O direito à beleza e ao capricho é para todos, mostra Coletivo

Responsáveis por “Casa do Ano”, Coletivo LEVANTE fala sobre o futuro das cidades e o poder criativo das favelas. Confira aqui!

Por Redação em 17 de julho de 2023 4 minutos de leitura

Foto: Leonardo Finotti

Na periferia de Belo Horizonte, em Minas Gerais, o Coletivo LEVANTE usa a arquitetura para engradecer as vivências e a habitação da comunidade local. Formado por diversos arquitetos e artistas, liderados por Fernando Maculan, Joana Magalhães e Kdu dos Anjos, o Coletivo LEVANTE mostra que o poder criativo e a beleza dentro das favelas.

O projeto ganhou os holofotes com a “Casa do Pomar do Cafezal”, que ganhou um prêmio internacional de arquitetura. O “barraco do Kdu”  tem tijolo e concreto aparente, evidenciando o estilo estético da periferia, mas conta com o toque da arquitetura, seja nos detalhes internos, como na sua infraestrutura, que leva em conta a iluminação, a ventilação e o solo do Aglomerado da Serra, maior favela de Minas Gerais.

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O bairro também foi cenário do mini-documentário de Fernando Maculan chamado “Onde você vai morar em 2050?”. Feito em 2022, o vídeo tem entrevista com moradores do bairro falando sobre as perspectivas positivas e críticas de como o espaço será parte da cidade do futuro.

Em entrevista exclusiva ao Habitability, os membros do Coletivo respondem sobre a construção e a necessidade de se falar de arquitetura nos bairros periféricos. Confira a seguir.

HABITABILITY: A Casa do Pomar do Cafezal ganhou prêmio de Construção do Ano no Archdaily, como o modelo deste projeto pode ser replicado?

Coletivo LEVANTE: Observamos a curiosidade das pessoas ao redor da casa desde os primeiros movimentos de obra, o que levou a muitas trocas interessantes sobre técnicas construtivas, principalmente com os profissionais da construção civil que trabalharam nesse projeto. Nós adotamos diversas estratégias sugeridas por estes profissionais e conseguimos ver hoje também que eles levaram e aplicaram em seu trabalho e repertório algumas das estratégias que desenvolvemos, ou mesmo uma maneira mais positiva de interpretar a capacidade do acervo de materiais predominante no seu dia a dia.

HABITABILITY: O Kdu dos Anjos afirmou que “A estrutura do meu barraco fortalece a sustentação do beco inteiro”: como projetos como o da Casa do Pomar afetam a vizinhança? E como podem impactar positivamente a cidade?

coletivo levante
Foto: Leonardo Finotti

Coletivo LEVANTE: A integração com os profissionais da sondagem, topografia e engenharia foi essencial para estabelecer essa boa fundação que Kdu descreve na fala. Infelizmente, atualmente existe uma enorme separação entre a construção civil em periferias e essas disciplinas que são tão importantes para garantir a estabilidade do solo e a segurança do imóvel. Muitas famílias fazem grande esforço para construir sua casa e estão sob risco de diversas intempéries do solo por falta desses serviços que são, infelizmente, em muitos casos, a parte mais cara das obras. Muitos vizinhos conseguiram entender pela obra do Kdu (e ele mesmo conta em diversas ocasiões) como foi fundamental o trabalho da geotecnia e os meios de conseguir acessar esses serviços através do Estado e das políticas públicas de garantia à moradia digna.

HABITABILITY: Como a comunidade recebe as obras do Coletivo? Quais são as reações e observações quando vocês falam de arquitetura e saberes tradicionais? 

Coletivo LEVANTE: De maneira geral, quando nos aproximamos de novos territórios, tendemos a estender a estadia. O Coletivo tem a característica de tornar as vivências parte essencial da atuação, levando as subjetividades e o afeto com as comunidades como algo muito mais próximo do entendimento dos desejos e do que é possível se fazer, das técnicas que já são desenvolvidas, dos artistas e colaboradores que podem cruzar com a arquitetura, de forma a anexar a arquitetura como “mais um” agente dos movimentos preexistentes; acaba se tornando um “briefing” mais profundo que um tão formal “programa de necessidades”. Com isso, vamos às festas, fazemos amizades, amores, trabalhos, passeios… por isso sentimos que nossa presença e projetos são muito queridos pelos lugares que tocamos até hoje. 

HABITABILITY: Qual a importância dos moradores de lugares precarizados em morar não só em um espaço funcional, mas também bonito? Qual o impacto na autoestima?

Foto: Leonardo Finotti

Coletivo LEVANTE: O direito à beleza, ao capricho e à dignidade são de todas as pessoas. É importante que as pessoas entendam que nas favelas existem todos os tipos de pessoas, como em qualquer lugar. Por isso, existem inúmeras expressões, personalidades, formações familiares, religiões, memórias afetivas, repertórios materiais. Historicamente, padronização que tende a acontecer em projetos de grande escala em favelas e periferias, ou mesmo em condomínios, tende a massificar regiões com um mesmo semblante, que não é verdadeiro, principalmente no caldeirão de cultura e vivacidade das comunidades brasileiras com sua enorme diversidade de origens.

HABITABILITY – O que a periferia pode ensinar para as cidades sustentáveis? 

Coletivo LEVANTE: As favelas e territórios de origem são cheios de riqueza humana, cultural e econômica que deve ser apreciada por toda a cidade.