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Crescer sem expandir é o desafio das capitais brasileiras, diz Washington Fajardo
Secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro Washington Fajardo fala sobre os projetos para transformar a capital em cidade modelo.
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Camila de Lira em 24 de fevereiro de 2022 10minutos de leitura
Os desafios de tornar o Rio de Janeiro uma cidade mais sustentável são incontáveis, porém mensuráveis. Afinal, são 163 bairros, 33 regiões administrativas, 9 subprefeituras, 1,2 milhões de quilômetros quadrados e um pouco mais de 6,3 milhões de pessoas. “Não podemos começar a cidade do zero, temos que pegar uma cidade que já existe, que já está toda esparramada e compactá-la”, diz o Secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, Washington Fajardo, em entrevista ao Habitability.
Para ele, que vê no aproveitamento das potencialidades e no conceito de cidade compacta um caminho para a revitalização da região central, o futuro das cidades passa por crescer sem, necessariamente, expandir, aproveitando melhor os espaços existentes por meio de obras de reconversão, análise de dados e tecnologia. Temas que já são o foco da gestão de Fajardo no Planejamento Urbano do Rio, com projetos como Reviver Rio, que visa revitalizar áreas do centro histórico da capital fluminense, e o Favelas 4D, uma análise morfológica da Rocinha – a maior favela do Brasil – feita por meio de tecnologia doMassachusetts Institute of Technology(MIT) com o objetivo de facilitar o levantamento de necessidades e problemas de infraestrutura. A tecnologia, aliás, é, para ele, importante instrumento para criar um “Rio Model”, um modelo de urbanismo para o século 21. Confira a entrevista completa a seguir.
Qual o principal pilar do planejamento urbano e que que está sendo colocado em prática no Rio de Janeiro?
Washington Fajardo – O primeiro ponto que olhamos são as cidades compactas. A gente precisa aprender a fazer cidades mais compactas no Brasil, já que uma cidade mais adensada tem um impacto ambiental positivo. Ela faz com que os deslocamentos das pessoas sejam menores, consequentemente, reduzindo a emissão de gases. Além disso, uma cidade compacta aproxima mais as pessoas e aumenta o contato delas com a diversidade. Faz com que as pessoas a compartilhem mais, com impacto no acesso a oportunidades, tanto pelo lado individual, como também no lado da administração pública, que ganha mais eficiência. Um exemplo aconteceu na vacinação contra a Covid-19: as cidades mais densas conseguiram ótimas respostas, exatamente porque as pessoas estavam mais próximas dos postos de saúde.
As cidades compactas têm muitos benefícios do ponto de vista da interação social. Só que não podemos começar a cidade do zero, temos que pegar uma cidade que já existe, que já está toda esparramada e compactá-la.
Temos que aprender a lidar com os processos de transformação urbana, ou seja, com o sistema do planejamento urbano, as normativas e as regulamentações, porque não é fácil mudar essa carga inercial das cidades que estão se esparramando.
Quais as ações da prefeitura do Rio de Janeiro para tornar a cidade mais “compacta”?
Washington Fajardo – A ideia da cidade compacta está expressa no programa Reviver Centro e também para o que estamos propondo no novo Plano Diretor da cidade. Além disso, estamos propondo novas legislações para incentivar o retrofit [reconversão de prédios], porque se vamos morar de forma mais compacta, então tem que ser mais fácil reformar o que já existe, em vez que construir do zero. Esse é um dos motivos pelos quais as cidades cresceram muito no Brasil: ainda temos políticas e recursos públicos que acabam estimulando o espalhamento das cidades. Temos que começar a mudar isso.
Quais são os pontos que o planejador urbano precisa observar para criar uma cidade mais sustentável e que prioriza o conceito de “cidades de 15 minutos”?
Washington Fajardo – Para fazer a ideia acontecer você precisa olhar bem para dois pontos: onde está a mobilidade urbana e onde estão as oportunidades. Dois pontos importantes são os espaços de concentração de trabalho e emprego; e a mobilidade. No Rio, os empregos e os negócios ainda estão concentrados na área central. Em São Paulo, por exemplo, é diferente. São Paulo talvez seja a única cidade do Brasil que tem a possibilidade de ter mais de um centro econômico, a cidade tem três centralidades econômicas relevantes.
