Cidade de madeira: a próxima revolução urbana à vista?

Da corrida pelos arranha-céus aos audaciosos planos de cidades autossuficientes, a madeira se destaca na visão de futuro.

Por Redação em 9 de outubro de 2023 7 minutos de leitura

cidade de madeira
Edifício Ascent (Foto: Richard Ebbers/CoStar)

Uma competição global está em curso na arquitetura: construir o “arranha-céu de madeira mais alto do mundo”. Até julho de 2022, o recorde pertencia ao Mjøstårnet, uma torre de 85 metros na Noruega, mas o Ascent, com 87 metros em Wisconsin, nos Estados Unidos, superou o recorde. Agora, planos para torres de 90 metros em Ontário, no Canadá, e 100 metros, na Suíça, devem alterar o ranking mais uma vez. Mas enquanto engenheiros e arquitetos protagonizam esse embate nas alturas, uma empresa sueca tem uma visão ainda mais audaciosa: construir a maior cidade de madeira do mundo, na capital da Suécia, Estocolmo. 

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A Stockholm Wood City está programada para se erguer em Sickla, uma área ao sul da cidade. Esta iniciativa, liderada pela empresa de desenvolvimento urbano, Atrium Ljungberg, é muito mais do que uma simples expansão urbana. É uma declaração ousada de compromisso com a sustentabilidade e uma visão do futuro da construção de cidades.

A maior cidade de madeira do mundo

Com início programado para 2025, a construção de um complexo em um terreno de 250 mil metros quadrados está prestes a se tornar uma realidade. O projeto conta com a construção de 30 edifícios de madeira, espalhados por mais de 25 quarteirões. Dez anos após o início do empreendimento, a área abrigará um conjunto de duas mil residências, sete mil escritórios, além de restaurantes e lojas que prometem revitalizar a paisagem urbana da cidade.

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Foto: Atrium Ljungberg /Henning Larsen

O orçamento estimado para a empreitada atinge a cifra de 12 bilhões de coroas suecas, valor correspondente a, aproximadamente, US$ 1,4 bilhão. Entretanto, o que verdadeiramente se destaca é o compromisso declarado de Annica Anäs, líder da Atrium Ljungberg, em reduzir a pegada de carbono do projeto em até 40%, quando comparado aos métodos convencionais de construção com concreto e aço. A chave para essa meta ambiental? A madeira.

Para enfrentar o desafio, a empresa sueca optará por utilizar o método de construção com madeira em camadas, conhecido como mass timber, que combina várias camadas de madeira para aumentar ao máximo a resistência e durabilidade dos materiais empregados. As obras têm previsão de início em 2025, com conclusão estimada para 2027. 

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Cidade de madeira de Estocolmo: tudo em 15 minutos

A futura cidade de madeira não apenas busca inovação na construção, mas também desempenha um papel estratégico na melhoria da mobilidade urbana. Estocolmo, como muitas outras cidades, enfrenta o desafio de ter suas principais áreas residenciais no sul da cidade e os centros de emprego no norte. O objetivo da nova construção é restaurar o equilíbrio, trazendo oportunidades de emprego mais próximas das áreas residenciais.

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O projeto está alinhado ao conceito de cidade de 15 minutos, que se concentra em criar cidades onde os serviços essenciais estejam a uma curta distância, acessíveis a pé ou de bicicleta. Isso reduz a dependência de veículos particulares, o que, por sua vez, contribui para a redução das poluições do ar e sonora.

Além disso, o planejamento urbano inclui a integração com o transporte público, como uma estação de metrô que conecta a nova área ao centro da cidade. No entanto, a visão central do projeto é promover uma grande área de convivência, onde a maioria das atividades diárias possa ser facilmente realizada a pé. Ou seja, além de promover a mobilidade sustentável, a abordagem cria um ambiente urbano mais amigável e saudável para os moradores.

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Cidade de madeira autossuficiente

Em Xiong’an, a emergente cidade na China, a madeira também ganhou seu destaque, contrapondo-se à tendência das habituais torres de vidro contemporâneas. O projeto concebido pelo escritório Guallart Architects, liderado pelo arquiteto espanhol Vicente Guallart, tem a madeira como elemento central, trazendo a reboque um estilo de vida simples, sem abrir mão das necessidades modernas.

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Foto: Reprodução/Guallart Architects

Vencedor de um concurso internacional na categoria “Instalações Residenciais e Comunitárias”, o projeto intitulado “A cidade autossuficiente” apresenta um modelo urbano que consiste em quatro quarteirões interconectados projetados para permitir que os residentes vivam, trabalhem, façam compras e relaxem sem a necessidade de deslocamentos extensos. 

Os edifícios de madeira maciça acomodam uma variedade de grupos etários, abrigando residências, lojas, um mercado, creche, escritórios, bem como um centro administrativo, uma piscina pública e uma estação de bombeiros. 

A ideia é erguer estufas nos telhados de todos os edifícios residenciais, criando um espaço para cultivar alimentos, ao mesmo tempo em que aproveita as coberturas inclinadas para gerar energia solar por meio de painéis fotovoltaicos.

Um mundo em transição para edifícios sustentáveis

Campus Pudasjärvi, na Finlândia (Foto por: RA-Studio Raimo Ahonen)

A construção moderna em madeira é um tópico cada vez mais debatido e de crescente interesse global. Exemplos se espalham em países como a Finlândia, que está empenhada em dobrar o uso da madeira como material de construção em um prazo de quatro anos. O objetivo é elevar a parcela de edifícios de madeira de 15%, em 2020, para 45%, até 2025, com especial foco em novos edifícios educacionais e residenciais de vários andares de propriedade pública.

