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Abrigos climáticos são peças-chave de resiliência, diz Ana Terra Amorim
Engenheira ambiental Ana Terra Amorim-Maia conta como abrigos climáticos podem se tornar pilares da resiliência urbana.
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Nathalia Ribeiro em 7 de outubro de 2024 6minutos de leitura
Ana Terra Amorim (Foto: Divulgação)
À medida que os efeitos das mudanças climáticas se intensificam em todo o mundo, uma nova realidade se apresenta: eventos extremos, como tempestades devastadoras, ondas de calor implacáveis, enchentes e incêndios florestais. Nesse cenário, os abrigos climáticos estão se tornando mais do que uma necessidade momentânea – são peças centrais em estratégias de resiliência urbana e comunitária.
Mas como esses abrigos podem ir além de meras construções temporárias e representar uma nova forma de vivermos em harmonia com o planeta? A Engenheira Ambiental e especialista em Urbanismo e Governança Urbana, Ana Terra Amorim-Maia, dedica sua carreira a responder essas perguntas. Sua jornada começou aos 16 anos, quando o documentário “Uma Verdade Inconveniente”, de Al Gore, despertou sua consciência sobre as mudanças climáticas e a motivou a fazer a diferença.
Formada em Engenharia Ambiental, desenvolveu sua tese de mestrado no Laboratório de Justiça Ambiental Urbana de Barcelona, abordando gentrificação verde e injustiças ambientais. Durante seu doutorado na Universidade Autônoma de Barcelona, integrou seus interesses em adaptação urbana e justiça social, acompanhando a implementação de abrigos climáticos e dialogando com autoridades locais e comunidades afetadas. Atualmente, como pesquisadora de pós-doutorado no BC3, em Bilbao, Ana participa do projeto IMAGINE Adaptation, focando na avaliação de ações climáticas urbanas sob a perspectiva das justiças social e ambiental. Em entrevista ao Habitability, ela destaca a importância dos abrigos climáticos na adaptação urbana, mas ressalta a necessidade de adaptar moradias e edifícios públicos, investir em campanhas de conscientização e transformar cidades em esponjas para melhorar a qualidade de vida nos ambientes urbanos.
Como o design dos abrigos climáticos deve ser adaptado para diferentes tipos de desastres, como furacões, enchentes ou ondas de calor? Existe um modelo versátil que possa atender a múltiplas ameaças climáticas?
Ana Terra Amorim-Maia: Existem diferentes tipos de refúgios para distintas ameaças climáticas. Se pensarmos nos furacões que assolam frequentemente os Estados Unidos, por exemplo, provavelmente nos virá à mente uma quadra poliesportiva ou ginásio com camas e cobertores. Mas até mesmo um templo religioso pode ser um abrigo climático.
Barcelona apresenta um exemplo ilustre de abrigos climáticos contra calor e frio extremos. A cidade se inspirou nos “centros de resfriamento” (cooling centers, em inglês) nos Estados Unidos para criar sua rede de abrigos climáticos. No entanto, por ser uma cidade densamente construída, a cidade não dispunha de espaço disponível para a construção de novos abrigos climáticos. Então, os edifícios públicos existentes (como bibliotecas, museus, e centros cívicos) foram ligeiramente adaptá-los para que pudessem operar como abrigos climáticos ao mesmo tempo em que seguem oferecendo suas atividades usuais.
Como esses espaços podem ser adaptados para atender às necessidades de diferentes comunidades durante eventos climáticos extremos?
Ana Terra Amorim-Maia: Esses espaços devem manter uma temperatura adequada (cerca de 26 graus Celsius no verão e 21 no inverno), oferecer água potável, banheiros públicos e áreas de descanso. No caso de espaços ao ar livre, como parques e jardins, devem ter uma superfície e NDVI [Índice de Vegetação da Diferença Normalizada, do inglês, Normalized Difference Vegetation Index] mínimos, além de oferecer bebedouros e assentos. Esses espaços são abertos a todo e qualquer cidadão que esteja buscando alívio contra o calor ou frio extremos, no entanto, apenas durante o horário de funcionamento usual. Dito isso, esse é um modelo muito versátil e de fácil implementação, já que não requer transformações profundas na infraestrutura ou funcionamento desses espaços, requerendo apenas protocolos e treinamento especializado para atuação em caso de emergência.
