Quem está andando pelo bairro de Newman, em Londres, pode se deparar com uma construção um tanto quanto peculiar. Ela rola, mas não é redonda. É fixa, mas muda de lugar. Tem 12 toneladas, mas uma pessoa consegue empurrar. Trata-se da ponte portátil de Cody Dock, nas margens do rio Lea, um dos afluentes do Tâmisa.
Feita de aço e concreto, o pontilhão literalmente rola de um lado até outro do canal do rio Lea. Nesse movimento, ela fica de cabeça para baixo, permitindo que barcos passem do lado de baixo. “Se eu pudesse explicar que tipo de trabalho eu faço, digo: um trabalho estranho para uma cidade estranha”, brinca o arquiteto que criou o projeto, o britânico Thomas Randall-Page.
A construção incomum foi inaugurada neste ano e já virou um cartão postal para a região do rio Lea. “O processo de rodar a ponte de lugar dura 20 minutos. As pessoas ficam ali, esperando isso acontecer, como num espetáculo, num ritual”, conta Randall-Page. Para ele, o espírito divertido do pontilhão desperta a animação das pessoas em volta.
“A cidade precisa de diversão também. Precisa de construções surpreendentes, que oferece um pouco de deleite. Um espaço capaz de maravilhar as pessoas. Entendo que não é para todos os prédios da cidade, mas não seria interessante se todas as cidades tivessem, pelo menos, um edifício realmente divertido?”, argumenta o arquiteto.
Um espaço público monumental nesse estilo cumpre uma função social, diz Randall-Page. A função é reunir a comunidade em volta de um monumento. “As pessoas ficam curiosas para entender como a ponte roda, e tentam compreender. Ficam se perguntando, ela gera conversas. Faz todo mundo parar e querer observar um pouco mais, querer ficar ali um pouco mais”, comenta.
Futurista dos anos 1800, inspiração em máquinas antigas e rodas quadradas
Mas, como funciona? O “quadrado dentado” em cada extremidade rola sobre os trilhos ondulados em volta de cada margem. O lastro preenche o topo de cada portal quadrado, compensando o peso do tabuleiro da ponte que os conecta. Essa simetria permite que toda a estrutura da ponte gire suavemente em 180 graus para uma posição totalmente invertida.
Esse sistema é tão bem equilibrado que a ponte de 12 toneladas não requer motores ou eletricidade para operá-la. Em vez disso, muito parecido com uma eclusa de canal, o movimento de abertura é acionado manualmente por meio de dois guinchos manuais.
Mas o design da Cody Dock Bridge não traz só diversão, o pontilhão é funcional e sustentável. Afinal, trata-se de uma ponte levadiça que não usa energia elétrica de forma alguma para operar: ela usa a mecânica dos guinchos manuais. Uma das inspirações de Randall-Page foi o funcionamento das máquinas do começo do século 19.
“As pontes levadiças da época da primeira revolução industrial funcionavam sem ajuda de eletricidade, era tudo manual. Como as manivelas e o uso da água. São sistemas de baixíssima tecnologia, mas com muita inteligência e não extremamente complicados. Simples, mas sagazes”, explica o arquiteto.
Outra fonte que instigou Randall-Page foi o projeto do matemático Stan Wagon: uma bicicleta com rodas quadradas. E, que, veja só, conseguia rodar em uma estrada especialmente feita para ela. “E a bicicleta anda de forma bem suave, surpreendentemente. Existe algo de divertido, quase que infantil – mas de um jeito bom – no quadrado girando”, fala Randall-Page.
O arquiteto viu no trabalho de matemática uma explicação não só teórica, mas prática de como o sistema da ponte conseguiria funcionar. Mas, para a ideia sair do papel, foi outro processo. O britânico se juntou com o escritório de engenharia Price & Myers para criar um protótipo físico. A maquete mostrava todo o funcionamento da ponte, indo de um lado para outro. Só com esse sistema pronto que o arquiteto foi mostrar o seu pitch para o projeto da Cody Dock.
“Era muito importante que as pessoas vissem o modelo físico. Porque só os desenhos, os cálculos e a animação não iam conseguir convencer as pessoas. Elas iam ficar com aquela pergunta: muito legal, mas funciona mesmo?”, conta o arquiteto. Por sorte, diz Randall-Page, os responsáveis pela construção também eram fãs de “obras pouco usuais”.
Revitalização começa no design
O Cody Dock era uma antiga área industrial, com fábricas carvoeiras do final do século 19. No final dos anos 1960, a mudança de matriz energética do Reino Unido impactou a região, que deixou de ter fábricas e pujança econômica. O resultado foi um esvaziamento do local que, com o tempo, ficou abandonado. Isso ocorreu em parte do vale do rio Lea.
Desde 2009, cidadãos do leste de Londres se organizaram para comprar o terreno da fábrica que ainda o detinha para mudar o espaço, tornando-o um centro cultural, com direito a passeios de barco e festivais de música. O projeto já reuniu 5 mil voluntários para limpar, descontaminar e restaurar o lugar histórico. E a ponte faz parte dessa iniciativa. Já que teria que existir uma forma das pessoas se movimentarem de uma área para o centro do Cody Dock, atravessando o canal.
“O Cody Dock é um exemplo realmente interessante do que acontece quando os cidadãos se reúnem para mudar o ambiente e assumem o controle do bairro”, fala Randall-Page. O arquiteto conta que a segunda fase do projeto agora é revitalizar a natureza em volta do rio para torná-lo navegável novamente.
Ou seja, a ponte foi criada para barcos passarem, antes mesmo das águas estarem recuperadas. Pensando em barcos que ainda não estão navegando. Para Rnadal-Page, é assim que os arquitetos devem encarar a cidade do futuro: projetar para o espaço que eles querem que exista, criando pontes para o futuro.
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