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Feitos para encher, parques alagáveis são estratégias de resiliência urbana
De Copenhague a Curitiba, o conceito de parques alagáveis se espalha como uma estratégia eficaz de adaptação urbana às mudanças climáticas.
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Redação em 10 de dezembro de 2024 7minutos de leitura
Foto: Weiming Xie/ Shutterstock
O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) fornece dados detalhados sobre as mudanças nos padrões de precipitação em diversas regiões, incluindo o Brasil, onde a projeção é de um aumento na frequência de eventos de chuvas extremas, mesmo em áreas onde há tendência de redução no total anual de precipitações. Isso implica uma maior probabilidade de enchentes e alagamentos em várias regiões, como já temos visto. Nesse cenário, espaços verdes projetados especificamente para absorver grandes volumes de água são exemplos de medidas de resiliência – os chamados parques alagáveis, que transformaram a Dinamarca após a histórica ‘chuva do milênio’.
O que são parques alagáveis?
Além da função estética e das diversas formas de agregar saúde e qualidade de vida às pessoas, as versões alagáveis dos parques funcionam como um complemento dos sistemas de drenagem saturados pela infraestrutura urbana predominantemente de concreto e asfalto e o alto volume de chuvas.
Projetado para ser inundado durante períodos de chuvas intensas, sua principal função é atuar como um reservatório temporário para armazenar a água da chuva, evitando que ela se acumule nas ruas e cause alagamentos. Em vez de ser simplesmente direcionada para os sistemas de drenagem urbanos, que muitas vezes não dão conta do volume de água, essa água é encaminhada para o parque, onde pode ser absorvida pelo solo ou drenada de volta para corpos d’água, como rios e lagos.
Além de evitar a sobrecarga da infraestrutura urbana e minimizar os danos causados por enchentes, os parques alagáveis trazem uma série de benefícios ambientais. Eles ajudam a melhorar a qualidade do ar, promovem a biodiversidade ao criar habitats para plantas e animais, e contribuem para a redução do efeito de ilhas de calor urbanas. Em muitas cidades, esses parques também se tornaram pontos de lazer e convivência para a população, oferecendo áreas para caminhadas, piqueniques e outras atividades ao ar livre.
O conceito de parque alagável está em linha com a ideia de infraestrutura verde, que busca integrar soluções naturais ao planejamento urbano, assim como também faz parte do conceito de cidade-esponja. Em vez de depender exclusivamente de sistemas de drenagem tradicionais, que muitas vezes são insuficientes, essas áreas aproveitam os recursos naturais para melhorar a resiliência das cidades às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que criam espaços públicos agradáveis e sustentáveis.
Parques alagáveis pelo mundo
Exemplos de parques alagáveis podem ser encontrados tanto no Brasil quanto em diversos países ao redor do mundo. Países como China, Estados Unidos, Dinamarca e várias cidades europeias adotaram o conceito de parques alagáveis como parte de suas estratégias de gestão das águas pluviais e como forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
As lições da chuva do milênio na Dinamarca
Em 2 de julho de 2011, Copenhague, na Dinamarca, foi devastada por uma tempestade histórica que despejou uma quantidade recorde de água sobre a cidade em questão de horas. O evento, apelidado de “chuva do milênio”, não apenas trouxe enormes danos materiais, mas também serviu como um marco na maneira como o país abordou o planejamento urbano, a infraestrutura e a gestão ambiental.
A chuva do milênio expôs a vulnerabilidade de muitas áreas urbanas diante de fenômenos climáticos extremos e a limitação das soluções tradicionais para o controle de águas pluviais. Nos sete anos seguintes, tempestades semelhantes começaram a se tornar cada vez mais frequentes, com quatro eventos de “chuvas do século” registrados durante o período. Os prejuízos financeiros chegaram aos 800 milhões de euros (aproximadamente R$ 4,3 bilhões), deixando clara a urgência de se repensar o modelo de infraestrutura e planejamento urbano.
Em vez de apenas tentar corrigir os danos, a Dinamarca decidiu adotar uma abordagem mais integrada e sustentável para transformar seus espaços urbanos, tornando-os mais resilientes às mudanças climáticas, transformando o modelo de desenvolvimento urbano, até então centrado em sistemas de drenagem convencionais.
Parques alagáveis contra a chuva
Diante do aumento das chuvas extremas e das consequências devastadoras das inundações, Copenhague vem transformando a sua infraestrutura urbana com soluções inspiradas no conceito de cidades-esponja. Liderada por Jan Rasmussen, chefe do Cloudburst Master Plan (plano diretor para tempestades) de Copenhague, a cidade elaborou um plano que envolve a remodelação de aproximadamente 250 espaços públicos, incluindo parques, playgrounds e a icônica rotatória de Sankt Kjelds Plads.
A proposta é simples: aproveitar a capacidade natural de árvores, arbustos e do solo para reter a água da chuva e redirecioná-la para áreas onde não cause danos. Em Sankt Kjelds Plads, por exemplo, foi criado um sistema de lagos integrados que margeiam a rotatória, sendo uma espécie de parque alagável.
A abordagem se estende a outras áreas da cidade. Lagos semelhantes, junto a ruas rebaixadas com aberturas laterais, canalizam a água da chuva para uma rede de túneis subterrâneos, localizada a 20 metros abaixo da superfície. Durante chuvas moderadas, o sistema direciona a água para o porto, onde ela é escoada naturalmente.