Quais seriam as principais diretrizes para a criação de abrigos climáticos que atendam às diversas ameaças climáticas?
Ana Terra Amorim-Maia: Os abrigos climáticos são uma peça importante no quebra-cabeça da adaptação climática urbana. Cada cidade deve realizar um estudo de risco e vulnerabilidade climática para identificar as principais ameaças relacionadas ao clima, assim como as áreas mais expostas e populações mais sensíveis. No Brasil, todas as cidades estão expostas a calor extremo e ondas de calor, então adaptar espaços públicos como abrigos diurnos é uma medida eficiente e necessária.
Os abrigos de Barcelona, por exemplo, não estão pensados para ameaças como enchentes e furacões (pelo fato de não ser uma ameaça local comum). Abrigos climáticos para essas situações deverão ser pensados para hospedar pessoas cujas residências foram afetadas e que não podem retornar por longos períodos de tempo, assim como pessoas em situação de vulnerabilidade social ou sem casa.
Quais materiais de construção são mais adequados para a construção de abrigos resilientes a eventos extremos?
Ana Terra Amorim-Maia: Embora eu trabalhe mais com políticas públicas do que com materiais de construção, posso dizer que, para abrigos contra calor e frio extremos, a arquitetura passiva é essencial. Espaços com ventilação cruzada, por exemplo, podem garantir um excelente fluxo de ar, dispensando o uso de ar condicionado. É o caso de algumas escolas em Barcelona, que adaptaram seus pátios e edifícios com medidas verdes (plantando árvores, arbustos e trepadeiras), azuis (instalando fontes de água lúdicas e bebedouros) e cinzas (adaptando os edifícios com arquitetura passiva). Essas medidas lograram diminuir a temperatura em até 8 graus Celsius sem ar-condicionado, melhorando o bem-estar e o aprendizado dos alunos. Além disso, essas escolas – ou pelo menos seus pátios – estão abertos a todo e qualquer cidadão que necessite abrigo em situação de calor ou frio extremo.
Com relação à proteção contra enchentes e inundações, os materiais vão variar muito, dependendo da região e da ameaça climática. De uma maneira geral, eu diria que materiais sustentáveis, de baixa pegada carbônica, e locais, são fundamentais, e deve-se evitar a todo custo “maladaptação”, ou seja, medidas que possam causar efeitos negativos a longo prazo.
Quais novas tecnologias emergentes, como sistemas de energia autônomos e materiais inteligentes, estão sendo integradas ao conceito de abrigos climáticos?
Ana Terra Amorim-Maia: O conceito de abrigos climáticos é muito recente, por isso é difícil estabelecer grandes avanços tecnológicos. O foco principal continua sendo o aproveitamento e diversificação de espaços existentes para que se tornem multiuso, soluções de arquitetura passiva e o conceito da cidade esponja com soluções baseadas na natureza.
Em uma cidade esponja, o asfalto e o concreto são substituídos por superfícies permeáveis, de maneira que a água da chuva seja absorvida e infiltrada lentamente, em vez de escorrer direto para os coletores. Além de reduzir enchentes, a água pode ser armazenada subterraneamente e reabastecer lençóis freáticos. Tem mais: uma cidade com menos asfalto e mais superfície permeável será inevitavelmente uma cidade mais fresca, criando um cenário vantajoso em todas as frentes.
Qual o papel da Inteligência Artificial e da modelagem preditiva no planejamento e construção de abrigos que possam antecipar e responder a eventos climáticos com mais eficiência?
