Cultura maker: moldando as cidades com as próprias mãos
Autonomia, criatividade, empoderamento, transformação. Como a cultura maker está impactando as cidades por meio do urbanismo DIY.
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Redação em 3 de outubro de 2023 5minutos de leitura
Um grupo de pessoas pintam faixas nas ruas. Outros criam jardins. Há quem dê novo visual com pinturas e os que revitalizam equipamentos da cidades. Todos eles de forma autônoma, literalmente, com as próprias mãos, como manda a definição de um bom fazedor. Essa “mão na massa” é o que define a cultura maker, que chegou de vez às cidades.
Em Toronto, o movimento Toronto Urban Repair Squad realiza tarefas para melhorar a vida urbana. Em cidades como Nova Iorque, Chicago, Londres, Guadalajara, Vancouver, Sydney, Tóquio e México, grupos e indivíduos compartilham do mesmo propósito: realizar intervenções destinadas a aprimorar o cenário urbano.
Alguns deles dedicam seus esforços à criação de jardins “guerrilheiros”, enquanto outros substituem a paisagem saturada de publicidade comercial por expressões artísticas. Além disso, há aqueles que se envolvem na construção de bancos públicos, na revitalização de calçadas negligenciadas e na criação de parques de patinação e skate para a comunidade. A essência subjacente a todos esses esforços pode ser resumida em uma ideia simples, mas poderosa: “se algo é necessário e o governo não age, faça você mesmo, ou como diz a expressão em inglês cuja siglas ficaram famosas, do it yourself – DIY”
Urbanismo DIY
Por trás dessas ações está uma manifestação do desejo das pessoas de moldar ativamente o ambiente urbano de acordo com suas necessidades e desejos. As intervenções urbanas espontâneas raramente seguem um plano diretor preestabelecido, mas desempenham um papel essencial ao injetar uma dose de imaginação e criatividade no ambiente urbano. Além disso, proporcionam aos habitantes e transeuntes a oportunidade não apenas de conceber mentalmente um futuro alternativo para a cidade, mas também de experimentá-lo de forma tangível.
Os autores do livro Tactical Urbanism, Mike Lydon e Anthony Garcia, destacam a capacidade única das intervenções urbanas não planejadas de estimular a imaginação coletiva e promover a experimentação criativa nas cidades. Ao contrário das abordagens tradicionais de planejamento urbano, que muitas vezes seguem procedimentos burocráticos e estruturas rígidas, as intervenções provenientes da cultura maker emergem organicamente, muitas vezes impulsionadas pela comunidade local ou por indivíduos apaixonados.
Para os autores, a capacidade de experimentar ativamente essas mudanças no ambiente urbano é fundamental, pois permite que os cidadãos vivenciem em primeira mão as possibilidades de um espaço revitalizado e, por meio dessa experiência concreta, desenvolvam um senso mais profundo de conexão, pertencimento e propriedade em relação à cidade. Experiências que inspiram o engajamento cívico contínuo e a promoção de soluções urbanas mais inclusivas e sustentáveis.
Além de melhorarem a cidade, são ações que reafirmam o direito das pessoas à ela, convidando todos a participarem ativamente na criação e na transformação do espaço urbano em algo que verdadeiramente reflita a identidade e os valores das comunidade.
Cultura maker, o conceito
A cultura “faça você mesmo” experimentou um grande aumento na popularidade na década passada. Tendo como principal propósito incentivar as pessoas a se tornarem autossuficientes na construção, reparo, fabricação e manutenção de objetos utilizando suas próprias habilidades e mãos, a cultura maker ganhou destaque, sobretudo, com o lançamento da revista americana Make e a realização da Maker Faire, um evento que se espalhou por diversas cidades ao redor do mundo.
Pelas ruas das cidades ela está em toda parte. A partir de suas habilidades, compreensão da realidade local e uso de recursos disponíveis, sejam eles novos ou reutilizados, os cidadãos promovem ações e iniciativas com o objetivo de aprimorar seu ambiente urbano de forma autônoma.
De pequenas a grandes, as modificações informais surgem de ações individuais ou comunitárias, discretas ou chamativas, temporárias ou de longa duração, mas sempre com o poder de contribuir para o dinamismo urbano, ressignificando espaços e seus papeis.
