Parques lineares: o caminho entre natureza e áreas urbanas   

Intervenções urbanísticas sustentáveis, parques lineares integram natureza e qualidade de vida às cidades e ainda mitigam impactos negativos.

Por Redação em 5 de setembro de 2024 7 minutos de leitura

parques lineares
Shenzhen Skypark (Foto: Shenzhen Baiyu Studio/Crossboundaries)

Quem percorre os 2,3 km do High Line Park, um dos principais pontos turísticos de Nova Iorque, não imagina que a região era degradada nos anos 1980, quando a linha férrea centenária que passa por ali – e é visível até hoje – foi desativada e abandonada. O local foi ressignificado para dar vida a esse que é um dos parques lineares mais conhecidos do mundo. Parques lineares são intervenções urbanísticas sustentáveis que geralmente acompanham rios ou antigas linhas de trem e são implantadas em áreas que precisam ser preservadas ou revitalizadas, o que ajuda a proteger o meio ambiente e a melhorar a qualidade de vida da população, fortalecendo a conexão dela com a natureza. 

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High Line Park

No High Line Park, o público pode contemplar diferentes exemplares de árvores enquanto passa por edifícios novos e antigos – e aproveitar as vistas de Manhattan e do rio Hudson. Esse corredor verde cumpre com maestria um dos grandes objetivos dos parques lineares: a humanização das cidades e a transformação de áreas degradadas em locais agradáveis e acessíveis à população, com incentivo a caminhadas e pedaladas e redução da dependência, da população, de veículos motorizados. O trajeto pelo High Line Park termina na estação de trem St. John’s Terminal, que também foi radicalmente transformada: em fevereiro de 2024, deu lugar à nova sede do Google em Nova Iorque, projetada para abrigar três mil funcionários. A empresa restaurou o prédio do terminal original de três andares e adicionou nove pavimentos. O local conta com uma praça aberta ao público e jardins ao redor do prédio usando 95% de plantas nativas. O novo escritório privilegia espaços abertos em vez dos tradicionais cubículos de escritório. E oferece circuito para caminhada ao ar livre no 11º andar, além de auditórios, microcozinhas e bar de sucos.  

Parques lineares, faixa de natureza e qualidade de vida

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São inúmeras as vantagens dos parques lineares para a cidade e a população, como a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, pois esses locais absorvem carbono, melhoram a qualidade do ar e reduzem o calor em áreas densamente construídas e pavimentadas. Também ajudam na conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, no escoamento da água da chuva (evitando inundações) e na prevenção contra erosão do solo. Parques lineares ampliam as áreas verdes nas cidades – são uma faixa de natureza no meio do concreto e do asfalto –, o que melhora a qualidade de vida dos moradores. A presença de vegetação ajuda a reduzir o estresse e a aumentar o bem-estar. 

São também opções de lazer, descanso, convivência e contato com a natureza, tornando-se assim espaços públicos multifuncionais ao ar livre, propícios para caminhadas, corridas, piqueniques e eventos comunitários (feiras, festivais, atividades esportivas). Assim, parques lineares podem ser oportunidade de lazer e convivência para todos os moradores, independentemente de sua renda ou origem, atuando como importante elemento de igualdade social. 

“Investir em parques lineares é uma estratégia inteligente para tornar nossas cidades mais sustentáveis, saudáveis e acolhedoras. Eles funcionam como corredores ecológicos, conectando áreas verdes e permitindo que a fauna e a flora se movimentem. Um importante objetivo é a preservação ambiental, mas esses locais também contribuem para a mobilidade urbana quando têm faixas para pedestres e ciclistas”, comenta o arquiteto e urbanista Alexandre Panizza, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. 

Alexandre Panizza (Foto: Divulgação)

Linear, mas com as curvas do rio 

Outro parque linear ícone em Nova Iorque, o Domino Park, fica na orla do East River, em uma região antes abandonada. O projeto aproveita parte da estrutura de uma antiga fábrica de açúcar, lembrada por meio de tanques metálicos e outras estruturas preservadas. Entre as atrações do parque estão quadras esportivas, playgrounds, restaurantes e áreas para descanso. 

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Domino Park

Foi também uma antiga área industrial que fez nascer um famoso parque linear em Santiago, no Chile: o Parque de La Família, às margens do Rio Mapocho. A área, degradada no passado, hoje é aproveitada por moradores e visitantes em mais de 20 hectares de áreas verdes com lagos artificiais e espaços para esporte, lazer e cultura. O objetivo da implantação do Parque de La Família foi recuperar e valorizar as margens do Rio Mapocho, gerando polos de desenvolvimento ao longo do percurso. O parque se comporta como as curvas do rio e pode ser aproveitado de bicicleta ou a pé. 

Parque de La Família (Foto: Felipe Díaz Contardo/ Boza Arquitectos)

Já no Brasil, Manaus conta com o Parque Linear Amazonino Mendes, que fica em uma área urbana do Programa de Recuperação Ambiental e Requalificação Social e Urbanística do Igarapé do Mindu (Promindu) e oferece à população, quiosques, quadras esportivas, academia ao ar livre, playground, ciclovia e pista de caminhada. Outras cidades brasileiras que têm parques lineares são Barueri/SP, Belo Horizonte/MG, Camboriú/SC, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Indaiatuba/SP, Porto Alegre/RS, Rio de Janeiro/RJ, São José dos Pinhais/PR. 

