Madeira na construção: sustentabilidade desde o plantio

No SOMA 2024, especialistas discutem a integração de materiais tradicionais e inovadores, ressaltando as vantagens da madeira engenheirada.

Por Nathalia Ribeiro em 22 de agosto de 2024 6 minutos de leitura

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Da esq. para a direita: Gustavo Zanotto, Tainara Nievola, Cíntia Valente e Mariana Caravelli (Foto: Gerson Jr.)

A construção civil, essencial para o desenvolvimento urbano e a qualidade de vida, enfrenta um desafio ambiental. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o setor é responsável por aproximadamente 38% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2), o que a coloca entre os maiores contribuintes para a mudança climática, principalmente, pela produção e o uso em escala de materiais como cimento e aço. Adotar novas práticas e tecnologias para reduzir sua pegada de carbono é a busca do setor para alinhar-se às metas globais de sustentabilidade e o tema do debate “Novas Metodologias Construtivas e Redução de Impacto,” realizado no SOMA 2024 pelo Instituto Mulheres do Imobiliário, nos dias 14 e 15 de agosto, que destacou o uso da madeira na construção.

No painel, os engenheiros civis Gustavo Zanotto e Tainara Nievola, a chefe de Marketing e Sustentabilidade da Noah Wood Building Design, Cíntia Valente, e a arquiteta e coordenadora comercial da Urbem, Mariana Caravelli, exploraram a crescente demanda por soluções ecológicas e a adoção de técnicas construtivas que visam reduzir o impacto ambiental. A discussão destacou, principalmente, a madeira engenheirada, um material que está conquistando o mercado por suas qualidades sustentáveis e versatilidade. Os participantes exploraram como este material inovador está ganhando terreno no mercado da construção civil devido à sua capacidade de oferecer uma alternativa ecológica aos materiais tradicionais, como o aço e o cimento, além de trazer grandes benefícios para o bem-estar humano.

Madeira na construção: sustentabilidade e bem-estar

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A madeira engenheirada é sustentável desde sua origem, proveniente de áreas reflorestadas onde o crescimento das árvores é cuidadosamente monitorado e gerido para assegurar a renovabilidade dos recursos. O manejo responsável garante que a extração de madeira não comprometa a saúde dos ecossistemas e mantenha o equilíbrio ambiental. Quando chega ao canteiro de obras, apresenta-se como uma alternativa menos tóxica em comparação a certos tipos de concreto e outros materiais de construção, contribuindo para um ambiente de trabalho mais saudável e reduzindo a exposição dos trabalhadores a substâncias prejudiciais.

Além de sua contribuição significativa para a sustentabilidade, a madeira engenheirada oferece um impacto menos tangível, mas profundamente perceptível ao longo do tempo: a promoção do bem-estar das pessoas. “Quando estamos estressados e insatisfeitos, muitas vezes sentimos uma necessidade de nos conectar com a natureza—seja para sentir a areia da praia, o frescor das montanhas ou simplesmente estar ao ar livre. A madeira, quando utilizada na construção de edifícios, proporciona uma sensação semelhante de proximidade com a natureza. Estar em um ambiente feito de madeira pode transmitir essa conexão natural e trazer benefícios significativos para o bem-estar. A presença da madeira nos espaços construídos ajuda a criar uma atmosfera mais acolhedora e revitalizante”, ressalta Cíntia Valente.

Segundo o relatório Workplaces, Wellness and Wood, realizado pela Pollinate Australia, a incorporação de madeira engenheirada em ambientes de trabalho resulta em melhorias consideráveis. Os estudos indicam um aumento de 8% na produtividade e uma elevação de 13% na sensação de bem-estar entre os colaboradores. Esses resultados destacam que a presença de madeira ajuda a suavizar os espaços de trabalho, promovendo uma atmosfera que estimula não apenas o bem-estar físico, mas também a criatividade e a colaboração.

Não é apenas em ambientes corporativos que o uso da madeira se mostra eficaz. A premissa também se aplica aos ambientes residenciais. Um estudo conduzido pelos pesquisadores do The Graham Lowe Group comparou ambientes internos feitos de madeira com aqueles revestidos em gesso. A pesquisa revelou que, em comparação ao gesso, a madeira promove sensações mais positivas nos ocupantes. A presença de elementos naturais, como a madeira, influencia as respostas fisiológicas, psicológicas e neurológicas dos indivíduos, resultando em menor estresse e maior relaxamento. 

“A madeira sempre foi associada ao conforto e aconchego em ambientes residenciais. Por exemplo, em imóveis antigos com pisos de taco, os proprietários frequentemente optam por manter o piso original durante reformas, em vez de substituí-lo por porcelanato, devido ao calor e à sensação de aconchego que o taco proporciona. A madeira e outros materiais naturais, quando usados em elementos expostos, como revestimentos e acabamentos, contribuem para criar esse ambiente acolhedor”, afirma Tainara Nievola. 

A arquiteta Mariana Caravelli corrobora com essa visão ao afirmar que a arquitetura transcende a mera estética, já que também tem o objetivo de promover o bem-estar e o conforto dos ocupantes. Embora um design atraente seja importante, a verdadeira essência da arquitetura reside em criar uma experiência que seja tanto agradável quanto funcional. “Desde a pandemia, muitos de nós tivemos que adaptar nossos lares de maneiras improvisadas, trocando tapetes, ajustando móveis ou até mudando de ambiente. Agora, é essencial ter um espaço que realmente nos proporcione conforto e bem-estar. Afinal, todos desejamos nos sentir bem em nossas casas”, disse ela.