O lugar onde se concentra a atividade econômica está associado à mobilidade urbana. Por isso é importante que a gente consiga adensar a cidade, especialmente para juntar aos pontos de transporte de alta capacidade. Alguns bairros do Rio de Janeiro ficaram densos e depois chegou o metrô, que é o caso da Zona Sul. Mas tem alguns bairros da Zona Norte que foram se formando por causa da linha do trem, então eles nunca receberam uma legislação que estimulasse o adensamento. Em alguns bairros você tem estações de trem históricas, que estão há 20 minutos do centro, mas o bairro ao redor está cheio de ruínas e com o comércio pouco movimentado. A gente precisa fazer com que esse solo urbano possa realizar todo o seu potencial. E isso tem muito a ver com a regulamentação. Porque as prefeituras têm medo do adensamento ou medo da verticalização, e isso aparece em alguns detalhes na regulamentação. Por exemplo, exigir recuo frontal de muitos metros para produzir ruas mais largas do que as calçadas para dar espaço para o carro circular. Toda legislação tem um componente cultural, o que significa que temos leis que regem as cidades que representam pensamentos antigos, quando a sustentabilidade, por exemplo, não era nem tema de discussão. Então é necessário mudar esse tipo de regulamentação para poder ajudar a criar cidades mais preparadas para o futuro.
Não faz sentido que as nossas áreas centrais estejam tão vazias. São as áreas onde estão os prédios mais bonitos, o melhor espaço público, os espaços culturais mais interessantes e a sociedade brasileira não mora mais nesses espaços.
Onde entra a tecnologia nessa triangulação entre setor público, sociedade civil e planejamento urbano?
Washington Fajardo – A tecnologia é um terceiro lado que precisa sempre ser olhado [pelas prefeituras]. É preciso entender quais são as ofertas tecnológicas e como aplicá-las. O desafio de trazer pessoas para voltar a morar no centro do Rio de Janeiro, por exemplo, passa pela infraestrutura de conectividade. Como a gente pode repovoar o Centro se não é oferecido sistema de wi-fi na região? São poucas as empresas que oferecem. Então, de fato, você precisa entrar no detalhe, identificar os problemas, e entender como a tecnologia se encaixa.
E para identificar esses problemas a tecnologia tem um papel fundamental. É preciso ter uma leitura de dados sobre a cidade, para que ela ajude a fazer esse planejamento. No passado, a gente fazia planejamento urbano baseado no Censo. Hoje em dia, nem o IBGE está conseguindo fazer o Censo. A cada 10 anos, as pesquisas eram atualizadas. Mas uma empresa de viagens por aplicativos hoje em dia está gerando e analisando um volume de dados fenomenal diariamente. Entretanto, o setor público ainda não consegue receber, tratar e analisar esses dados da mesma maneira e na mesma agilidade. Os apps de entrega sabem o que as pessoas pedem de comida, existem dados sobre o sistema de bikeshare… todas essas informações são importantes para as cidades, porque mostram como está a mobilidade em tempo real e ajuda a reformular o planejamento e tomar decisões que representam melhor a realidade. Existe um ritmo diferente entre o poder público e a sociedade civil. A sociedade civil está pegando carros em aplicativo, alugando apartamento online, e o setor público não consegue oferecer os serviços da mesma forma. O setor público fica para trás e isso tem um impacto político, que é um ponto interessante: as pessoas começam a achar que, porque não anda na mesma rapidez do setor privado ou das exigências da sociedade civil, o setor público “não serve para nada”.
O que o Rio de Janeiro está fazendo para diminuir essa “ponte”?
Washington Fajardo – A forma de diminuir essa assimetria no caso do planejamento urbano é expor e falar sobre as ações. Precisa ter muita transparência nesse processo. Um exemplo é que tanto o plano diretor, quanto os projetos do Reviver Centro, estão em uma plataforma web aberta, que reúne todo o histórico de decisões, o conteúdo da lei e as documentações. A sociedade quer resolver as coisas pelo celular, não faz sentido fazer com que eles viessem no nosso espaço físico para discutir o futuro do planejamento do Rio de Janeiro. O ambiente digital abre espaço para novas formas de colaboração e participação, tanto que foram mais de 8 mil pessoas participando e 40 contribuições diretas da sociedade civil na lei do Reviver Centro.
