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Artur Rozestraten: “Arquigrafia” e a preservação da memória arquitetônica
Plataforma digital colaborativa preserva e compartilha patrimônios arquitetônicos, conectando pesquisadores, profissionais e entusiastas por meio de tecnologia e memória visual.
Por
Paula Maria Prado em 2 de dezembro de 2024 6minutos de leitura
Artur Rozestraten (Foto: Divulgação)
Em meio ao avanço das grandes cidades e aos conflitos armados que destroem o patrimônio cultural, a preservação da memória arquitetônica e de espaços históricos tem se tornado um desafio constante. No Brasil, além das perdas trágicas causadas pelo incêndio no Museu Nacional e na Cinemateca Brasileira, o crescimento urbano desordenado ameaça ainda mais o legado arquitetônico que conta a história das cidades.
É nesse cenário de risco crescente que iniciativas como o projeto “Arquigrafia 4.0” ganham relevância sendo um importante instrumento da preservação da memória arquitetônica coletiva. A plataforma aberta e de acesso gratuito foi criada entre 2008 e 2009 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em parceria com outros institutos da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em entrevista, o coordenador do projeto e professor da FAU-USP Artur Rozestraten conta como a plataforma se tornou um importante repositório não só de registros acadêmicos, mas também de memórias coletivas, com mais de 13 mil imagens incorporadas por colaboradores de todo o País.
Como surgiu a ideia de criar o “Arquigrafia”?
Artur Rozestraten: A ideia de criar o “Arquigrafia” surgiu nos idos de 2008, quando era difícil encontrar na internet imagens relativas à arquitetura e aos espaços urbanos brasileiros. Nessa época, eu era professor em universidades privadas e dava aula, justamente, de disciplinas ligadas à arquitetura brasileira. Na ocasião, já havia uma prática colaborativa entre os docentes: nós trocávamos, em DVD, CD ou pendrive, imagens que fazíamos quando visitávamos alguma cidade. O “Arquigrafia” se vale dessa possibilidade de termos uma prática colaborativa online, que também é uma forma de preservar a memória arquitetônica.
Qual era o principal objetivo?
Artur Rozestraten: Era apresentar para a comunidade lusófona um espaço virtual no qual é possível compartilhar, principalmente, fotografias, bem como desenhos e imagens de maquetes. Nós gostaríamos também de lançar essa dimensão da imagem de uma forma mais abrangente, com vídeos e arquivos de desenhos de arquitetura em software. Assim, é uma plataforma na qual é possível encontrar esse tipo de material, difundir o seu próprio material e, a partir desse encontro online, estimular uma reflexão crítica sobre essa produção.
Como a curadoria e a verificação de informações sobre as imagens contribuem para o caráter educacional da plataforma?
Artur Rozestraten: Também de forma colaborativa. Dentro da própria plataforma é possível adicionar informações e questioná-las. Nós acreditamos que essa interferência e a colaboração dos usuários são fundamentais para que tenhamos um processo sucessivo de aprimoramento da qualidade da informação. Isso reforça o caráter informativo e educacional da plataforma.
Qual tipo de conteúdo recebe mais contribuições de usuários?
Artur Rozestraten: São avaliações ou interpretações das imagens. A maior parte dos usuários que frequenta o ambiente do “Arquigrafia” navega pela plataforma, faz download de imagens e, muitas vezes, realiza suas interpretações a partir de binômios propostos no site, por exemplo, avaliam a partir de duas qualidades opostas: a questão da horizontalidade e da verticalidade.
Há padrões ou tendências no comportamento dos usuários em relação às contribuições? Por exemplo, tipos de lugares ou estilos arquitetônicos mais populares, que possam sinalizar o que está mais latente na memória arquitetônica?
