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LabJaca: dados em favor das favelas. E dos direitos humanos.
Para combater a invisibilidade das favelas, LabJaca promove pesquisas e levantamento de dados nos bairros periféricos do Rio de Janeiro
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Camila de Lira em 8 de maio de 2023 5minutos de leitura
Dados, números e estatísticas. A partir deles, as cidades criam infraestruturas, remanejam tráfego, mudam ruas, constroem escolas e abrem postos de saúde. Dados, números e estatísticas. A partir deles, os Governos conseguem visualizar os cidadãos e se conectam com a realidade. Mas o que acontece quando esses dados, números e estatísticas não refletem o que acontece nas ruas? O LabJaca viveu na pele essa incongruência e trouxe a solução na mesma moeda: dados, números e estatísticas.
Criado em 2020, o LabJaca é um laboratório de dados e narrativas da favela do Jacarezinho do Rio de Janeiro, especializado em fazer pesquisas e levantamentos qualitativos com os moradores (e pelos moradores) da comunidade. Os assuntos das pesquisas são variados, de Covid-19 à energia elétrica, aqueles que sejam relevantes para o Jacarezinho no momento. “Temos uma atuação em favelas, periferias, espaços que não têm assistência de políticas públicas eficientes, que consideram a demanda do território”, afirma Mariana de Paula, gestora financeira e coordenadora de operações do LabJaca.
O bairro da zona norte fluminense, inclusive, é um exemplo desta lacuna entre informação oficial e real. De acordo com os dados do Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a favela tem um pouco mais de 30 mil moradores. A prefeitura do Rio de Janeiro estima 37 mil habitantes. Já os números levantados pela Associação de Moradores do Jacarezinho mostram cerca de 70 mil moradores.
“Os dados [oficiais] não representavam a realidade da favela, não representavam a demanda real dos moradores”, fala Mariana. Munidos de informações, os cidadãos do Jacarezinho podem exigir mudanças que precisam em seu território, acrescenta ela. Além disso, eles ajudam a dar visibilidade para um ambiente invisibilizado sistemicamente pelo poder público.
LabJaca: o início
Em 2020, a pandemia da Covid-19 estava no seu período agudo, sem vacinas à vista. As recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) eram higienização contínua e isolamento social. Muitos moradores do Jacarezinho perderam seus empregos ou, para continuar trabalhando, se colocavam em risco todos os dias. Para amenizar os impactos negativos da Covid-19, o grupo dos jovens fundadores do LabJaca se uniu para dar assistência à favela, era a iniciativa Jaca contra o Corona.
No total, eles atenderam 3 mil famílias em vulnerabilidade social na favela, distribuindo cestas básicas, máscaras e álcool em gel. “Os dados surgiram como possibilidade diante do cenário de que a gente queria coletar as informações das pessoas que estávamos atendendo para entender como trabalhar melhor na distribuição das cestas básicas”, comenta Mariana.
Eles passaram a fazer questionários para os moradores, perguntando se eles já tinham entrado em contato com o vírus ou se conheciam alguém que tinha morrido em decorrência da Covid-19. Em alguns pontos da favela, conta Mariana, 80% das famílias tinham algum contato com o vírus. Na televisão, o divulgado pela prefeitura mostrava um cenário completamente diferente: 12 infectados e nenhum óbito.
“A reação que tivemos ao ver esses números foi de espanto. Em uma única tarde, atendemos pelo menos 80 famílias, e tinha pessoas apresentando os sintomas informados pela OMS como sintomas da COVID-19. Sabíamos que eram muito mais casos. A preocupação de dar assistência para as pessoas se tornou desespero”, conta Mariana. O medo dos criadores do LabJaca era que a subnotificação fosse tanta que a favela fosse “dizimada” pela doença sem a sociedade civil saber.
As pesquisas que o LabJaca já tinha levantado virou, então, um modelo a seguir: só os dados podem combater a desinformação. Em 2020, o laboratório foi fundado e já rodou uma série de levantamentos qualitativos no Jacarezinho. Um deles foi o de pesquisa entre famílias, que apresentou que 84% dos entrevistados tinham uma renda média familiar de até 1 salário minímo.“Também descobrimos que a maioria das famílias é liderada por mulheres, sendo 78% das famílias entrevistadas. , diz Mariana.
Temas urgentes, dados certeiros
Em 2020, o laboratório recebeu um prêmio da comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Em 2022, foi chamado para participar do Infodengue, indicador de incidência da Dengue no Jacarezinho, em parceria com o Infodengue da Fiocruz e a Fundação Getúlio Vargas.
O laboratório não pesquisa apenas dados da área da saúde pública. O que o LabJaca levanta são assuntos latentes para a cidade, como o abastecimento de energia elétrica na favela e como as pessoas moram nesse ambiente. “Se alguém me pergunta, qual tema o LabJaca pesquisa, eu respondo: a gente pesquisa Direitos Humanos, olhando para territórios favelizados, que tiveram muitos desses direitos negados”, destaca Mariana.
Mas não basta coletar as informações, é preciso informar os moradores. “Seguimos a metodologia de geração cidadã de dados, que significa que a gente comunica esses dados de forma acessível. Para não tratar a favela como a Academia ou os grandes institutos de pesquisa tratam: apenas um objeto de estudo. Pesquisadores chegam aqui, coletam dados, defendem suas monografias, doutorados, mas não voltam com esse dado para a gente, que mora aqui”, fala Mariana.
Seguindo a metodologia, o Laboratório já criou documentários, cursos locais e relatórios interativos, exatamente para abarcar os objetos de estudo em agentes de ensino. Com as informações em mão, os cidadãos do Jacarezinho podem exigir dos governos as ações que eles gostariam de ver se tornar realidade na favela.
Favela gera conhecimento
“A gente se preocupa em apoiar a formação política e cidadã desses moradores”. De acordo com a coordenadora de operações do LabJaca e engenheira de produção, a formação cidadã é o caminho para transformar o território da favela. “É um local que passou por séculos de desumanização”, diz Mariana.
Todos os participantes do LabJaca são pessoas negras e graduadas. São também moradores da região, o que ajuda a ampliar a voz da favela. “Para gente é importante a horizontalização dos saberes. A vivência do morador tem que ser valorizada. Muito provavelmente, um morador de Jacarezinho vai falar mais sobre racismo ambiental do que alguém que estudou isso, porque ele vive o racismo ambiental, na prática. Ele só não sabe o termo formal, mas o conceito e a prática, ele entende muito bem”, fala Mariana.
“O LabJaca parte dessa escuta ativa, que não existe de maneira geral com a favela, seja por parte do poder público ou da Academia. Mas a gente faz isso, trabalha para levantar esses dados e mudar o jogo”, afirma Mariana.
No momento, o LabJaca está ampliando a pesquisa de censo do Jacarezinho, para captar dados sócio-econômicos e as perspectivas dos moradores. O laboratório também trabalhou para juntar o Fórum Popular do Jacarezinho, levantar as demandas dos moradores e montar uma agenda pública de exigências. “É uma forma de firmar um compromisso público, para chamar atenção do Governo”, conclui a gestora.
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