Também criamos uma réplica digital em 3D do centro do Rio de Janeiro pela qual é possível fazer o acompanhamento do projeto, saber quais prédios foram liberados na legislação de retrofit e como a região pode ser mudada.
A Aliança CentroRio teve inspiração nos Business Improvement Districts, que são geridos em parceria entre a iniciativa privada e o setor público para dar novos significados para áreas “esquecidas” da cidade. Em um sentido mais amplo, qual o papel do poder privado na transformação positiva das cidades?
Washington Fajardo – A cidade é produzida por um esforço conjunto e randômico. Não é apenas o poder público que controla. O planejamento Urbano da cidade é importante, mas uma cidade é uma das coisas mais complexas que a humanidade inventou.
As forças orientam a sociedade. O setor imobiliário, por exemplo, tem muita força econômica. Ele orienta a sociedade. A sociedade também consegue orientar o debate quando vai para rua e exige mudanças. Para haver transformação, é preciso ouvir todo mundo, todos os setores. Algumas narrativas são construídas em torno desse maniqueísmo [setor privado x setor público], mas não é assim que acontece. Não é um contra o outro, é um contando com o outro e cada um com seu grau de responsabilidade sobre os efeitos na cidade.
Nos Estados Unidos, estão crescendo os movimentos de “Not in my Backyard”, que são os moradores de bairros reclamando de mudanças que acontecem por ali. Muitas vezes são adaptações necessárias para tornar o espaço urbano mais sustentável e adensado. Isso também ocorre quando há resistência na mudança de prédios históricos. Como um planejador urbano que está liderando um projeto de retrofit de uma das regiões mais cheias de história do Brasil lida com isso?
Washington Fajardo – A cidade nunca está pronta. Ela está sempre em transformação. E não é incomum que as pessoas fiquem avessas à transformação. Especialmente em áreas que atingem certos status social. A chave para se combater esse pensamento é a comunicação. O “Not in my Backyard” é a antítese da ideia de cidade.
Obviamente, não vou dizer para essas pessoas que elas estão erradas. Nem dá para argumentar usando essa justificativa, porque elas estão defendendo algo que elas entendem que mantém a qualidade de vida delas. O desafio é explicar que a dinâmica das cidades é outra. Precisa mostrar que há impacto negativo quando as pessoas querem se fechar em suas bolhas. Não adianta se fechar na ilha de interesses e achar que tudo na cidade corre bem porque no seu bairro você está protegido, porque, na verdade, o barco está afundando.
No caso do patrimônio nas áreas centrais de várias cidades brasileiras, e também do Rio de Janeiro, os edifícios estão subutilizados ou mal conservados. Então, a proposta de trazer mais pessoas para morar no centro gera uma reação negativa. O principal argumento é “ah, mas vão destruir o patrimônio!”. Poxa, o patrimônio está se esvaziando, é melhor deixar ele assim?
Falar sobre revitalizar espaços centrais também é falar sobre gentrificação. Atualmente, a palavra é usada de forma negativa, em referência ao processo de tornar os espaços, que antes eram populares, mais elitizados e inacessíveis. Qual sua visão sobre o tema?
Washington Fajardo – A gentrificação é um processo, na verdade, de criação de vitalidade. Mas é um pouco complexo. Quando o bairro fica “bom”, quando ele atinge um status-quo social, a demanda pelo lugar aumenta e o preço sobe, fazendo com que poucos possam entrar. Isso pode parecer positivo, porque indica que o lugar está enriquecendo, mas tem riscos, especialmente quando vai se perdendo a diversidade humana do espaço. Isso tem consequência na formação dos negócios e na inovação, porque a gente precisa da fricção entre pessoas diferentes para inovar.
Esse é um problema que de fato acontece. Entretanto, é sempre melhor lidar com os problemas da vitalidade do que os problemas da degradação.Ter uma área urbana sem vitalidade, faz com que ela perca valor e vá se degradando, o que leva a um processo de morte urbana. É sempre melhor olhar para os processos que criam vitalidade urbana, mesmo ele tendo desafios, porque eles criam mais oportunidades.