Artur Rozestraten: Difícil dizer que existe um padrão. As contribuições variam muito dependendo justamente das imagens com as quais os usuários se relacionam. O que nós percebemos é que, na plataforma, há uma abertura para uma presença de arquiteturas, de exemplares construídos, principalmente, no Brasil, que não necessariamente respondem aos estilos arquitetônicos mais canônicos, mais conhecidos e não exatamente se caracterizam como arquiteturas monumentais ou reconhecidas como patrimônio. É justamente essa condição de uma arquitetura “comum”, presente em lugares que não são evidentemente de valor arquitetônico, que desperta o interesse dos usuários.
Você pode destacar algumas contribuições curiosas ou inesperadas que surgiram na plataforma e que enriqueceram a comunidade educacional?
Artur Rozestraten: Há contribuições curiosas que, por exemplo, mostram ambientes internos, como um quarto, ou mesmo o interior de móveis, por exemplo, um armário aberto e os objetos que estão dentro dele. Essas contribuições são muito bem-vindas. Elas apresentam aspectos sobre os nossos modos. São imagens que nós não associamos diretamente aos ambientes urbanos, mas que colocam uma fronteira difusa entre o urbano e o rural. E é justamente esse tipo de debate que nós entendemos que o projeto “Arquigrafia” fomenta.
Como o “Arquigrafia” utiliza as avaliações dos usuários para promover a interação e o aprendizado sobre arquitetura e urbanismo?
Artur Rozestraten: As avaliações dos usuários e o tensionamento dos entendimentos que eles têm sobre determinada imagem, a discordância e o dissenso, a tentativa de interpretar a imagem e conduzir aquela interpretação para um ou outro lado… tudo isso promove interações e, certamente, enriquece o aprendizado sobre arquitetura e urbanismo.
É uma plataforma global?
Artur Rozestraten: O “Arquigrafia” não pretende ser uma plataforma global no sentido de estar traduzido em várias línguas e, dessa forma, dialogar com um público muito abrangente. O nosso primeiro universo é de uma plataforma lusófona, que entende a língua portuguesa como um elemento que cria um vínculo entre países e regiões diferentes, expressões construtivas, ambientais e modos de habitar distintos, mas que eventualmente podem reconhecer suas similaridades, bem como suas particularidades.
A plataforma oferece algum tipo de análise sobre os interesses dos usuários, como estilos arquitetônicos mais populares ou temas mais pesquisados? Ou mesmo vocês, como pesquisadores, fazem algum tipo de análise a partir do que é publicado e como isso poderia representar uma memória arquitetônica?
Artur Rozestraten: Nós acompanhamos com bastante atenção os interesses e as ações dos usuários na plataforma, especialmente nesse momento em que o projeto tem um novo fomento, da Fapesp. Mas o nosso foco não é exatamente “quais são os estilos arquitetônicos mais populares” ou “os temas mais pesquisados”. O nosso interesse maior é, por exemplo, em reconhecer um certo vocabulário que comparece nessa plataforma. Quais são as hashtags que podem permitir uma recuperação de informação mais precisa? Qual seria o conjunto de termos que a gente consegue colher no “Arquigrafia” e, com isso, enriquecer também a nossa compreensão das variantes regionais, das formas regionais de designar um elemento arquitetônico? As nossas análises sobre aquilo que é publicado vão mais no sentido de acompanhar um crescimento da plataforma e a eventual – e, posso dizer, muito rara – impertinência de imagens.
Com a evolução das tecnologias e das ferramentas digitais, como você vê o futuro das plataformas colaborativas voltadas para a educação e, no caso do Arquigrafia, até de preservação da memória arquitetônica?
Artur Rozestraten: Há alguns caminhos interessantes. O primeiro vínculo é a relação entre uma imagem ou um arquivo digital e uma determinada posição geográfica, algo que pode ser registrado em um mapa que conjuga várias imagens. Assim, é possível ver no mapa tanto lugares que são mais povoados por imagens, quanto aqueles com uma ausência delas e que, neste caso, demanda pesquisa específica para uma produção iconográfica a respeito dos fenômenos arquitetônicos e urbanísticos.
