Consumo de experiências: a nova era do habitar

À medida que a sociedade transita do acúmulo de bens para o consumo de experiências, a própria habitabilidade passa por transformações.

Por Redação em 25 de setembro de 2023 8 minutos de leitura

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Foto: Freepik

De acordo com a pesquisa “Vida Saudável e Sustentável de 2020“, realizada em colaboração entre o Instituto Akatu e a Globescan, mais de 80% dos consumidores esperam que as empresas atentem para os aspectos sob seu controle nas operações e sejam claros sobre seus processos de fabricação. Tais consumidores desejam que as empresas não apenas exerçam um impacto positivo no mundo, mas também sejam transparentes a respeito de seus procedimentos.

A mudança de cenário tem impulsionado setores industriais em todo o globo a se adaptarem. A construção civil, arquitetura e urbanismo estão sendo particularmente afetados por essa tendência, desde o planejamento e construção de um empreendimento até a forma como será usado. O objetivo é construir habitações e cidades de forma a minimizar a poluição e reduzir ao máximo os impactos ambientais ao longo da vida útil da edificação.

Consumo de experiências e responsabilidade na cadeia produtiva

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Uma nova era está redefinindo o significado da palavra “consumir”. O que antes era meramente associado a possuir, adquirir ou comprar, agora transcende esses limites, transformando-se em um ato de acessar bens e serviços de maneira mais ampla e consciente.

O consumo, que se resumia a uma transação comercial, uma troca impessoal de dinheiro por mercadorias ou serviços, tem ganhando tons mais humanos, moldando-se em uma abordagem responsável e holística. De transação econômica, ele vem sendo carregado de significados e implicações profundas. Significa assumir a responsabilidade por cada etapa da jornada de um produto ou serviço: desde sua criação até o seu descarte, totalmente em linha com os princípios da economia circular.

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De acordo com o Belgian Building Research Institute (CSTC), a construção sustentável e responsável, por exemplo, se desdobra em uma busca contínua por edifícios que equilibrem três fundamentos essenciais:

Perspectiva ambiental 

A indústria da construção, por si só, assume um papel significativo no consumo global de recursos, absorvendo aproximadamente metade das matérias-primas do planeta. Além disso, edificações consomem, em média, cerca de 30% da energia utilizada pela sociedade. Diante dessa realidade, a busca por uma construção sustentável transcende o mero ato de edificar, transformando-se em uma responsabilidade ambiental que permeia todas as fases do processo.

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Por isso, na fase de concepção de um edifício, a seleção dos materiais desempenha um papel fundamental, uma vez que deve propiciar um funcionamento e operação eficientes em termos energéticos.

No contexto da construção sustentável, diversas estratégias têm surgido para otimizar o uso de recursos naturais. A exploração da energia solar, por exemplo, tem se destacado como uma alternativa inteligente, especialmente no aquecimento de água. Além disso, sistemas fotovoltaicos têm sido incorporados para gerar eletricidade a partir da luz solar, contribuindo para a redução do consumo energético proveniente de fontes não-renováveis. 

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A gestão de resíduos emerge como um alicerce. Se por um lado a indústria da construção civil gera uma quantidade significativa de resíduos, especialmente considerando que a grande maioria das obras ainda se baseia na utilização de alvenaria, por outro, inovações tem criado alternativas, como a construção modular.

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No contexto brasileiro, os Resíduos da Construção Civil podem corresponder a uma proporção que varia entre 50% e 70% da massa total dos resíduos sólidos urbanos, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A consideração consciente do uso dos materiais e até a reciclagem de detritos não se limita à fase da construção: edificações que se apoiam em recursos ecológicos estabelecem um vínculo direto com a preservação ambiental, repercutindo de forma positiva a longo prazo.

Perspectiva social

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Em média, aproximadamente 90% do tempo de um indivíduo é vivenciado no interior de edifícios. Qualidade do ar, o conforto térmico e acústico, entre outros aspectos são, portanto, de extrema relevância na experiência da habitabilidade. São fatores de impacto significativo na saúde física e mental das pessoas. Não à toa, há quem diga que arquitetos são profissionais de saúde.

A construção sustentável não apenas visa erguer estruturas, mas alicerça suas bases na criação de espaços que não só abrigam, mas também nutrem o bem-estar e a saúde das pessoas que ali vivem, trabalham ou frequentam. 

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Um conceito notável nessa busca é o design biofílico, que destaca a conexão entre os ambientes internos e seus ocupantes com a natureza, visando o aprimoramento do bem-estar. Ele integra elementos naturais como luz solar, vegetação, água e materiais orgânicos. Isso engloba práticas como a promoção da iluminação natural através de janelas amplas, a criação de áreas verdes verticais e telhados cobertos de vegetação, além da escolha de materiais como madeira e pedra para revestimentos e mobiliário. Essa abordagem não apenas enriquece os espaços, mas também estabelece uma sinergia harmoniosa entre as pessoas e o meio ambiente, nutrindo uma experiência agradável e duradoura.

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Perspectiva econômica

A relevância da dimensão econômica não passa despercebida nesse contexto. O consumo de experiência no âmbito da construção sustentável impulsiona a criação de projetos que sejam ambientalmente conscientes, mas também viáveis financeiramente. Essa abordagem deriva do fato de que todos os edifícios requerem despesas contínuas e estão suscetíveis a riscos que podem comprometer sua integridade ao longo do tempo.

Dessa maneira, a inovação é abraçada como um caminho para manter a sustentabilidade, permitindo sua conservação e renovação com o mínimo impacto possível ao meio ambiente e à saúde dos habitantes. Em 2020, um edifício emergiu em Dubai, atraindo a atenção global. Este edifício, composto por dois andares, detém a distinção de ser a maior estrutura já erguida por meio de impressão 3D. A implementação dessa tecnologia conferiu uma economia de aproximadamente US$ 400 mil em custos de mão de obra.

