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A cidade deseja andar a pé, mostra Diego Bresani
Em série de imagens, o fotógrafo brasiliense Diego Bresani revela os caminhos e os encontros que acontecem, apesar do planejamento da capital
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Camila de Lira em 30 de janeiro de 2023 4minutos de leitura
Foto Diego Bresani
Em 1957, Brasília era uma cidade do futuro. Planejada pelos maiores urbanistas modernos do país, a capital do país tinha desenhos baseados em como seria o progresso brasileiro. No centro de tudo, estava o carro, o meio de transporte que também era uma indústria promissora no Brasil. Oscar Niemeyer e Lúcio Costa projetaram uma cidade perfeita. Estava tudo certo, até que os habitantes chegaram. E a sociedade mostrou que o futuro quem cria mesmo são as pessoas, no dia a dia. Esse choque difícil de descrever aparece no trabalho do fotógrafo Diego Bresani.
A nova série de fotografias de Bresani, nomeada “Linhas do Desejo”, mostra diferentes caminhos trilhados em meio aos gramados de Brasília. São os espaços onde pedestres, de fato, usam a capital do país. Criada em 10 anos, as fotos acabam mostrando também que, mesmo privilegiando o uso do carro, as pessoas seguem a pé, e transitando pela cidade. “Toda cidade é dura, difícil, mas Brasília é particularmente mais dura e mais difícil. É uma cidade que promove pouco encontro entre pessoas”, diz o fotógrafo.
Rastros de uma cidade que pulsa
Diego é brasiliense, mas viveu parte da sua vida na região do Plano Piloto. Em outro momento, depois de ter morado em outras cidades no mundo, o fotógrafo voltou para a capital do país. Dessa vez morando em outro espaço e sem carro, foi como se estivesse adentrando em uma outra cidade.
“Foi quando me deparei com os caminhos e todo o universo que o pedestre sente e passa todos os dias em Brasília”, conta Diego. As trilhas criadas pelos passos de muitos em meio aos gramados da capital chamaram cada vez mais a atenção do olhar de Diego. Em 2013, ele decidiu começar a fotografá-las.
“Quando comecei a fotografar, a história se desenrolou. E criei um método: fotografo todo dia de manhã. E então comecei a entender que quem faz esses caminhos são as pessoas que moram fora do Plano Piloto, que em grande maioria são trabalhadores, como porteiros, babás, domésticas. Eles que estão inventando uma nova Brasília. Os caminhos são rastros de pessoas que estavam cruzando a cidade”, reconta o fotógrafo.
As linhas aparecem subindo e descendo grandes elevações de grama, bem como paralelas a grandes vias de carro. “É como se elas tivessem que vencer a cidade o tempo inteiro. Isso depois de passar um tempo considerável no transporte público ”, aponta o fotógrafo.
É como se as pessoas mostrassem que o que cria as cidades não são os tijolos ou as assinaturas de prédios, mas sim seus habitantes.
Encontros na cidade sem esquina
“Um fenômeno que fui descobrindo recentemente é o mercado paralelo e flutuante de comércio que existe a partir dos caminhos”, comenta Diego. São barracas improvisadas de café com bolo, tapioca, pão de queijo, montadas ao lado das paradas de ônibus mais populares, ou seja, perto das linhas do desejo.
As barraquinhas são pendulares, normalmente comandadas por mulheres, e viram um ponto de encontro para muitos que usam o ônibus regularmente. “As pessoas tomam café, conversam, compartilham algumas histórias e depois seguem o caminho para o trabalho”, diz Diego. Instigado por esses espaços de acolhimento na cidade tão dura, o fotógrafo agora está conversando com as “donas” dessas barraquinhas.
“Uma delas me contou que estava há 25 anos por ali. Provavelmente nenhuma pessoa dos prédios da super quadra tomou um cafezinho ali. São pessoas que não se esbarram, mas os registros dos caminhos estão ali, e são fortes, e claros”, fala Diego. Muitas delas conhecem os clientes pelo nome, sabem dos horários. O fotógrafo acrescenta: é um espaço de troca raro em uma cidade construída para não tê-los.
A modernidade não cumpriu o seu papel
As linhas criadas e mostradas nas fotografias sensíveis de Diego evidenciam também um planejamento urbano falho, que não levou em consideração as pessoas que, de fato, precisam circular pela cidade. “As pessoas [que criam os rastros] não seguem a lógica do Lúcio Costa porque o Lúcio Costa nunca andou nessa cidade”, diz Bresani. São pessoas que foram planejadas para fora do planejamento da capital.
“Brasília é uma invenção. Ela não nasceu organicamente, de forma natural. Essas pessoas estão reinventando cidades inventadas”, fala Diego. “O Lúcio Costa pode ter escrito que aqueles cidadãos teriam que andar muito para chegar até certo ponto. Mas as pessoas cortam o caminho”, analisa Diego.
Nesse sentido, as fotografias de ‘Linhas do Desejo’ também refletem a “desobediência” contra o modernismo “rico e branco” de Lúcio Costa. Tal questionamento já existe entre urbanistas, principalmente aqueles a favor das chamadas cidades de 15 minutos. A ideia de que os bairros precisam ter calçadas grandes e uso diversificado para que as pessoas possam aproveitá-los a pé é uma antítese do ideal modernista de cidade do futuro.
Em 2023, a cidade do futuro tem as pessoas no centro e não andando em caminhos paralelos.
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