Microparques Urbanos, macroimpacto socioambiental

Programa premiado internacionalmente transforma áreas degradadas por meio de uma parceria entre a gestão municipal, BIRD e a população.

Por Redação em 9 de fevereiro de 2024 5 minutos de leitura

micro parques urbanos
Foto: Larissa Nobre

Cerca de 15.900 quilômetros separam os municípios de Fortaleza, no Ceará, Brasil, e Seul, na Coreia do Sul. Porém, um ponto aproxima os dois locais: em apenas dois anos, os sul-coreanos premiaram duas vezes um projeto da capital cearense baseado em sustentabilidade ambiental. Trata-se do programa Microparques Urbanos, que transforma áreas degradadas e subutilizadas da capital cearense em espaços verdes públicos para lazer e contato da população com a natureza. São pequenos terrenos públicos desocupados que, em geral, ficam próximos a escolas públicas, o que facilita o acesso dos estudantes.

Foto: Larissa Nobre

O projeto ficou em terceiro lugar no prêmio Seoul Design Award for Sustainable Daily Life 2023, que avaliou iniciativas – assinadas por designers e organizações de diversos países – que têm o intuito de contribuir para modos de vida mais sustentáveis e harmônicos nas cidades. O Microparques Urbanos foi o único da América do Sul selecionado para concorrer ao prêmio, organizado pelo Seoul Design Foundation e pelo Governo Metropolitano de Seul. Também conquistou, em 2022, o primeiro lugar no prêmio sul-coreano AIPH World Green City Awards, na categoria Living Green for Health and Wellbeing. A iniciativa concorreu com projetos do mundo todo e é realizada pela International Association of Horticultural Producers (AIPH), organização internacional para a promoção de ambientes com mais verde.  

Por que investir no verde 

Parque Arquiteto Otacílio Teixeira Neto (Foto: Fabiane de Paula/ Reprodução Diário do Nordeste)

Implantar e manter espaços verdes públicos nas cidades é fundamental – e desafiador. São áreas que cumprem a função de reduzir os efeitos nocivos da intensificação dos processos de urbanização e industrialização, que pressionam os recursos naturais (como a água e o solo) e causam problemas ambientais: poluição, inversão térmica, chuva ácida, enchentes e deslizamentos de terra. 

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Áreas verdes têm, ainda, o poder de reduzir efeitos da poluição e dos ruídos, diminuir a temperatura, abrigar animais e melhorar a qualidade de vida das pessoas, promovendo o equilíbrio ambiental nas cidades. Também ajudam a combater ilhas de calor, responsáveis pelo aumento de chuvas intensas e, consequentemente, de inundações. E são determinantes para a dinâmica de doenças, principalmente as das vias respiratórias ou que atingem grupos mais suscetíveis (idosos e crianças).

Assim, essas áreas são imprescindíveis para que os municípios se adaptem às mudanças climáticas e para que sejam amenizadas as consequências negativas dessas mudanças nas esferas humana, econômica e social. 

Brinquedos naturalizados

Foto: Larissa Nobre

O Microparques Urbanos é um projeto da Prefeitura de Fortaleza em parceria com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), instituição financeira internacional que integra o Banco Mundial e oferece empréstimos a países em desenvolvimento. Concebido para incentivar experiências e aprendizados de crianças e jovens ao ar livre, ajuda a suprir a carência de espaços naturais para a primeira infância nas grandes cidades. 

Os equipamentos e brinquedos são construídos principalmente com elementos naturalizados: aqueles elaborados a partir de materiais naturais como madeira, serragem, areia, troncos de árvores, arbustos, pedras, água, galhos, gravetos, folhas e terra, que são, portanto, reaproveitados. O uso de equipamentos naturalizados, além de serem sustentáveis, busca encorajar experiências sensoriais e motoras das crianças, colaborando para o desenvolvimento cognitivo dos pequenos, ao contrário dos objetos fabricados com materiais plásticos ou emborrachados, que propiciam menos possibilidades de criação e ativação dos sentidos. 

Ao todo são 32 microparques, com investimento total de mais de R$ 12 milhões para beneficiar 150 mil pessoas, aproximadamente. O custo de dois parques cabe à Prefeitura de Fortaleza e os outros 30 integram o Programa Fortaleza Cidade Sustentável (FCS), financiado pelo BIRD/Banco Mundial. 

Sete microparques foram implantados e entregues à população em 2020, 2021, 2023 e 2024 – são eles: José Leon, na Cidade dos Funcionários; Seu Zequinha, na Barra do Ceará; Aconchego, no Conjunto Ceará l; Prof. Rosely, no Mondubim; Santa Luzia, no Conjunto Ceará II; Maria Zeneida, no Aracapé; Seu Bené, no Conjunto Esperança. E outros 25 microparques devem ser entregues até o final de 2024.

Nasce um microparque  

Foto: Larissa Nobre

De acordo com a Secretaria Municipal do Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) de Fortaleza, o projeto Microparques Urbanos é implementado com participação social, viabilizado junto à população. Funciona assim: após mapear áreas, equipes da prefeitura visitam escolas e equipamentos sociais para conversar com moradores e levantar as necessidades coletivas que podem ser contempladas no microparque planejado. 

Também são realizadas reuniões e oficinas e, em seguida, é formado um conselho gestor. Em assembleia, o projeto passa por validação popular. “A nossa ideia é integrar a população em todas as etapas desse projeto de ampliação dos ambientes verdes de Fortaleza. Assim, estaremos coletivamente contribuindo com a melhora do clima e estimulando crianças e suas famílias a terem um maior contato com a natureza”, comenta a secretária do Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, Luciana Lobo. A prefeitura realiza manutenção e fiscalização do uso com ajuda dos moradores, que avisam, por exemplo, quando são necessários reparos.

A participação da população na elaboração e manutenção do projeto Microparques Urbanos vai ao encontro da análise da arquiteta Larissa Campagner, consultora em Desenvolvimento Urbano e professora doutora e pesquisadora (FAU/Mackenzie) na área de urbanismo, espaços públicos e espaços comerciais. “Dois pontos que considero importantes no projeto são: o envolvimento da população na elaboração do projetos e conservação destes lugares e, também, como está pensada a gestão destes espaços públicos, para que depois de implantados possam ser conservados e aprimorados.“ 

Larissa Campagner, Consultora em Desenvolvimento Urbano e professora doutora e pesquisadora (FAU/Mackenzie) na área de urbanismo

Para ela, a localização, a escolha desses pontos, também precisa ser priorizada, sendo importante especialmente em espaços mais vulneráveis da cidade, que são carentes de espaços públicos, e que tenham demanda de uso pela população.

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Direitos 

Foto: Larissa Nobre

“Projetos de intervenção em espaços públicos, especialmente com o foco delineado por este programa – compreendendo a importância desses locais no acesso a direitos sociais básicos como lazer, esporte, cultura e até mesmo para a geração de emprego e renda, contribuindo, assim, para a redução da desigualdade social – são fundamentais nas cidades brasileiras”, frisa Larissa. Segundo ela, é possível estender o projeto Microparques Urbanos para as demais capitais brasileiras. Ela lembra de iniciativas desse tipo na cidade de São Paulo, por exemplo, como o conceito de pocket parks, importado de experiências internacionais.

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Como uma via de mão dupla, o Brasil é influenciado por iniciativas urbanas sustentáveis internacionais, ao mesmo tempo que inspira outros países, tal como o projeto Microparques Urbanos de Fortaleza, mostrando que é possível viabilizar a sintonia entre o meio ambiente e o meio construído, entre interação social e espaços verdes. São micro, mas com importância socioambiental macro.