Capital Mundial do Design destaca o ser humano no centro

Cidades fronteiriças San Diego e Tijuana destacaram-se pelos projetos que buscam melhorar condições de suas populações, ressaltando o lado pragmático do design.

Por Ana Cecília Panizza em 28 de janeiro de 2025 5 minutos de leitura

Capital Mundial do Design
Exchange Pavilion - World Design Capital San Diego-Tijuana 2024 (Foto: Roaming Panda Photos/ Shutterstock)

San Diego e Tijuana receberam, pela primeira vez de forma compartilhada, o título de Capital Mundial do Design 2024-2026. A estrela que rendeu o título reforça a essência do design: as pessoas! A valorização da cultura e, principalmente, o uso do design como instrumento para melhorar as condições sociais de ambas as populações – americana e mexicana – foram o que chamaram a atenção para as cidades.

A premiação é feita pela World Design Organization (WDO), organização não-governamental que busca promover iniciativas em design industrial para melhorar a qualidade de vida da população sob os aspectos econômico, social e cultural, além de proteger o meio ambiente. A entidade foi criada em 1957 e reúne milhares de designers de diferentes regiões do mundo por meio de atividades que defendem o design para um mundo melhor. Em 2022 a cidade de Valência, na Espanha, foi consagrada, como reconhecimento do importante legado que o município construiu utilizando o design para o desenvolvimento da indústria local e de políticas públicas.

O júri é formado por especialistas internacionais nas áreas de design, planejamento urbano e desenvolvimento econômico e social. Dessa vez, contou com representante do Brasil, a designer Gisele Raulik Murphy, convidada para participar do processo de avaliação das cidades por sua atuação na área de políticas públicas de design

Capital Mundial do Design destaca o potencial de mudar o mundo 

Capital Mundial do Design
Foto: Reprodução/ World Design Organization – WDO

As cidades de San Diego, nos Estados Unidos, e Tijuana, no México, são separadas por uma fronteira pela qual passam diariamente cerca de 150 mil pessoas. A maior parte sai do território mexicano com destino ao americano para buscar melhores condições de vida. Apesar dos desafios quanto à segurança dos migrantes e da difícil realidade que eles podem enfrentar ao chegar a seu destino, essa região fronteiriça representa esperança e união, proporcionadas por aproximações que vão além da geografia. Os nomes dos estados guardam semelhanças: San Diego fica no estado da Califórnia e, Tijuana, no estado da Baixa Califórnia. A primeira tem 3,5 milhões de habitantes e, a segunda, um número muito próximo disso (3,6 milhões). Juntas, elas desbancaram a capital russa, Moscou.

O título de Capital do Design não decorreu de um projeto de design em si, mas, sim, do potencial do local de gerar impacto positivo por meio dele e da atuação das cidades para defender o design em direção a projetos transformadores em ambos os lados da fronteira. Segundo a WDO, as duas cidades foram escolhidas porque abrigam design e inovação capazes de mudar o mundo. “Por mais de 100 anos, as cidades alavancaram os recursos e características únicas de seu ambiente natural para promover tecnologias de ponta e experimentos públicos pioneiros nas áreas de ciência, manufatura, artes e cultura”, ressalta a organização. “Foi como resultado desse compromisso de design centrado no ser humano e do legado de colaboração transfronteiriça que San Diego e Tijuana foram nomeadas Capital Mundial do Design”. A organização também afirma que as duas cidades estão comprometidas com o aproveitamento do design e a mobilização que ele viabiliza para transformar a região por meio de programas que incluem infraestrutura verde, preservação ambiental, educação em design e inovação industrial. 

Design de moradia  

Capital Mundial do Design
Friendship Park (Foto: ironwas/ Shutterstock)

Entre as atuações de Tijuana e San Diego estão a organização de encontros públicos, conferências, cúpulas e workshops. E iniciativas como reconstrução do Parque Friendship, área na fronteira para projetos comunitários, e a Olimpíada de Design, para buscar soluções para o problema da falta de moradia. Ao longo de 2024, as duas cidades convidaram a população para vivenciar o design e se engajar em suas atividades, como o World Design Festival, que apresentou o trabalho de mais de 300 designers e ofereceu palestras e instalações interativas.

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Um projeto que se destacou foi uma competição de projetos de design de moradia. Mais de 40 propostas foram enviadas para responder a esse desafio, assinadas por equipes de diferentes realidades sociais e gerações. Três foram escolhidas e receberam prêmios em dinheiro. Uma consiste em projeto para construção de armários para moradores de rua de San Diego guardarem seus pertences. Os designs dos armários incluíram protótipos na cor verde para se misturar com o entorno, arborizado, e tetos inclinados para os dias de chuva, além de tamanhos variados para atender a diferentes necessidades e sistema de trava de impressão digital para segurança.

Um grupo de Tijuana ganhou o prêmio de design por sua ideia para a favela Nueva Esperanza, com casas feitas de restos de madeira, papelão e lonas. Já uma estudante de arquitetura de 19 anos apresentou um projeto de moradias para famílias migrantes e solteiros, com centro comunitário, escolas para adultos e crianças, banheiros públicos e jardim comunitário. O modelo inclui grandes áreas para abrigar parques e pista de skate e espaço para faixas de ônibus. O objetivo do projeto é viabilizar um lugar saudável e apto para receber migrantes que chegam à cidade, assim como outros moradores de baixa renda do bairro.

Design político 

Para o designer industrial Ricardo Schwab Schirmer, que é sócio fundador da Primata Criativo (soluções em design com base em criatividade colaborativa) e head de Inovação e Novos Projetos na d.Propósito (empresa de design e projetos com soluções inovadoras e sustentáveis), a eleição de San Diego e Tijuana como Capital Mundial do Design confirma a máxima de que todo design é político.

Ricardo Schwab Schirmer (Foto: Pedro Balderama Macedo)

“O design é uma ferramenta muito poderosa, tanto para o bem, quanto para o mal. Ele ajuda engenheiros aeronáuticos a criar drones que estão mudando o status quo das guerras como conhecíamos (vide os estragos que os drones Houthis causam nas embarcações da Marinha da OTAN no Mar Vermelho), mas também ajudará duas cidades com extensos problemas sociais e territoriais a encontrarem soluções e resoluções”, analisa Schirmer. “Quando a política tradicional, do ´manda quem pode, obedece quem tem juízo´ não consegue chegar a objetivos que são a vontade da maioria, o design é a ferramenta certeira para reconfigurar o que precisa ser reconfigurado”, frisa ele. 

Para o designer, cidades do Brasil precisam seguir o exemplo de Tijuana e San Diego e aderir à concepção de que design não é só sobre estética: é sobre planejamento, estratégias, táticas, resultados, experimentações e inovação. Mas, o que é preciso ser feito para o design passar a ter esse alcance no Brasil? “O designer brasileiro precisa ter consciência das suas responsabilidades e saber vender direito os seus conhecimentos. Ele tem que sair do perfil profissional egocêntrico, blasè, sabe? Tem que ser mais profissional e entender que a arte é uma das diversas disciplinas que utilizamos para desenvolver nossa prática profissional, não somos artistas. As faculdades, universidades e o próprio Ministério da Educação (MEC) têm que fazer uma autoavaliação sobre essas condições e mudar essa mentalidade. Ah, e óbvio, precisamos fomentar e reerguer a indústria nacional. Sem isso, nada muda. Nossa atividade é muito mais analítica e pragmática do que imaginamos”, pontua Schirmer.