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No Chile, o Ministério da Agricultura também está seguindo uma trajetória semelhante: aumentar a participação da madeira de 18%, em 2015, para 36%, até 2035. Este compromisso é motivado pelo desejo de alcançar a neutralidade de carbono até 2050, com um destaque na contribuição dos recursos florestais na absorção de CO2.

Na Polônia, o programa “Polskie Domy Drewniane” se concentra em edifícios energeticamente eficientes feitos de madeira, incluindo moradias unifamiliares e apartamentos multifamiliares.

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Embora muitos projetos tenham sido concluídos com sucesso até agora, é importante notar que a maioria deles ainda consiste em edifícios individuais ou pequenos blocos isolados. No entanto, mesmo com essas construções pontuais, as vantagens intrínsecas das construções em madeira chamam atenção. Elas oferecem benefícios significativos para o meio ambiente, contribuindo para a redução das emissões de carbono, bem como para a saúde e o bem-estar das pessoas que vivem e trabalham nesses espaços. 

Vantagens sustentáveis

A madeira possui uma série de vantagens que a torna uma escolha atrativa na construção e no urbanismo. De acordo com um relatório sobre os benefícios de edifícios feitos de madeira, escrito pelo especialista em ambiente e professor emérito da Universidade de Alberta, Graham Lowe, muitos estudos mostraram que estar perto da madeira pode ser bom para as pessoas. Essas descobertas englobam melhorias no conforto humano, como maior satisfação com as condições do ambiente, incluindo iluminação, nível de ruído e temperatura. 

Também foi observada uma redução na ativação do sistema nervoso simpático, que é o mecanismo responsável pelas respostas fisiológicas ao estresse, quando há presença de superfícies de madeira em um ambiente. Da mesma forma, estudos revelaram que a inclusão de materiais de madeira em instalações médicas pode ter um impacto regenerativo e positivo no sistema nervoso humano.

Mas não é só na questão de bem-estar que a madeira se destaca. De acordo o relatório “Conceitos de circularidade na construção em madeira”, da Comissão Econômica das Nações Unidas da Europa (UNECE), como um recurso natural, a madeira é abundante e renovável, graças ao seu ciclo de crescimento relativamente curto em comparação com matérias-primas utilizadas em outrsos materiais de construção, como o concreto ou o aço, o que reduz significativamente seu impacto ambiental. 

Além disso, a madeira é um material produzido pelo processo de fotossíntese, impulsionado pela energia solar, o que oferece uma vantagem a mais em termos de sustentabilidade. Como resultado do uso de energia solar disponível gratuitamente e com impacto zero pelas árvores, o consumo adicional de energia, especialmente de energia fóssil, na transformação da madeira em componentes de construção é significativamente menor do que para outros materiais de construção. 

Aliás, o fato de a madeira ser produzida como resultado da fotossíntese se traduz em outra vantagem importante: o cultivo de árvores captura CO2 do ar. Entre todas as espécies de madeira encontradas no mundo, o carbono compõe em média metade de seu peso seco. Quando as árvores são posteriormente colhidas, esse carbono continua a ser sequestrado, mesmo após o processo de transformação do material em produtos.

Um estudo publicado na revista Nature em 2022 calculou que se fossem construídos edifícios de madeira de altura suficientes para acomodar 90% dos novos habitantes urbanos até 2100, seria possível reduzir as emissões de dióxido de carbono em incríveis 106 gigatoneladas. Para se ter uma ideia, o planeta atualmente emite cerca de 40 gigatoneladas de CO2 por ano.

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No entanto, uma transformação tão gigantesca exigiria a implementação de plantações de madeira sustentáveis, garantindo que não ocorra desmatamento prejudicial ao meio ambiente. Diga-se de passagem, a Suécia, berço da maior cidade de madeira do mundo, está na vanguarda dessa inovação, já que quase 70% de seu território é coberto por densas florestas.

A resistência ao fogo 

Uma das maiores preocupações que as pessoas têm em relação aos prédios de madeira é o risco de incêndio. No entanto, os edifícios em Stockholm Wood City, por exemplo, serão equipados com sistemas de proteção contra incêndio, como sprinklers e materiais resistentes ao fogo, que são semelhantes aos usados em prédios de concreto ou tijolo.

Além disso, os pesquisadores estão começando a descobrir que a madeira engenheirada, por sua própria natureza, é surpreendentemente resistente ao fogo. Para obter a aprovação para a construção do edifício Ascent, nos Estados Unidos, o Serviço Florestal conduziu testes nas colunas de madeira laminada que seriam usadas na construção. Eles descobriram que essas colunas eram difíceis de incendiar e mantinham sua estrutura mesmo após três horas de exposição ao fogo.

Isso acontece porque, sem uma fonte de calor constante, a camada externa de madeira carboniza, criando uma espécie de proteção natural para a estrutura interna, como quando alguém tenta fazer uma fogueira usando apenas toras de madeira. Muitos dos grandes incêndios do passado, como o Grande Incêndio de Londres em 1666, se espalharam principalmente devido a pequenas seções de madeira que agiam como pequenos gravetos. Portanto, quando se pensa em construir uma cidade de madeira, é seguro dizer que a madeira pode ser mais resistente ao fogo do que se imaginava.