das repartições, à espreita das oportunidades que são geradas pela burocracia. Esse tipo de sistema aumenta o custo da transação, o custo do imóvel e o patamar de custos do setor imobiliário. No final da cadeia, quem paga por isso é o comprador. Então atuamos para tornar a indústria mais saudável, de modo que a entrega de bons produtos [imóveis] não fique à mercê de discussões burocráticas, o que atrapalha principalmente as famílias de baixa renda.
Pode dar mais detalhes de como a burocracia atrapalha o desenvolvimento do mercado?
Luiz Antonio França – Para todo tipo de imóvel, mas principalmente no de baixa renda, que geralmente é construído em grandes volumes [muitas unidades habitacionais], o incorporador pode otimizar as construções com materiais fabricados fora do canteiro de obras, o que agiliza e reduz custos da construção. Ocorre que no Brasil, a fabricação fora do canteiro de obras incide mais impostos, o que muitas vezes inviabiliza o processo. Então, quando falamos de melhorar o ambiente de negócios, falamos também de uma carga tributária justa, que viabilize o avanço do mercado para reduzir os custos da construção e, paralelamente, reduzir o custo do imóvel. Esse cenário, novamente, afeta mais a população de baixa renda.
Além disso, o encarecimento da construção por conta de entraves burocráticos prejudica o avanço tecnológico, pois reduz o poder de investimento do incorporador em projetos de pesquisa e desenvolvimento, na aquisição de maquinários e materiais mais eficientes.
Os empreendimentos de interesse social ajudam a valorizar localidades sim e, cada vez mais, devem incorporar preceitos sustentáveis.
Você entende que a inclusão habitacional influencia na melhoria de qualidade das cidades, dos bairros e regiões?
Luiz Antonio França – Avaliando algumas localizações antes e depois dos empreendimentos de habitação de interesse social nota-se uma diferença muito grande de desenvolvimento. Resumidamente, posso dizer que antes dos empreendimentos faltava vida a esses locais. Eles eram compostos de terrenos descampados e às vezes galpões industriais e logísticos. Depois dos empreendimentos se tornaram bairros, com comércio, atividades ao ar livre, com malhas de transporte coletivo e outros desenvolvimentos. Então entendemos que os empreendimentos de interesse social ajudam a valorizar localidades sim e, cada vez mais, devem incorporar preceitos sustentáveis que vão desde a coleta e tratamento de esgotos até espaços verdes e o incremento de mobilidade urbana não poluente.
Como os novos profissionais podem atuar para promover essas melhorias em prol do futuro do habitar?
Luiz Antonio França – O melhor indicativo é que nós, do setor imobiliário, sempre vamos trabalhar para alguém e, para isso, precisamos conhecer as necessidades das pessoas que irão habitar o lugar que estamos construindo. Quando entendemos isso, fazemos projetos adequados. Há alguns anos, conversei com o arquiteto que projetou as calçadas de Manhattan, em Nova York. Ele me disse que “a prancheta e o computador foram o que menos importaram para o projeto”. A base dele foi a observação, avaliando como as pessoas andavam pelas calçadas, se estavam sozinhas, com carrinho de bebê, em cadeiras de rodas, se deixavam as suas bicicletas estacionadas nos postes… A partir daí, ele definiu a largura das calçadas, o tipo de piso, os pontos de estacionamento para as bikes, a baixa declividade para cadeirantes, etc.
Essa experiência mostra que o bom urbanista é o que olha para o futuro, mas não abandona os hábitos da população de cada região.
Você pode nos contar o histórico da Abrainc e como ela está estruturada para as promoções comentadas nesta entrevista?
Luiz Antonio França – A Abrainc é um caso interessante que mostra exatamente a diferença de uma associação para um sindicato. Nos sindicatos, as empresas pagam uma taxa mensal, geralmente baixa, e pouco participam. Aqui é diferente: nós reunimos as principais incorporadoras do país, que atuam na construção de imóveis de baixa, média e alta renda, para agir em prol do desenvolvimento do setor. Atuamos a nível nacional e contamos com a participação ativa desses empresários. É muito importante contar com a experiência dos presidentes e principais lideranças das empresas para discutir assuntos em colegiados que nos permitam avaliar questões por uma ótica ampla, que direciona os trabalhos para, de fato, melhorarmos a atividade do mercado imobiliário brasileiro. Contamos hoje com quase 60 associados, reunindo as cabeças que mais entendem do setor no país.
Temos um corpo técnico muito especializado, de pessoas competentes que ajudam no encaminhamento das nossas propostas. E costumamos propor baseados em dados. Por isso, contratamos frequentemente institutos de pesquisas como a Fipe e a FGV para desenvolver determinado tema com imparcialidade e, assim, elucidar questões em âmbitos municipais, estaduais e federal. Isso nos permite propor soluções que são realmente as melhores para o país, e não somente para determinados grupos.