Ana Terra Amorim-Maia: As cidades precisam investir em sistemas de alerta precoce para detectar ameaças e em sistemas de comunicação eficientes e inteligentes para informar a população sobre os riscos e a possível necessidade de evacuação. Um exemplo interessante é o sistema de alerta precoce de Bangladesh, capaz de alertar milhões de pessoas em situação de emergência e salvar vidas. A Inteligência Artificial certamente terá um papel importante no desenvolvimento de sistemas de alerta e comunicação.
Em regiões de baixa renda ou áreas rurais, quais são os maiores desafios para implementar abrigos climáticos eficazes? Quais estratégias podem ser utilizadas para superar barreiras financeiras e de infraestrutura?
Ana Terra Amorim-Maia: Em regiões de baixa renda, o desafio é encontrar espaços públicos e privados que possam ser transformados em abrigos climáticos, já que essas áreas frequentemente carecem de infraestrutura e recursos. Podemos começar adaptando e otimizando espaços já utilizados pela população local – mesmo que sejam informais – em abrigos climáticos. Esse poderiam incluir centros comunitários, escolas públicas ou até mesmo bares – por que não? – para oferecer conforto térmico e água potável. Esses espaços não seriam adequados para pernoite e também teríamos que pensar na capacitação e treinamento dos funcionários locais, mas podem ser um primeiro passo.
Em áreas rurais, a dispersão populacional e a falta de transporte são os maiores obstáculos. Soluções criativas, como transporte público gratuito para abrigos e campanhas de comunicação adequadas às populações locais, podem ajudar.
Como governos e organizações podem garantir que abrigos climáticos sejam acessíveis a todas as comunidades, especialmente as mais vulneráveis, como idosos, pessoas com deficiência e famílias de baixa renda?
Ana Terra Amorim-Maia: Depende bastante do contexto local. Em uma cidade como Barcelona, que é pequena geograficamente e densamente povoada, já temos 98% da população com um abrigo climático a 10 minutos a pé de suas casas. Em cidades com outras situações geográficas, demográficas e econômicas, será muito mais complexo distribuir os abrigos de forma equitativa e focando em regiões e populações vulneráveis. Campanhas de conscientização, comunicação e preparação serão fundamentais, para que todos conheçam os perigos e saibam como agir.
Ao mesmo tempo, há que se investir em construções mais confortáveis e resilientes de um ponto de vista climático, para que as pessoas possam permanecer confortáveis em suas próprias casas e espaços de trabalho, e adaptar a infraestrutura urbana para que os abrigos não sejam mais necessários no futuro.
Como o financiamento para a construção de abrigos climáticos pode ser otimizado? Há espaço para parcerias público-privadas (PPPs), e quais são os desafios dessas colaborações?
Ana Terra Amorim-Maia: Diversas cidades já estão formando parcerias com espaços privados para aumentar suas redes de abrigos climáticos, incluindo universidades privadas, clubes esportivos, centros comunitários e comerciais. No entanto, trata-se de espaços pré-existentes que estão aderindo à causa, mais do que PPPs para construir novos abrigos. Os desafios serão manter padrões mínimos de serviço e protocolos de emergência, já que esses espaços não são gerenciados por entidades governamentais.
Quais são os principais exemplos globais de sucesso na construção de abrigos climáticos? Que lições podem ser aplicadas em contextos locais, como áreas vulneráveis no Brasil ou em outras regiões da América Latina?
Ana Terra Amorim-Maia: Barcelona é pioneira nessa empreitada. A cidade se inspirou nos cooling centers de cidades nos Estados Unidos e Austrália, mas reaproveitou espaços públicos pré-existentes para oferecer conforto térmico. Outras cidades estão começando a adotar esse modelo, de Bilbao a Buenos Aires. No entanto, em alguns casos, o conceito de abrigo climático está sendo diluído, com espaços inadequados sendo rotulados como tal, o que pode ser visto como greenwashing.
No Brasil e na América Latina, há muitas oportunidades para reaproveitar espaços pré-existentes, como centros comunitários, parques e escolas, para fornecer conforto térmico e proteger nossas populações mais vulneráveis de forma adequada e digna.
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