“Há uma frase que li recentemente que achei particularmente interessante: ‘A vida inteira cuidamos da casa; agora é hora da casa cuidar de nós.’ Esta frase resume a importância de um lar que não apenas serve como abrigo, mas que também contribui para o nosso bem-estar”, complementa Cíntia Valente.

Derrubando preconceitos

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Embora os benefícios da madeira engenheirada sejam amplamente reconhecidos — sustentabilidade, leveza, eficiência térmica e estética acolhedora —, o mercado ainda não está totalmente inclinado à adotá-la em larga escala. Problemas de durabilidade, falta de segurança e resistência ao fogo são os contrapontos utilizados por quem resiste ao uso do material. Tais percepções são, em parte, alimentadas por uma falta de familiaridade com as tecnologias modernas de engenharia de madeira e pela resistência a mudar práticas tradicionais de construção que têm sido amplamente consolidadas ao longo do tempo.

“O grande desafio que enfrentamos é a mudança de mentalidade no mercado de arquitetura e construção, que é tradicionalmente centrado no concreto. Os grandes nomes da arquitetura são conhecidos por suas obras em concreto, o que torna a transição para novos materiais, como a madeira engenheirada, um desafio enorme”, analisa Mariana. “Na Europa e nos Estados Unidos, a tecnologia de madeira engenheirada já está bem estabelecida, em parte devido à longa tradição de uso da madeira nesses lugares. Para avançarmos no Brasil, precisamos superar essas barreiras culturais e educar o mercado sobre os benefícios e a viabilidade do material, promovendo uma mudança de mindset que permita sua expansão e aceitação”, complementa ela. 

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O engenheiro Gustavo Zanotto fez um alerta importante ao público presente no evento, destacando a necessidade de os profissionais de intermediação imobiliária ampliarem seu repertório para ajudar a desmistificar até para os clientes a ideia de que construções de madeira são inferiores. “Os profissionais do setor devem estar preparados para identificar novas oportunidades e se adaptar às mudanças. Já vi corretores enfrentarem resistência de clientes apenas por apresentarem imóveis de madeira, com alguns clientes questionando a segurança e a qualidade desses materiais. Isso mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para mudar percepções e avançar no setor”, afirma ele.

Apesar da adesão completa não ser realidade, a indústria está começando a reconhecer a necessidade de adotar práticas construtivas mais sustentáveis. “A discussão sobre práticas mais sustentáveis tem avançado significativamente, facilitando sua implementação. Embora ainda estejamos dando os primeiros passos, eles estão se tornando mais firmes à medida que o mercado começa a reconhecer a urgência das mudanças necessárias. É fundamental demonstrar a todos, que essas transformações são não apenas possíveis, mas essenciais para o futuro”, alerta Mariana.

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Equilíbrio e inovação são a alma do negócio

Durante o debate, os especialistas apontaram que o problema não está em usar concreto, tijolo ou aço, mas sim em uma dependência desmedida desses materiais. A inovação na construção civil deve promover uma abordagem mais equilibrada, onde os materiais sustentáveis sejam integrados com os tradicionais, criando soluções que atendam tanto às necessidades estruturais quanto às exigências ambientais. “Há espaço para todos os materiais e o sucesso vem da capacidade de combinar essas práticas de maneira que resultem em construções atraentes, viáveis e sustentáveis”, ressalta Tainara Nievola.

Desse modo, a sustentabilidade e a inovação devem caminhar juntas, especialmente em um contexto onde a demanda por soluções sustentáveis está crescendo. Em vez de reinventar a roda, muitas vezes a inovação surge da combinação inteligente de métodos e materiais já conhecidos. “Em projetos de construção em madeira, a sustentabilidade pode ser aprimorada se o edifício for projetado para ser desmontado e remontado em outro local. Tem projetos em Londres, que foram concebidos para serem desmontados e realocados, aproveitando ao máximo os recursos e reduzindo o desperdício. Essa abordagem inovadora demonstra como a sustentabilidade pode ser incorporada ao planejamento desde o início, contribuindo para um ciclo de vida mais eficiente e menos impactante para o meio ambiente”, afirma Tainara.

Dentro desse conceito, alguns edifícios usados para acomodar delegações durante os Jogos Olímpicos de Paris foram projetados com a intenção de serem desmontados ou realocados para outros locais após os eventos, assim como aconteceu nas Olimpíadas de Londres. “Isso mostra que é possível desenvolver soluções arquitetônicas e construtivas que se adaptam a diferentes cidades e projetos,” destacou a engenheira.

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Para os especialistas, o principal obstáculo enfrentado pela madeira engenheirada é, de fato, a aceitação e compreensão do mercado em relação a essa nova tecnologia. Portanto, para que o material ganhe tração no mercado, é fundamental um esforço conjunto para educar e engajar todos os stakeholders. Somente assim será possível transformar a percepção do mercado e permitir que essas soluções sustentáveis, como a madeira na construção, se torne realidade.

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