Autônoma por essência, traz para o centro o indivíduo, emponderando-o para agir e se apropriar daquilo que, em tese, é (ou deveria ser!) dele, considerando a intersecção eu-coletivo e partindo da premissa de que os cidadãos não necessariamente precisam ou devem depender exclusivamente do poder público para concretizar as mudanças que almejam no contexto urbano. Em vez disso, eles têm a capacidade de conceber soluções criativas e, por vezes, até inovadoras, para enfrentar os desafios que se apresentam.
O conceito central por trás da abordagem é que qualquer indivíduo, desde que disponha das ferramentas adequadas e do conhecimento necessário, tem a capacidade de criar suas próprias soluções para os desafios do dia a dia. Uma espécie de filosofia de vida, que, embora não seja nova, vem ganhando mais destaque e adquirindo uma dimensão mais profissional, tendo como motor propulsor o desenvolvimento de tecnologias inovadoras, tais como impressoras 3D, máquinas de corte a laser, kits de robótica e o amplo acesso à internet de alta velocidade.
O conceito do direito à cidade, inicialmente formulado pelo sociólogo Henri Lefebvre e posteriormente desenvolvido por David Harvey, representa uma visão holística e participativa do espaço urbano. Esse direito não se limita apenas ao acesso a recursos urbanos, mas abrange a ideia de que a cidade é um lugar onde os cidadãos têm o poder de moldar ativamente o ambiente que os cerca. A cidade não é apenas um cenário, mas uma criação coletiva.
Nesse contexto, o urbanismo ao estilo maker é uma manifestação desse direito, afinal, quando os cidadãos se engajam em intervenções urbanas não planejadas estão exercendo sua liberdade de transformar a cidade de acordo com suas visões e aspirações. De acordo com o geógrafo urbano, Kurt Iveson, o urbanismo DIY representa um questionamento à autoridade tradicional e pode levar ao surgimento de novas formas de autoridade baseadas na igualdade entre os habitantes e no direito à cidade.
No entanto, é importante reconhecer que a cultura maker nas cidades não está isenta de desafios e riscos. É fundamental que as intervenções não beneficiem apenas alguns indivíduos em detrimento do bem coletivo. Além disso, as ações DIY não devem comprometer estratégias de planejamento urbano de longo prazo em prol de soluções imediatas de curto prazo. É igualmente necessário que a sustentabilidade seja um elemento central, garantindo que as mudanças urbanas sejam feitas considerando seus impactos ambientais e futuras gerações.
Sustentabilidade
O combate ao desperdício, o reaproveitamento de materiais e a educação ambiental são pilares da cultura maker cuja ênfase está na produção personalizada e artesanal, prevendo:
Uso responsável dos bens: os makers valorizam a qualidade e a durabilidade de produtos, optando por materiais de alta qualidade e métodos de construção sólidos. Isso contrasta com a cultura do consumo descartável, onde produtos são frequentemente projetados para durar pouco tempo, contribuindo para o aumento de resíduos.
Reuso dos recursos: a reutilização de materiais e recursos é uma prática comum entre os makers. Muitos projetos e intervenções nas cidades envolvem o reaproveitamento de itens, contribuindo para circularidade do planeta. Por exemplo, praças com bancos de pallets, criados a partir de materiais recicláveis ou rejeitados.
Tecnologias verdes: muitos makers exploram tecnologias verdes, como energia solar, energia eólica e impressão 3D usando materiais ecológicos. Isso permite a criação de soluções sustentáveis para desafios urbanos e ambientais.
Esses três elementos interagem de maneira complementar, formando um ciclo virtuoso de produção e consumo mais consciente e responsável. Por essa perspectiva, a cultura maker também pode ser considerada uma força impulsionadora na busca por soluções viáveis que equilibram o progresso tecnológico e a responsabilidade ambiental.
Outros insights sobre a cultura maker você confere no episódio 35 do podcast Habitability, que traz o CEO da Makers e especialista na Singularity University, Ricardo Cavallini. Na conversa, ele conta como as tecnologias estão sendo incorporadas na cultura maker, capacitando indivíduos a explorar sua criatividade, enfrentar problemas do mundo real e fomentar a inovação em diversas áreas do urbanismo e da arquitetura, especialmente com foco na sustentabilidade. Ouça agora!
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