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Edifício em Dubai (Foto: Divulgação/Apis Cor)

A fabricação das paredes e do teto ocorreu através de um processo de prototipagem rápida. Posteriormente, essas partes foram transportadas por um guindaste para a construção final, resultando em um edifício que ocupa uma área de 640 metros quadrados e atinge uma altura de 9,5 metros. Com exceção das bases, a construção do prédio foi realizada por meio da utilização de uma mistura composta por materiais reciclados, cimento e gesso, demonstrando um compromisso com a sustentabilidade e o reaproveitamento de recursos.

A adoção de tecnologias avançadas, a busca por materiais mais duráveis e eficientes, bem como a implementação de sistemas de manutenção inteligentes, tudo isso entra em jogo para assegurar que os edifícios sustentáveis não apenas perdurem, mas também prosperem. 

O valor da experiência no habitar

A evolução tecnológica desempenhou um papel transformador ao ampliar o horizonte da busca por experiências enriquecedoras, tornando-as acessíveis a um público mais amplo do que nunca. O que antes poderia ser considerado um luxo reservado a poucos, como viagens a cidades distantes, participação em eventos culturais exclusivos e envolvimento em atividades de lazer no meio urbano, agora se desdobrou para incluir uma gama diversificada de indivíduos que procuram por novas vivências.

Nesse panorama, a valorização das conexões humanas e das vivências significativas emergiu como um fio condutor. À medida que mais pessoas têm a chance de se envolver em experiências únicas, a percepção da importância desses momentos se aprofundou. 

Uma casa, por exemplo, funciona não apenas em termos de seu formato físico, mas também como um lugar para viver. De acordo com o filósofo e poeta francês, Gerard Bachelard, a casa não é apenas um espaço estático, pois ela influencia a pessoa que vive nela. Em seu livro “A Poética do Espaço”, ele diz que a casa tem um significado emocional profundo, mesmo quando o indivíduo está sozinho nela. A habitação afeta os sentimentos e é afetada pela forma como se interage com ela. Além disso, a casa tem um lado poético e pode representar tanto a ideia de sair e voltar quanto a sensação de pertencimento e estabilidade, o que molda a conexão com o mundo.

Juhani Pallasmaa, arquiteto finlandês, também compartilha uma perspectiva semelhante. Na obra “Os Olhos da Pele: A arquitetura e os sentidos”, ele destaca que a experiência de uma casa é mais sobre as atividades que ocorrem nela – como cozinhar, comer, socializar e ter momentos íntimos – do que apenas o que é visto visualmente. Uma sala não é apenas um conjunto de móveis, mas também o cenário para conversas, conforto, segurança e diversão. A atmosfera da casa envolve a experiência de viver nela.

Essa revolução na busca por experiências também trouxe consigo uma conscientização crescente sobre a importância de viver no presente e acumular memórias duradouras, em contraposição à busca incessante por bens materiais. A posse de objetos materiais perdeu parte de sua relevância quando comparada à sensação de se sentir pertencente a um lugar. As pessoas estão gradualmente reconhecendo que as memórias e as experiências compartilhadas enriquecem a vida de maneiras que a aquisição de bens não consegue replicar.

Consumo de experiências compartilhado

Nesta era do consumo de experiências do habitar cidades, as pessoas estão reavaliando as suas relações com a posse material. A pergunta que antes era “Por que não ter um carro?” está sendo substituída por “Por que comprar um carro quando podemos usá-lo apenas quando necessário?”. A sociedade está buscando formas de experimentar a vida sem se sentir compelida a adquirir e possuir permanentemente. 

É nesse cenário que o conceito de compartilhamento ganha destaque. Compartilhar não apenas oferece uma alternativa econômica, mas também aguçar o apetite pela experiência em si. A ideia de ter acesso a um item somente quando necessário e compartilhá-lo com outras pessoas se torna um atrativo. 

A crescente implementação de sistemas de compartilhamento de mobilidade está gerando impactos significativos e positivos em várias áreas. Um estudo realizado pelo MIT, focando no trânsito de Nova Iorque, destaca que esses aplicativos de transporte têm o potencial de não apenas melhorar as condições do tráfego, mas também de poupar recursos preciosos e contribuir para a preservação do meio ambiente.

Além disso, pesquisadores das universidades de Michigan, Texas A&M e Columbia conduziram um estudo que revelou uma interessante tendência: plataformas de mobilidade compartilhada, como Uber, estão efetivamente reduzindo a demanda por carros particulares.

À medida que a sociedade evolui, o consumo de experiência no habitar e até mesmo na mobilidade se firma como uma mudança cultural. A busca por significado, autenticidade e conexões emocionais está redefinindo a maneira como se interage com produtos e serviços. As indústrias estão sendo desafiadas a se adaptar a essa nova mentalidade, criando experiências que não apenas atendam, mas também enriqueçam a vida dos consumidores e o meio ambiente. 

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Andrea Mendonça, Bruno Yamanaka e Luiz Gustavo Pacete

O episódio 36 do podcast Habitability ofereceu uma visão abrangente e profunda sobre o futuro do consumo sustentável e as tendências emergentes de experiências de consumo do habitar. Bruno Yamanaka, Engenheiro Ambiental e especialista em conteúdos no Instituto Akatu, e Andrea Mendonça, estrategista de negócios com expertise em ESG (Ambiental, Social e Governança) e projetos de impacto, refletem sobre escolhas conscientes e exploram como a tecnologia está moldando as maneiras pelas quais as pessoas se envolvem com o ato de consumir. Ouça agora!