No lugar de discutir sobre gentrificação, a gente deveria estar preocupado em como proteger a comunidade local durante esse processo de vitalidade. Garantir que ela possa seguir tendo acesso aos empregos que serão criados ali ou que ela mesma se torne empreendedora local. Isso passa por microcrédito para abrir os negócios, por uma série de tecnologias para combater o processo.
O Favelas 4D, realizado em colaboração com o MIT, mapeou a favela da Rocinha com sensores, o que permitiu a criação de um digital twin, ou seja, um mapa digital com dados em tempo real. Como esse projeto pode ajudar a Prefeitura a pensar em políticas de infraestrutura para as favelas do Rio de Janeiro?
Washington Fajardo – A história do urbanismo foi muito impactada pelo cinema e pela fotografia. A gente acha que a cidade é um processo só econômico, mas, em geral, a cidade é um processo de criar comunicação e tem muito a ver com storytelling. E como criar um storytelling hoje em dia, se não por dados e tecnologia? O trabalho foi desenvolvido com essas premissas, e o MIT ficou interessado. Quando entrei na prefeitura, trouxe a inovação para dentro e estamos trabalhando para escalar.
A gente erra muito quando não tem dados de qualidade, ficamos sujeitos a ideologias. Quando comecei a pesquisa, pensei em uma forma de criar uma base digital com dados de alta precisão para entender a realidade e achar mais soluções. Falar em big data sobre as favelas é entender que cada casa ali é uma singularidade. É diferente do que acontece com áreas reguladas, que têm padrão de espaço, métrica e um coeficiente compartilhado de racionalidade. A partir dos dados de informação da sua região, sobre sua rua ou sobre o tamanho do seu apartamento, é possível entender bastante sobre você. A gente não consegue fazer isso na favela, porque cada casa é de um jeito. Para criar esse big data, é preciso primeiro resolver um problema matemático: cada casa informal é única, mas para entendermos no geral, é preciso que haja um registro e índices de comparação. No digital twin poderemos, por exemplo, registrar a casa usando processos de blockchain e, assim, acelerar o processo de regularização fundiária. O digital Twin possibilita estabelecer coordenadas, com altura de cada porta, de cada casa, e isso cria um endereço digital mais eficiente até do que os endereços clássicos. Além disso, esses dados ajudam na obra porque é possível fazer projetos mais customizados e construir de maneira mais adequada.
O que significa o “Rio Model”?
Washington Fajardo – Se fala muito sobre Medellín como um modelo social interessante, mas que não consegue ser replicado para fora desta cidade. Quando o Rio de Janeiro fez o “Favela-Bairro” nos anos 1990, ele foi replicado em vários lugares do mundo. Mas estagnou. Então a ideia com o Favelas 4D é criar um modelo mais ancorado em tecnologia. Ele não responde tudo, quero deixar claro, mas dá bases para construir conhecimento para ser replicado e usado em todos os espaços, e não apenas no Rio de Janeiro.
Como você imagina o Rio de Janeiro em 2050?
Washington Fajardo – Espero ver uma cidade com menos desigualdades, que aprendeu a crescer sem expandir, mais compacta. Uma cidade que cresce por meio da reforma, do retrofit, sabendo criar programas de locação social, sabendo construir bem e usar os espaços públicos com qualidade. O retrofit, inclusive, precisa ser mais falado hoje em dia. Vários estudos mostram que quando o edifício é recuperado, ele tem uma pegada menor de carbono. Uma construção leva 80 anos para zerar a pegada de carbono e um edifício reformado não. Então é uma forma de se fazer um urbanismo ecológico.
Já a ideia da compactação tem muito a ver com transformar a cidade em um lugar viável para nossa espécie, porque se a gente continuar produzindo esse urbanismo da expansão, construindo projetos habitacionais sem controle nas bordas da cidade, forçando a população a usar mais veículos para se desligar, estamos perpetuando uma cidade mais poluente.
Precisamos melhorar o quadro de impacto ambiental porque o “bicho vai pegar”. Então precisamos de soluções para continuar existindo no Planeta. Precisamos criar um urbanismo baseado em vida.
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