Entendo também que há uma outra frente muito interessante, que temos trabalhado experimentalmente junto de outro projeto sediado na FAU-USP, também com apoio da Fapesp, que é o “Arquivos Digitais”, coordenado pela professora Giselle Beiguelman. Nele, trabalhamos algumas experimentações com Inteligência Artificial, solicitando ou configurando entradas em determinados conjuntos de imagens do “Arquigrafia”.
Há outras possibilidades a priori?
Artur Rozestraten: Eu poderia citar outras frentes que também têm relação direta com a educação, por exemplo, essa que mencionei numa resposta anterior e diz respeito a um certo vocabulário, ou conjunto de hashtags e termos pertinentes à nossa área. Então, entendo que, com relação à evolução da tecnologia e dessas ferramentas digitais, três grandes campos poderiam ser mencionados: a questão do georreferenciamento, as interações com Inteligência Artificial e a questão da recuperação da informação por meio de vocabulários controlados e hashtags.
Qual o impacto educacional que o “Arquigrafia” já causou desde sua criação para além da preservação da memória arquitetônica a longo prazo? Existem dados ou relatos de instituições que utilizam a plataforma como recurso?
Artur Rozestraten: O “Arquigrafia” é um projeto que, em si, é um laboratório e um espaço de formações tecnológica e científica. Ao longo dessa trajetória, o projeto já formou cerca de 90 jovens pesquisadores, entre graduandos e pós-graduandos, envolvendo dezenas de pesquisadores de áreas diferentes: arquitetura e urbanismo, design, ciência da computação, ciência da informação e direito. Dessa forma, entendemos que o “Arquigrafia” tem um impacto na formação de pesquisadores e na difusão de uma cultura relacionada à colaboração, à produção de ambientes que têm uma dinâmica gratuita, que são abertos e podem ser replicados.
Esse sistema de construção colaborativa é também um dos diferenciais do projeto?
Artur Rozestraten: A questão do “open access”, da ciência aberta, dos dados abertos, é uma cultura que se forma a partir também da contribuição do “Arquigrafia” e, com isso, ganha espaço nos ambientes com os quais os nossos usuários se relacionam. Várias disciplinas usam o “Arquigrafia”. Temos relatos de iniciativas dentro e fora da FAU-USP, que frequentam a plataforma e a sugerem como uma fonte de informação. Também acompanhamos as publicações científicas que são feitas e que o referenciam quando fazem uma discussão no âmbito do digital, seja sobre ciência cidadã, ambientes colaborativos, desenvolvimento de software ou projetos transdisciplinares.
Como o Arquigrafia se mantém atualizado em relação às novas demandas e tendências de colaboração digital? Vocês acrescentam novas ferramentas a ela?
Artur Rozestraten: Eu diria que ele se mantém atualizado na medida em que recebe fomentos de agências públicas, como é o caso da Fapesp nesse momento, como já foi o caso das pró-reitorias de cultura extensão, da pró-reitoria de pesquisa da USP e, eventualmente, apoios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Dessa forma, conseguimos manter uma equipe técnica dedicada ao projeto. Sem ela, não conseguimos manter a plataforma atualizada com relação às novas demandas e tendências de colaboração digital.
E, aí sim, quando a gente tem um projeto com um horizonte de desenvolvimento a médio prazo, como é o caso desse projeto temático Fapesp, que tem aí um cenário de desenvolvimento até 2027, a gente consegue de fato promover atualizações e acrescentar novas ferramentas.
Qual a expectativa a longo prazo?
Artur Rozestraten: A nossa perspectiva é de que, em 2025, a gente tenha uma nova versão do sistema online, que já vai apresentar uma série de atualizações e, em alguma medida, vai colocar em cena recursos, ferramentas, possibilidades que a gente vem discutindo já há alguns anos e que enxergamos que esse é um bom momento para termos, transformando o “Arquigrafia” em uma plataforma de experiência 4.0.
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