Porém, em cenários de tempestades intensas, quando o volume de água excede a capacidade inicial, uma estação de bombeamento especialmente projetada no porto será acionada. Ela forçará a água acumulada nos túneis a ser descarregada no mar, liberando espaço no sistema subterrâneo e prevenindo alagamentos nas ruas. Essa estação de bombeamento, cuja conclusão está prevista para 2026, é um componente fundamental desse modelo de resiliência climática.
Embora as ruas não fiquem completamente secas, a solução promete reduzir significativamente os alagamentos. Segundo Jes Clauson-Kaas, engenheiro da Hofor, departamento responsável pela gestão de água na cidade, ainda haverá água nas ruas, mas em uma profundidade muito menor. “Em vez de um metro de água, teremos no máximo 20 centímetros”, explica.
Parques alagáveis brasileiros
Nas últimas décadas, o Brasil registrou mudanças significativas nos padrões de precipitação, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A Região Sul apresentou um aumento médio anual de até 30% na precipitação, enquanto os eventos extremos de chuva também se intensificaram, com maior volume em curtos períodos, especialmente no Sul.
Na região, Curitiba tem se destacado como referência em resiliência climática e sustentabilidade urbana. Além das iniciativas previstas no PlanClima, a cidade tem implementado grandes obras de infraestrutura para mitigar os riscos de enchentes causadas por chuvas intensas. Atualmente, 30 obras de macrodrenagem estão em andamento, com 16 delas concluídas em tempo recorde, no período de um ano (2018). As intervenções abrangem seis bacias hidrográficas: Passaúna, Belém, Barigui, Atuba, Iguaçu e Ribeirão dos Padilha.
Uma medida preventiva importante é a limpeza regular das galerias e caixas de captação das águas pluviais. Essa ação, parte do programa Curitiba Contra Cheias, evita que entupimentos agravem alagamentos durante tempestades, reforçando a eficiência do sistema de drenagem da cidade.
Outro destaque é o investimento em áreas verdes alagáveis. A criação de cinco novos parques está prevista, sendo um deles o Parque Colinas do Abranches, no bairro de mesmo nome. Este parque contará com uma bacia de contenção de cheias e estará estrategicamente localizado próximo ao Parque São Lourenço, contribuindo para a melhoria da drenagem na região.
Além disso, os novos parques planejados para Curitiba, como o que será construído ao lado do Rio Barigui, no Bairro Novo da Caximba, e o parque na área da Reserva Hídrica do Futuro, no Umbará, também foram projetados para desempenhar as funções de parques alagáveis.
Solução de Jaraguá do Sul combina lazer e prevenção de enchentes
O Parque Linear Via Verde, em Jaraguá do Sul/SC é outro exemplo brasileiro de como aliar infraestrutura urbana ao controle de enchentes. Localizado às margens do rio Itapocu, o parque combina lazer e prevenção de desastres, funcionando como uma área de escape para águas pluviais. Em períodos de chuva intensa, ele inunda, protegendo outras regiões da cidade de alagamentos.
Inspirado em outros modelos internacionais, como os parques alagáveis de Nova Iorque e Holanda, o parque foi construído a partir da escavação de uma área de pastagem, criando espaço para o desvio de águas. Equipado com academia ao ar livre, pista de skate e áreas de caminhada, sua estrutura foi projetada com materiais resistentes, como metal, plástico e concreto, que podem ser facilmente higienizados após uma inundação, permitindo o rápido retorno das atividades.
A iniciativa foi recomendada pelo Ministério Público de Santa Catarina, que atua na identificação e regulamentação de áreas de risco. Desde o início de sua operação, em 2019, o parque tem cumprido sua função, como mostra a ausência de enchentes graves na cidade. Sua última fase foi concluída em 2023, consolidando o Parque Via Verde como uma solução eficaz e sustentável para gestão hídrica e urbanismo resiliente.
Investir hoje para evitar prejuízos amanhã
Adaptar uma cidade para enfrentar eventos climáticos extremos não é apenas uma questão técnica, mas também social. Em Copenhague, parte do desafio está em conquistar o apoio dos moradores para medidas que, no curto prazo, podem parecer inconvenientes. Fechar parquinhos infantis, interromper o uso de parques e implementar taxas extras nas contas de água para financiar projetos de adaptação são decisões que, muitas vezes, encontram resistência.
No entanto, especialistas como Jes Clauson-Kaas ressaltam que esses investimentos são essenciais para prevenir perdas ainda maiores no futuro. A “chuva do milênio” de 2011, por exemplo, resultou em prejuízos estimados em quase 1 bilhão de euros. Projeções indicam que, nos próximos 100 anos, eventos semelhantes podem causar danos acumulados entre 4 e 5 bilhões de euros, caso medidas de adaptação não sejam implementadas. A lógica financeira é clara: investir cerca de 2 bilhões de euros em infraestrutura resiliente agora pode poupar bilhões em prejuízos futuros.
Além disso, esses investimentos não apenas reduzem os riscos econômicos, mas também protegem a qualidade de vida da população e a funcionalidade da cidade. Embora as mudanças exijam sacrifícios iniciais, o objetivo é construir uma cidade mais segura, sustentável e capaz de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
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