Parque Linear Amazonino Mendes (Foto: Júlia Lobão/UGPE Amazonas)

Na capital paulista, o Parque Linear Tiquatira é um expoente porque foi o primeiro da cidade – hoje são mais de 20. Inaugurado em 2007 no bairro da Penha, zona leste da cidade, o Tiquatira ocupa uma faixa de três quilômetros de extensão ao longo do córrego que dá nome ao parque. O espaço oferece quadras esportivas, ciclovias e gramados. Também na zona leste, o Parque Linear Guaratiba, em Guaianases, tem um diferencial: o Programa Jardins Comestíveis, com mais de 12 mil mudas de plantas comestíveis – como couve, peixinho e alface – formando uma obra de arte assinada pelo artista franco-tunisiano Jean Paul Ganem. 

Parque Linear Tiquatira (Foto: Reprodução/Áreas Verdes das Cidades)

O local abrigará um viveiro-escola, com atividades junto à comunidade da região, que receberá capacitação profissional para geração de renda. Os participantes terão aulas teóricas e práticas sobre como preparar, afofar e cobrir o solo, além de adubação. Em diversas partes do mundo, o conceito de cidades comestíveis ganha força para, por meio da criação de hortas e pomares em regiões urbanas, ajudar a reduzir a insegurança alimentar no mundo. É o caso do Edible Cities Network, grupo de 150 cidades que destina áreas verdes para cultivo de plantas comestíveis em países como China, Tunísia, Uruguai, Cuba e Estados Unidos, além de nações da Europa. 

Foto: Reprodução/Edible Cities Network

Saiba mais: Está na hora das cidades comestíveis

Trabalho multidisciplinar 

“A implantação de parques lineares é uma tarefa complexa e repleta de desafios, como detalhes técnicos, questões político-administrativas dos municípios, interesse da comunidade e recursos financeiros. É um trabalho de planejamento urbano multidisciplinar, pois envolve geógrafos, hidrólogos, engenheiros, arquitetos, paisagistas e botânicos. É preciso organização para fazer isso acontecer”, define Panizza. Ele explica que são imprescindíveis planejamento e projeto adequados, que considerem topografia, drenagem, vegetação existente e necessidades da comunidade. “Muitas vezes, a falta de um projeto bem estruturado pode levar a problemas futuros, como áreas alagadas, erosão ou falta de acessibilidade”. 

Além disso, parques lineares podem atravessar diferentes bairros e comunidades, o que pode gerar conflitos sociais relacionados a propriedade, uso e acesso. “Garantir que os moradores se apropriem desses espaços e os utilizem ativamente é um desafio constante”, avalia o arquiteto, que acrescenta que a manutenção é essencial para a longevidade dos parques lineares, o que inclui cuidar de vegetação, limpeza, reparos e segurança. “A gestão contínua também é desafiadora. Como manter o equilíbrio entre o acesso livre e a preservação ambiental? Como lidar com eventos e atividades comunitárias?”. 

Como a implantação e a manutenção de parques requerem recursos financeiros, Panizza lembra que municípios podem buscar parcerias público-privadas para captação de recursos, já que muitas vezes enfrentam limitações orçamentárias.

Parque linear no quintal 

Cidade Sete Sóis (Foto: Divulgação/MRV)

Um parque linear no quintal de casa. Isso vai se tornar realidade dentro da Cidade Sete Sóis, novo conceito de bairro implantado pela MRV na zona norte da capital paulista, no distrito de Pirituba, na cidade de São Paulo/SP. É um projeto de cidade inteligente focada nas pessoas, integrando desenvolvimento imobiliário, planejamento urbano e sustentabilidade. O parque linear dentro da Cidade Sete Sóis estará inserido em uma área verde total de 750 mil metros quadrados, equivalente ao tamanho do Parque Villa Lobos, na zona oeste da cidade. O espaço verde oferecerá também um pomar indígena, onde serão cultivadas frutas nativas, como araçá e jabuticaba, que fazem parte da tradição dos povos originários e das famílias brasileiras. Moradores e visitantes poderão saborear frutas colhidas diretamente do pé. 

Saiba mais: Cidade Sete Sóis: a ótica humana na smartcidade

Para estimular a criação de parques lineares, seja em áreas públicas ou em áreas residenciais como a Cidade Sete Sóis, é necessário um planejamento integrado, que abarque projetos urbano e ambiental. Os parques lineares devem ser parte de um plano maior que considere rede hídrica, mobilidade e uso do solo, e que priorize a conexão com outros parques, ciclovias e áreas verdes. Para isso, é importante envolver a comunidade por meio de audiências públicas, workshops e campanhas de conscientização sobre os benefícios dos parques lineares, mostrando que esses espaços podem melhorar a saúde, promover o lazer e conectar pessoas. 

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Parcerias público-privadas podem ser um caminho para financiar e desenvolver parques lineares, o que inclui doações, patrocínios ou até mesmo adoção de trechos específicos. Empresas podem se beneficiar da associação com projetos sustentáveis e de impacto positivo na comunidade. 

Por sua vez, o poder público pode oferecer incentivos fiscais para proprietários que destinem parte de suas terras a parques lineares, com redução de impostos ou isenção de taxas para áreas verdes. Porém, isso requer legislação adequada e atualização das leis vigentes para facilitar a criação de parques lineares, envolvendo a criação de zonas especiais ou instrumentos urbanísticos específicos. No Brasil, o uso de Áreas de Intervenção Urbana (AIUs) pode ser uma solução viável.

Tudo isso pode ser acompanhado por educação ambiental e cultural nas escolas e comunidades para orientações sobre a importância dos parques e como cuidar deles. Por fim, exemplos bem-sucedidos pelo mundo podem inspirar e comprovar como municípios e países conseguiram implantar parques lineares com êxito. Afinal, um bom exemplo pode e deve ser seguido quando o benefício chegará para toda a população.